REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

As pedras e as palavras

O pior que se pode fazer no ensino das rochas ou das pedras, como toda a gente lhes chama, é apresentá-las desinseridas dos respectivos contextos prático e cultural, precisamente os que têm mais probabilidades de permanecer na formação global do cidadão, em geral, e, naturalmente também, dos estudantes.

Insistir, como tem sido uso e abuso, nas definições estereotipadas e nas listagens para “empinar” e, pior ainda, fazer de tudo isso matéria de ensino obrigatório, tendo em vista a passagem nas provas de avaliação, é um erro grave com consequências conhecidas. Os alunos passam mas continuam a ignorar a matéria que lhes foi ministrada e lhes seria útil, em termos de bagagem cultural, como cidadãos.

Por esta via, não há formação possível, com a agravante de condenar tal aprendizagem, não só ao esquecimento, como também à sua inclusão no grupo das matérias escolares que se rejeitam ou se detestam, num sentimento que fica para a vida.

Este texto resulta da actualização de um anterior publicado no meu livro “INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO MAGMATISMO E DAS ROCHAS MAGMÁTICAS” (Âncora Editora, 2002

“Para o cidadão comum, pedra, do grego pétra, é uma entidade natural, rígida, coesa e dura, que se apanha do chão. São muitos os topónimos relacionados com a ideia de pedra, quer na versão original grega, quer na portuguesa. Pedra Furada é uma localidade no concelho de Barcelos e de mais duas no concelho de Sintra, uma na freguesia de Almargem do Bispo e outra na de Montelavar, esta marcada por curiosos aspectos de erosão cársica sobre os calcários do Cretácico superior. Pedra Maria é uma aldeia do concelho de Felgueiras. No plural, Pedras Rubras é um lugar do concelho da Maia onde se situa o Aeroporto Internacional Francisco Sá Carneiro. Aumentativo de pedra, Pedrão é um município brasileiro no estado da Bahia e padrão, o marco que os nossos navegadores deixaram na rota dos descobrimentos. Pedralva ou pedra branca é o nome de um município do estado brasileiro de Minas Gerais e também o de uma aldeia do concelho de Vila do Bispo, no Algarve. Pedroso (Vila Nova de Gaia), Padroso (duas freguesias, uma em Montalegre e outra em Arcos de Valdevez), Alter Pedroso (Alter do Chão), Pedrouços (Lisboa), Pedregal (Barcelos) e Pedrancha (Trouxemil, Coimbra), são outros topónimos derivados de pedra. Pedrela ou Padrela é uma das serras de Trás-os-Montes e Padrela e Tazem, uma freguesia do concelho de Valpaços. Com a mesma origem, Pedrógão, do latim petroganum, no distrito de Leiria, evoca uma pedra branca.

Pedrês é a galinha salpicada, num granulado de preto e branco, como o granito. Empedernido diz-se daquele que é insensível como a pedra e pedernal ou pederneira é a pedra-de-fogo que os nossos avós usavam nos bacamartes ou com que os tetravós destes talhavam machados, facas e pontas de seta. Pedregulho corresponde ao matacão dos geólogos brasileiros e pedrulha que, no português antigo, é sinónimo de cascalho, deu nome a uma localidade do concelho de Coimbra. Despedrega é o acto de retirar as pedras de dentro do solo, a fim de o preparar para o cultivo, e pedreiro, que tanto é o operário que trabalha a pedra, como é o nome que se dava aos morteiros de grande calibre que lançavam pelouros de pedra. Empedrar, pedregoso, pedregal e pedrisco são outras palavras radicadas no mesmo étimo.

Pedro, nome de gente, vem de pedra. «Tu és Pedro e sobre ti levantarei a minha Igreja», disse Jesus ao discípulo. Petra é a antiga cidade da Jordânia repleta de monumentais ruínas escavadas na rocha, Petrópolis, a “cidade imperial”, do estado do Rio de Janeiro, evoca o Magnânimo D. Pedro II, que lhe deu nascimento, e São Petersburgo é o nome da antiga Petrogrado, assim chamada em homenagem a Pedro, não o Santo, mas o Grande, de todas as Rússias. Petróleo é o óleo saído do chão, de dentro das pedras, petrologia, a ciência que estuda as pedras e petrólogos, os seus cultores. Petrificados ficamos quando uma notícia nos gela o sangue e nos imobiliza. Num falar antigo, petrificados são os fósseis, ou seja, os restos dos seres vivos do passado que chegaram até nós depois de mineralizados ou convertidos em pedra.  

