REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

2015 - ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS

Falando dos solos (12)

Classificação dos solos

As classificações, ainda que obedecendo a critérios diferentes, escolhidos em função de cada caso, têm como principal propósito ordenar o conhecimento com vista a destacar as relações existentes entre os objectos ou os materiais classificados, e, como fim último, avançar no desconhecido.

De tudo o que tem sido exposto, ficou clara a estreita relação existente entre a génese, a evolução e a natureza dos solos por um lado, e o clima das regiões onde estes ocorrem, por outro. Assim, como na meteorização e pelas mesmas razões, existe um certo paralelismo entre a zonalidade climática (quer a definida em latitude, quer a determinada pela altitude) e a zonalidade dos solos. E, na medida em que os minerais argilosos são componentes do solo transformados ou neoformados pelos agentes externos, também eles reflectem, nas respectivas naturezas, estreita relação com o clima, contribuindo para acentuar o referido paralelismo.         

Com base neste paralelismo, acentuado há pouco mais de um século pelo pedólogo russo Leonild Sibirceff (1898), já citado atrás, pode esquematizar-se uma classificação dos solos que, não só põe em evidência um tal condicionalismo, como tem a vantagem de relacionar o solo com os processos supergénicos e atribuir-lhe os correspondentes significado e importância no âmbito da geologia. 

ASOLOS ZONAIS – Também referidos por solos térmicos, correspondem, por definição, a solos em equilíbrio com o clima, isto é, solos cujas principais características são consequência do clima da região onde se encontram.

1 - Solos polares – são solos muito pouco evoluídos, imaturos, praticamente reduzidos a capas de meteorização (alteritos ou rególitos), em que predomina a desagregação. Estes solos estão normalmente sujeitos a um regime alternante de gelo e degelo da “camada” mais superficial (molissolo), estando a parte mais profunda permanentemente gelada (pergelissolo ou permafrost). Em tais condições, apenas se desenvolvem líquenes, musgos e raras plantas de raízes muito superficiais.

2 - Solos podzólicos ou podzóis – também ditos solos húmicos brutos, são próprios das regiões frias e húmidas, com temperaturas médias anuais entre 0 e 8ºC e pluviosidade abundante, superior à evapotranspiração (1). Nestas regiões, onde dominam as florestas de coníferas (taiga), os solos adquirem qualidades acidificantes (pH<4) e complexantes que conduzem à cheluviação, de que resulta concentração residual de sílica. Nos solos sujeitos a estas condições, a matéria orgânica forma complexos de alumínio e de ferro (quelatos ou chelatos) hidrossolúveis, permitindo, assim, a migração destes dois elementos, deixando um resíduo rico em sílica. O perfil deste solo mostra um horizonte inferior com o aspecto e a cor da cinza e, daí, o seu nome, derivado do russo pod (inferior) e zola (cinza). São ainda destas regiões os solos da tundra (2) e das turfeiras boreais (3).

3 - Solos pardos e negros – Nas latitudes médias, temperadas húmidas e sub-húmidas, com temperaturas médias anuais entre 8 e 15ºC, os solos são mais evoluídos e, portanto, mais ricos em húmus, o que lhes confere a cor escura que os caracteriza. Para além do húmus, são significativos os teores de argila e de matéria orgânica não humificada. No que se refere à componente argilosa, em parte dependente da natureza da rocha-mãe, há condições ambientais para a neoformação sobretudo de clorite, ilite, esmectites e interstratificados vários. Nestes solos, ditos húmicos, podem distinguir-se: solos pardos a negros da floresta caducifólia (de folha caduca), próprios das regiões de maior pluviosidade e temperatura mais constante ao longo do ano; solos pardos a negros da pradaria, nas grandes planuras de vegetação herbácea e de gramíneas do continente norte-americano; solos pardos a negros da estepe, com vegetação igualmente herbácea e de gramíneas, dos extensos plainos da Ásia Central. Muitas vezes estes solos contêm carbonatos de cálcio, o que caracteriza um tipo muito particular descrito na estepe russa, referido por chernozem (4). Neste processo, conhecido por calcificação, diferencia-se um horizonte rico em carbonatos (calcite e ou dolomite) que tendem a ascender, por capilaridade, para níveis mais superficiais. Este enriquecimento tem lugar em regiões continentais, interiores, de climas frios e relativamente secos, todavia com precipitações superiores à evapotranspiração. Concomitantemente há concentração de matéria orgânica e formação de húmus. A calcificação é uma característica dos solos das referidas pradarias e estepes. Na fracção argilosa predominam as esmectites, a ilite e os interstratificados ilite-montmorilonite.

4 - Solos vermelhos mediterrâneos – Nas regiões temperadas sub-húmidas, de baixa latitude (subtropicais), de floresta de folhagem perene, predomina a rubefacção. São os solos característicos das regiões envolventes do Mediterrâneo, com temperaturas médias anuais entre 15 e 20 ºC e uma estação seca bem marcada no verão e pluviosidade no inverno. O solo enriquece em óxido de ferro (hematite), o que lhe confere a característica cor vermelha. Este processo permite alguma lixiviação das bases durante a estação húmida e enriquecimento do horizonte B em argilas, no geral caulinite e ilite. O horizonte A empobrece em húmus.

