Deixando de lado as explicações dos filósofos da Antiguidade e dos
escolásticos medievais, a primeira tentativa de explicação da origem da
Terra remonta ao século XVII, com o filósofo e matemático francês, René
Descartes (1596-1650), Renatus Cartesius, de seu nome latino, um
heliocentrista convicto. No seu livro Principes de la philosophie,
publicado em 1643, considera a Terra como um pequeno Sol abortado, que
arrefeceu e solidificou externamente, tendo, no entanto, conservado o
fogo central. Segundo ele, o centro do planeta, que acreditava ser
matéria solar ainda ígnea, era constituído por uma camada sólida, muito
densa. Por sua vez, esta camada estava envolvida por uma camada
interior, maciça, na qual se encontravam todos os metais, e uma camada
exterior, menos maciça, terrosa, com pedras, areias, barros e lodos.
Para a maioria dos membros da Igreja medieval, então os únicos
detentores do ensino, em grande parte baseado nos textos sagrados, o
fogo era o quarto e o mais periférico dos quatro elementos ou princípios
aristotélicos, na sequência “terra – água - ar - fogo”, negando, assim,
a existência de um fogo central. Afastando-se desta visão, Alberto Magno
(1206-1280) e o seu discípulo, Tomás de Aquino (1225-1274), membros
ilustres da mesma Igreja, haviam advogado a existência do fogo central,
pelo que nem eles nem os seus seguidores haviam sido bem vistos pelas
autoridades religiosas. Neste quadro, a visão de Descartes era
considerada sacrilégio pelas autoridades religiosas de então, o que não
podia deixar de limitar a criatividade do autor. Na mesma época, o Santo
Ofício levara Giordano Bruno à fogueira e obrigara Galileu a repudiar as
suas ideias sobre o heliocentrismo, tidas por ofensivas da Fé. Face a
uma perseguição tão violenta, este filósofo e matemático francês, que
foi figura-chave da chamada Revolução Científica da Idade Moderna e
autor do célebre Discurso sobre o Método, acautelava-se afirmando que o
seu relato era uma simples hipótese, não desejando, com ela, negar os
textos bíblicos. Não obstante essa cautela, Descartes trocara a França
pela Holanda protestante, de onde também teve de sair, uma vez que o
cartesianismo fora condenado pela Universidade de Utrecht, acabando por
se refugiar na Suécia.
Numa caminhada nem sempre fácil, o fogo central admitido por Descartes,
foi defendido por grandes nomes da ciência do século XVIII, como os
franceses Georges-Louis Leclerc, Conde de Buffon (1707-1788), Pierre
Simon Laplace (1740-1827), e o escocês James Hutton (1726-1797),
acabando por se impor aos olhos da comunidade científica.
Em Inglaterra, Thomas Burnet (1635-1715), teólogo e cosmólogo e
naturalista, capelão e secretário de Guilherme III, limitado pelos
deveres de obediência à hierarquia, afastou-se do pensamento de
Descartes. O modelo que elaborou expôs em “Telluris Theoria Sacra”
(Sagrada Teoria da Terra), publicado em latim, em 1681, e, três anos
depois, em inglês, é destituído de qualquer fundamento científico sobre
a estrutura do planeta, constituindo uma obra fantasiosa aceite
historicamente como uma mera tentativa de especulação cosmológica, muito
ao estilo da Idade Média. Para Burnet, os constituintes da Terra estavam
dispostos por densidades: terra no centro (em vez do fogo) rodeada de
água, óleo e ar. Mas, segundo ele, o óleo carregava-se progressivamente
de partículas terrosas, endurecia e afundava-se na água. Esta sua
perspectiva reflectia, assim, a sua firme convicção da perfeição divina
no nascimento da Terra e em todos os seus processos.
Na Alemanha, o seu contemporâneo, Gottfried Wilhelm von Leibniz
(1646-1716), filósofo e matemático de renome mundial, doutorado em
Direito pela Universidade de Nuremberga, também se envolveu em temas
ligados às ciências da Terra. No seu livro “Protogea”, publicado em
1680, posteriormente reeditado em inglês, afirma que o fogo inicial já
se havia extinguido por arrefecimento total do planeta, cujo interior
estaria agora preenchido por um material vítreo e frio. Face ao seu
grande prestígio, esta de um centro da Terra sem fogo dava força às
tentações censórias do poder religioso. Para Buffon, a Terra, à
semelhança dos planetas seu vizinhos, nasceu de uma porção arrancada ao
Sol por uma outra estela que lhe passou suficientemente perto para
exercer essa acção atractiva. Na obra que escreveu de parceria com
Louis-Jean-Marie Daubenton (1716-1790), de grande divulgação na época,
«Théorie de la Terre», em 1747, desenvolveu a sua concepção sobre a
origem da Terra e do Sistema Solar. Segundo ele, essa porção de matéria
solar incandescente deu origem a vários corpos esferoidais, um dos
quais, o terceiro a contar do Sol, deu origem à Terra. Arrefecida na sua
capa superficial, ficou-lhe o calor interno. Esta visão da origem do
nosso planeta num acidente catastrófico não teve seguidores na época,
mas a aceitação de um interior muito quente, à semelhança do defendido
pelo seu conterrâneo René Descartes, fornecia argumento aos que viam aí
o calor suficiente para gerar a fusão dos magmas e alimentar o
vulcanismo, como foi, entre outros, James Hutton. Segundo Buffon, logo
que o planeta arrefeceu, surgiram as rochas, elevaram-se as montanhas e
o vapor de água da atmosfera de então acabou por condensar, sendo essa a
origem da água que cobriu as grandes áreas deprimidas do globo, gerando
os mares e oceanos.
