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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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A.M. GALOPIM DE CARVALHO |
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2015 - ANO
INTERNACIONAL DOS SOLOS |
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Falando dos solos (17)
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Bio-rexistasia
Numa concepção do solo como um fenómeno
geológico, introduzida pelo geólogo americano Cutis Fletcher Marbut
(1863-1935), o geógrafo francês Henri Herhart
(1898-1982) publicou, em 1956, uma interessante e original teoria
“La genèse des sols en tant que
phénomène géologique: Esquisse d'une théorie géologique et géochimique,
biostasie et rhexistasie”, com uma segunda edição na
Masson, Paris, em 1967.
Segundo o autor francês, certas
regiões do globo estiveram ou estão numa situação que referiu por
biostasia, (do grego
bios, vida, e
státis, estabilidade) isto é,
uma situação de equilíbrio biomorfológico, expresso principalmente por
uma muito vasta e densa cobertura vegetal, de longa duração e estável.
Tal acontece porque, durante períodos muito longos, não se verificaram
variações sensíveis das condições ambientais sob as quais essa cobertura
se desenvolveu, situação exemplificada pela actual floresta
quente-húmida amazónica. O equilíbrio biológico próprio deste tipo de
cobertura vegetal protege o solo da erosão mecânica, mas é favorável à
alteração química em profundidade e subsequente evacuação dos materiais
solubilizáveis. O período biostásico é sempre um intervalo de tempo
longo, à escala geológica, e de pedogénese intensa. Por seu lado,
rexistasia (do grego
rhexis, rotura, e
státis, estabilidade)
refere, ao contrário, um tempo muito mais curto, caracterizado pela
rotura daquele equilíbrio e consequente destruição da cobertura vegetal,
com exposição do solo à erosão mecânica. As causas desta interrupção são
geralmente devidas a mudanças climáticas, mais ou menos acentuadas e
bruscas, quer no sentido do arrefecimento, quer no da elevação da
temperatura, acompanhada de secura, conduzindo à desertificação.
Durante os longos períodos
biostásicos, a manutenção de condições de humidade e de temperatura
relativamente elevadas e estáveis, associadas à exuberância da cobertura
vegetal dela dependente, conduzem a intensa alteração das rochas e a
profunda evolução dos solos, proporcionando, contudo, acentuada
protecção destes materiais, face aos agentes de erosão mecânica.
Praticamente, só os produtos solúveis resultantes da decomposição são
mobilizados e arrastados pelas águas de infiltração, no trabalho de
lavagem que exercem ao atravessá-las antes de atingirem os cursos de
água. Neste contexto, poderá falar-se de
erosão
química.
Com
efeito, ricos de substâncias químicas em solução (iões como Ca2+,
Mg2+, K+, Na+, CO3H-,
CO2-, PO4H2-, SO42-,
etc., e moléculas como SiO2) os rios promovem o seu
transporte até aos locais de sedimentação, onde esta se processa por
mera precipitação química destas substâncias ou através da acção de
seres vivos que, previamente, as incorporam na construção dos seus
esqueletos, isto é, por via bioquimiogénica. Em síntese e por outras
palavras, diremos que, no que se refere à sedimentogénese em períodos de
biostasia, a sedimentação terrígena é reduzida, ao contrário da
sedimentação química e/ou bioquímica. O material terrígeno resultante da
alteração neste tipo de ambiente e que tinge a água dos rios é,
predominantemente argiloso, impregnado de óxidos de ferro.
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Rio Amazonas |
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Nos
períodos de desnudação da cobertura vegetal, resultante das crises
rexistásicas, a floresta deixa de proteger a superfície do solo que, em
consequência do período anterior, está profundamente alterado e,
portanto, facilmente atacável pela erosão. Os materiais postos em jogo
no transporte e sedimentação subsequentes são essencialmente detríticos
e reflectem, na parte inferior das séries sedimentares que alimentam, os
produtos da capa de alteração (a primeira a ser erodida) e, na parte
superior, os materiais não alterados do substrato desnudado, sujeito,
sobretudo, a desagregação e erosão mecânicas. O período rexistásico é um
período de morfogénese intensa, não necessariamente longo, e a ele se
associam escassez de sedimentação química e/ou bioquímica, em contraste
com a grande importância de sedimentação detrítica, muitas vezes de
carácter torrencial bem marcado e sempre revelador de maior ou menor
imaturidade.
A
dialéctica biostasia versus
rexistasia, tal como a concebeu Ehrart, reforçou a dimensão geológica
dos solos, na medida em que estes são também testemunhos das paisagens
continentais suas contemporâneas, quer nos aspectos físicos (relevo,
clima) quer biológicos, em particular, a vegetação. Os constituintes
minerais do solo (areia, argila) ficam, muitas vezes, com marcas
características dos ambientes a que estão submetidos. O mesmo acontece
com os solos do passado, e as marcas que levaram consigo, na sequência
da erosão, acabaram por transitar para as rochas sedimentares
detríticas, hoje patentes em sequências estratigráficas nas quais, como
nas páginas de um livro, as procuramos ler e interpretar.
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Paisagem em ambiente rexistásico |
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Nos períodos de desnudação da
cobertura vegetal, resultante das crises rexistásicas, a floresta deixa
de proteger a superfície do solo que, em consequência do período
anterior, está profundamente alterado e, portanto, facilmente atacável
pela erosão. Os materiais postos em jogo no transporte e sedimentação
subsequentes são essencialmente detríticos e reflectem, na parte
inferior das séries sedimentares que alimentam, os produtos da capa de
alteração (a primeira a ser erodida) e, na parte superior, os materiais
não alterados do substrato desnudado, sujeito, sobretudo, a desagregação
e erosão mecânicas. O período rexistásico é um período de morfogénese
intensa, não necessariamente longo, e a ele se associam escassez de
sedimentação química e/ou bioquímica, em contraste com a grande
importância de sedimentação detrítica, muitas vezes de carácter
torrencial bem marcado e sempre revelador de maior ou menor imaturidade.
A dialéctica biostasia
versus rexistasia, tal como a
concebeu Ehrart, reforçou a dimensão geológica dos solos, na medida em
que estes são também testemunhos das paisagens continentais suas
contemporâneas, quer nos aspectos físicos (relevo, clima) quer
biológicos, em particular, a vegetação. Os constituintes minerais do
solo (areia, argila) ficam, muitas vezes, com marcas características dos
ambientes a que estão submetidos. O mesmo acontece com os solos do
passado, e as marcas que levaram consigo, na sequência da erosão,
acabaram por transitar para as rochas sedimentares detríticas, hoje
patentes em sequências estratigráficas nas quais, como nas páginas de um
livro, as procuramos ler e interpretar.
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A.M. Galopim de Carvalho. É professor
catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no
Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de
21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de
ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas.
Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico,
publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de
História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias
exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no
estrangeiro.
Blogue:
http://sopasdepedra.blogspot.com/ |
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