No Alentejo abundam os solos vermelhos, quer sobre rochas xistentas, quer sobre rochas calcárias, como são os mármores, onde a carsificação (5)conduziu à formação de uma argila residual de intensa cor vermelha conhecida por terra rossa (6).

5 - Solos subdesérticos – Próprios das regiões subáridas ou xéricas (7), tropicais, com pluviosidade inferior a 250 mm/ano, muito pobres, ou praticamente desprovidos de argilas e de matéria orgânica. São propícios à formação de crostas calcárias (calcretos) e siliciosas (silcretos). São próprios destas regiões os pedocals, ricos em carbonato de cálcio, como os descreveu o geopedólogo americano C. F. Marbut, em 1927. Nas regiões mais áridas (hiperáridas), não há solo no sentido pedológico do termo. A rocha sã (inalterada) aflora por todo o lado e mesmo que exista uma capa de desagregação (rególito) é sempre muito delgada e não tem, via de regra, nem matéria orgânica nem argila.

6 - Solos vermelhos intertropicais – Nas zonas vizinhas do equador e dos trópicos, entre, aproximadamente, os paralelos 30º N e 30º S, com pluviosidade superior a 1000 mm/ano e temperaturas médias anuais acima de 20ºC, domina a ferralitização. Este tipo de solo, passível de formação sobre, praticamente, qualquer tipo de rochas (excepção feita aos quartzitos), corresponde aos pedalfers de Marbut e necessita de uma estação quente e suficientemente pluviosa (que permita a hidrólise dos silicatos, a mobilização do ferro e a completa evacuação das bases), alternante com uma estação seca que possibilite a oxidação da matéria orgânica e consequente imobilização do ferro. Tal imobilização conduz à ferralitização, isto é, à formação de óxido vermelho (hematite) e ou de hidróxidos de ferro (goethite) com colorações variáveis entre o amarelado e o acastanhado mais ou menos escuro. A sílica é parcialmente libertada e a parte que resta combina-se com a alumina para formar argilas (caulinite, essencialmente). Havendo alumina em excesso formam-se hidróxidos de alumínio. A intensidade da acção bacteriana é tal que consome grande parte da matéria orgânica, não havendo, praticamente, produção de húmus. Um caso particular da ferralitização é a formação de solos ferralíticos ou lateríticos (8), uma expressão não usada na actual nomenclatura pedológica, mas que persiste em virtude do seu interesse económico.

BSOLOS INTRAZONAIS – Solos cujas características pouco ou nada dependem do clima. Num caso (os dois primeiros) dependem da natureza da rocha-mãe, noutros (os dois últimos) estão condicionados por deficiente drenagem do terreno.

1 - Rendzinas – Termo de origem russa para designar os solos calcários, ou calcimórficos, sobre rocha calcária. O solum, não diferenciado, resume-se a uma argila calcária pulverulenta.

2 - Rankers – Termo alemão para designar solos siliciosos, saibrentos, pobres em matéria orgânica, gerados sobre rochas ácidas (granitos, gnaisses e afins), comuns em alta montanha.

3 - Solos halomórficos ou halomorfos – Próprios das regiões endorreicas em zonas subáridas, onde a precipitação atmosférica é inferior à evapotranspiração. São solos salinos, isto é, impregnados de sais, no geral sódicos(carbonatos, cloretos, sulfatos) formando crostas.

4 - Solos hidromórficos ou hidromorfos – Nas regiões húmidas alagadas, com matéria orgânica redutora e formação de horizonte gley, caracterizado pela existência de manchas coradas, escuras (de ferro ferroso e matéria orgânica) e descoradas. Neste processo, referido por gleização, há empobrecimento em oxigénio do horizonte A e consequente diminuição da actividade biológica.

CSOLOS AZONAIS – São solos imaturos ou incipientes, praticamente reduzidos ao manto de alteração.

1 - Litossolos – com origem em rochas consolidadas.

2 - Regossolos – derivados de rocha não consolidadas, areníticas e arenosas.

 

(1) Conjunto da água que se evapora ao nível do solo e da superfície das plantas e de toda a água que se liberta na sequência do metabolismo das mesmas.

(2) Termo de origem lapónica para os terrenos planos, ora gelados ora alagadiços, desprovidos de vegetação arbórea e cobertos de plantas rasteiras, entre as quais musgos e líquenes.

(3) Boreal, do latim boreale, que significa setentrional, do norte, é o mesmo que árctico, do grego arkticós, com o mesmo significado.

(4) Expressão composta a partir do russo chern (preto) e zemlja (solo).

(5) Processo de erosão particularmente comum nas rochas calcárias, produzido por dissolução dos carbonatos pelas águas pluviais carregadas de dióxido de carbono.

(6) Expressão italiana que refere o barro (terra) vermelho.

(7) Do grego, xerós, seco, não húmido.

(8) Do latim later, tijolo, em alusão ao seu aspecto e ao facto de, cortado em blocos paralelepipédicos, ser usado, como tal, na construção.

 

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
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