Uma explicação da origem do nosso planeta segundo o modelo muito próximo
do actualmente aceite pela comunidade científica, remonta ao século
XVIII, aventada pelo alemão Immanuel Kant (1724-1804), filósofo do
criticismo, do idealismo transcendental e do realismo conceptual.
Refutando a tese de Buffon, este professor da Universidade de
Königsberg, tido como um dos mais influentes pensadores do século XVIII,
defendia que o nosso planeta, à semelhança dos outros do Sistema Solar,
teria sido formado no estado de fusão, por condensação de uma nébula
primitiva, logo, possuidora do calor interno. Esta sua hipótese nebular,
formulada independentemente, meio século antes, da do francês Pierre
Simon, marquês de Laplace (1740-1827), trouxe nova interpretação física
ao Sistema Solar. Fundador da Mecânica Celeste, Laplace, considerado
entre os maiores cientistas da humanidade, utilizava a matemática como
uma ferramenta essencial à investigação científica e em muitas
tecnologias. Grande na matemática, na física, na astronomia, foi
igualmente grande nas Ciências da Terra, ao apresentar, em 1796, a sua
hipótese para a origem da Terra, muito próxima da formulada por Kant, de
largo consenso durante todo o século XIX e parte do século XX. Estas
duas hipóteses reforçavam a convicção de que a Terra, à semelhança dos
outros planetas do Sistema Solar, seria possuidora do calor interno tão
necessário à defesa das teses vulcanistas e plutonistas em grande
efervescência na época, e de todas as outras relacionadas com a
geodinâmica interna, como são, por exemplo, a expansão dos fundos
oceânicos ou a elevação das cadeias de montanhas. Numa retoma da
concepção catastrofista formulada um século e meio antes por Buffon, o
norte-americano, Thomas Chrowder Chamberlin (1843-1928), professor de
Geologia, fundador e presidente da Academia de Ciências de Chicago, e o
astrónomo Forest Ray Moulton (1872-1952), seu conterrâneo, apresentaram,
em 1905, uma teoria da formação do Sistema Solar, conhecida por hipótese
planetesimal ou de maré de Chamberlin-Moulton. Repetindo o pensamento do
grande naturalista francês, admitiram a passagem de uma estrela muito
perto do Sol, o que teria sugado uma porção de material solar que, uma
vez ejectado, constituiu dois braços espiralados em torno dele. Foi
deste material a orbitar a estrela-mãe que, por arrefecimento, se
formaram os pequenos (cerca de 1 km) corpos sólidos que designaram por
planetesimais que, uma vez aglutinados deram origem à Terra e aos
restantes planetas que nos acompanham.
Em 1918, o matemático e astrónomo inglês James Hopwood Jeans (1877-1946)
e o geofísico seu conterrâneo, Harold Jeffreys (1891-1989), na mesma
linha catastrofista dos colegas americanos, propuseram um outro modelo
para a origem da terra e do Sistema Solar, passando igualmente pela
formação prévia de planetesimais.
Uma e outra destas duas concepções radicadas numa porção de material
estelar arrancado ao Sol, foram contraditadas, cerca de duas décadas
mais tarde, pelos astrofísicos americanos Henry Norris Russell
(1877-1957) e seu discípulo, Lyman Spitzer (1914-1997), ao demonstraram
que, ao contrário de se fixarem em orbitas em torno do Sol, os planetas
assim formados se escapariam para o espaço exterior. Estas hipóteses, na
linha catastrofista inovada por Buffon, acabaram igualmente rejeitadas,
mas a ideia de planetesimais formados por acreção de corpos menores, que
trouxeram à luz do dia, ainda se mantém válida.
Voltando a algo muito próximo do que foi o pensamento dos grandes Kant e
Laplace, admite-se hoje que o Sol teria nascido de um “glóbulo” de
condensação de uma “nébula” de matéria cósmica, resultante da explosão
(supernova) de uma estrela anterior. De início, a muito baixa
temperatura, a quase totalidade deste glóbulo (98,8%), em colapso
gravítico e em rotação sobre si próprio, foi aquecendo e acelerando esse
movimento, à medida que se contraía, tornando-se uma proto-estrela
incandescente e em rotação que, a partir de uma dada temperatura, na
ordem de 12 000 000 OC, desencadeou a actividade termonuclear própria de
uma verdadeira estrela, induzindo a fusão do hidrogénio em hélio. A
parte restante do referido glóbulo (1,2%) distribuiu-se num disco
achatado no plano equatorial do Sol e a circular em torno dele, dando
origem, há cerca de 4540 milhões de anos, por acreção, aos planetas,
asteróides e cometas que, no conjunto, integram o Sistema Solar.
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