REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

2015 - ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS

Falando dos solos (3)

Fala-se muito (e ainda bem) de aquecimento global, de poluição do ar e das águas, mas pouco se ouve acerca da degradação ou da destruição dos solos, cada vez mais exauridos e retraídos em consequência do crescimento da população e da expansão dos espaços urbanos e das múltiplas estruturas da sociedade do presente (aeroportos, auto-estradas e outras)

Em termos muito gerais, esta entidade natural que nos assegura o sustento pode ser descrita como uma capa superficial das terras emersas (de escassos centímetros a vários metros de espessura) de material não consolidado (incoerente), a um tempo, mineral e orgânico, formado no contacto do substrato geológico com o ar e a água (da chuva ou da neve), constituindo um suporte propício ao crescimento das plantas. Como material não consolidado deve aqui entender-se um qualquer tipo de rocha desagregada por efeito da meteorização e, ainda, os sedimentos, a todo o momento remobilizáveis, depositados nas planícies aluviais e deltas deste nosso mundo.

Sempre que a vegetação, seja ela herbácea, arbustiva ou arbórea (e com ela todo um cortejo de seres vivos e de matéria orgânica associada) invade a dita capa superficial, gera-se um solo, através de um processo a que os especialistas (pedólogos) chamam pedogénese. Trata-se de um processo geodinâmico, dito supergénico porque, à semelhança da biogénese, da gliptogénese (erosão) e da sedimentogénese, tem lugar à superfície da Terra e é, como eles, eles assegurado pela energia radiante recebida do Sol.

Na “Declaração de Princípios sobre o Solo Português”, apresentada pela Sociedade Portuguesa da Ciência do Solo, em 1975, o solo é um corpo natural, complexo e dinâmico, constituído por elementos minerais e orgânicos, caracterizado por uma vida vegetal e animal própria, sujeito à circulação do ar e da água e que funciona como receptor e redistribuidor de energia solar.

Para o agricultor, o solo é a terra arável e fértil ou fertilizável. É a terra que se cava e estruma. No seu modo local de referir o solo, os açorianos falam de leiva, um termo radicado no latim glaeba (terra arável), o mesmo étimo de onde deriva a nossa palavra gleba.

Dos solos mais incipientes e pobres aos mais evoluídos e ricos de matéria orgânica, todos existem porque sempre existiu e existe meteorização das rochas. É comum distinguir solos  eluviais ou autóctones, isto é,  não deslocados, permanecendo sobre a rocha-mãe, e solos aluviais ou autóctones, formados sobre materiais igualmente resultantes de meteorização mas que sofreram transporte.

Do ponto de vista termodinâmico, o solo é um sistema aberto, que permite trocas de matéria e de energia com os sistemas adjacentes, nomeadamente, a litosfera, a biosfera, a atmosfera e a hidrosfera (aqui representada pelas águas pluviais e de infiltração). Absorve e armazena energia solar, é sede de fenómenos físicos, químicos e biológicos e tende, naturalmente, para um estado de equilíbrio estacionário enquanto se mantiverem as condições sob as quais evoluiu. Localizado na interface destes quatro sistemas, o solo faz a ponte entre a vida subaérea (1) e o esqueleto mineral, abiótico, do substrato geológico,  sendo considerado um dos mais importantes ecossistemas do planeta.

Funcionando como fronteira e zona de interacção entre o orgânico e o inorgânico, o autotrófico (2) e o heterotrófico (3), o solo representa, simultaneamente, uma consequência da alteração meteórica das rochas e um agente activo dessa mesma alteração. Com efeito, a evolução do solo sobrepõe-se à meteorização, utiliza-a e, por seu turno, fornece-lhe condições para que prossiga e, até, se intensifique. Tal dinâmica ficou bem clara na afirmação, segundo a qual “à meteorização geoquímica, envolvendo apenas a alteração das rochas, segue-se a meteorização pedoquímica”, avançada, em 1953, pelos pedólogos norte-americanos Marion Jackson (1914-2002) & George Sherman (1904-1973).

 

(1) Na zona fótica dos mares, isto é, nos níveis superiores, penetrados pela luz solar, esta ponte segue um outro modelo, iniciado com o fitoplâncton na sua capacidade fotosintética. Nas profundezas abissais ocorre ainda um outro modelo, absolutamente diferente, baseado na quimiossíntese da matéria orgânica, em estreita associação com fontes hidrotermais.

(2) Ser vivo que  produz o  seu próprio alimento a partir da fixação de dióxido de carbono, por meio de, no caso vertente, fotossíntese. 

(3) Ser vivo que não possui a capacidade de produzir o seu próprio alimento, pelo que se alimenta de outros seres vivos autotróficos ou heterotróficos.

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
Blogue: http://sopasdepedra.blogspot.com/