Pera é fruto, mas também é pedra e é neste sentido que a palavra deu nome à freguesia de Pera no concelho de Silves. Pero é o nome arcaico de Pedro e Peres são os seus descendentes. Pero Vaz de Caminha e Pero da Covilhã são nomes conhecidos da nossa história e Pero Botelho é o Diabo que não pára de rugir na caldeira que tem o seu nome, no sítio das Furnas, na ilha açoriana de S. Miguel. Pereira, no concelho de Montemor-o-Velho, alude a pedra, não à árvore e Pereiro é o nome de uma aldeia no concelho de Mação. A antiga Castanheira de Pedrógão, no distrito de Leiria, mudou de nome, a meados do século XIX, para Castanheira de Pera, expressão em que o segundo nome também alude a pedra e não ao fruto. Em Peraboa, freguesia no concelho da Covilhã, havia, ao que se diz, uma rocha de boa qualidade. Com o mesmo étimo, Peralta, ou pedra alta, é um município espanhol na comunidade de Navarra e Peramanca e Perafita são nomes de sítios na região de Évora que evocam grandes marcos de pedra. Estas pedras ou estavam “mancas”, isto é, tombadas, ou ainda se mantinham “fitas”, maneira antiga de dizer erguidas, na postura fálica em que as colocavam os nossos antepassados do período megalítico e que os pré-historiadores divulgaram sob o nome de menhires, mantendo a expressão original bretã men hir, que significa pedra comprida. Perolivas, localidade da mesma região, quer dizer pedra verde, cor de azeitona, a cor habitual do anfibolito e de alguns xistos. Pera Velha é uma freguesia do concelho de Moimenta da Beira e Pera Longa, uma urbanização na freguesia de Tortosendo (Covilhã). 

Em galês, pedra diz-se lech, de onde a palavra cromlech, que significa grande pedra arredondada, já usada no século XVII, para designar este outro tipo de monumento megalítico, de que temos magnífico exemplo no cromeleque dos Almendres, no concelho de Évora, a que os naturais deram o nome de pedras-talhas, dado que os respectivos megálitos têm a forma das tradicionais talhas de barro em que ainda se guarda o vinho. 

Todos falamos de rocha como sinónimo de pedra, com base num conhecimento comum, empírico, vulgar, ligado à experiência quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadãos. Dizemos rochedo quando o afloramento de rocha é grande e apelidamos de rochoso um terreno com a rocha à vista. A palavra é um galicismo que, entre nós, se sobrepôs ao termo roca, bem mais antigo, talvez pré-romano. Cabo da Roca, ou “Focinho da Roca” no dizer dos homens do mar, deve o seu nome a esta versão arcaica da palavra rocha. O mesmo termo está na origem da expressão enrocamento com que se designa o acto de proteger com blocos de rocha certos pontos da linha de costa face à acção erosiva das vagas e, ainda, de rocaille, a palavra que refere uma expressão artística, nascida em França, em finais do século XVII, inspirada nas rochas.  

Do castelhano peña, o cume rochoso de uma elevação do terreno, a nossa palavra penha deu nome a Penha Garcia, freguesia do concelho de Idanha-a-Nova, às conhecidas Penhas Douradas e Penhas da Saúde, na serra da Estrela. Sinónimo de rochedo, penhasco está na base do topónimo Penhascoso (ou Panascoso na designação antiga) freguesia do concelho de Mação, lembra o carácter rochoso do sítio. 

Com o mesmo significado, o termo pena deu nome ao Castelo de Sintra, edificado sobre uma penha, à semelhança de outras que marcam certos cumes rochosos deste relevo. Penalva do Castelo deve o seu nome à alvura da penha onde se erigiu aquela fortificação medieval. Penela ou penha pequena é topónimo de uma vila do distrito de Coimbra, anterior à nacionalidade, nascida em torno do castelo que marca o cimo dos rochedos de arenito do Triásico. Com a mesma raiz, Penedo é uma localidade na freguesia de Colares, Penedono, um município do distrito de Viseu, e Peneda, a serra. Alusivos a pena e com raiz no latim pinna, Pina é apelido de gente e pináculo, um cimo rochoso e pontiagudo ou, em sentido figurado, o ponto mais alto de uma construção. 

Vindo do pré-romano, a palavra barroco tanto significa pedra como barranco, o sulco que a água das chuvas escava no terreno, tornando-o irregular e pedregoso. É, ainda, o estilo artístico, das artes plásticas, da música e da literatura, que recorre a figurações de pedra lembrando grutas e rochedos e que, desde os finais do século XVI até meados do século XVIII, se opôs ao classicismo da Renascença. Barrocal é a paisagem pedregosa que marca o Jurássico calcário algarvio e barroqueiro, a pedra que se apanha do chão e se arremessa. A mesma a que o alentejano e o algarvio chamam bajoulo, num regionalismo muito seu. 

De origem antiga, duvidosa, talvez do pré-romano canthus, dispomos também para expressar a mesma ideia, do vocábulo canto. Sinónimo de pedra na língua de Cervantes, este termo, muito pouco empregue entre nós, é de uso frequente na vizinha Espanha (cantal, em catalão). Dele derivam, entre nós, cantaria, a pedra talhada, normalmente em blocos paralelepipédicos, muito usada na construção civil de maior importância, antes do advento do betão armado. Canteiro tanto designa o profissional desta arte, como a porção de terra do jardim ou da horta onde se plantam flores ou hortaliças, canteira é versão menos comum de pedreira (cantera, em castelhano) e chamamos cântaros aos cumes graníticos da Serra da Estrela. Radicados no mesmo canthus, dispomos, ainda, cantil, a ferramenta com que o escultor alisava a pedra, sendo curioso notar que alcantil, com o mesmo étimo, chegou-nos através do árabe al kantil, que refere o escarpado ou cume rochoso, alcantilado. 

Em alusão à ideia de pedra usamos, ainda, a palavra latina, lapis. Com efeito, era de pedra o lápis feito de ardósia da nossa infância. Deste étimo nasceram expressões mais ou menos correntes como lapiseira, lápide ou lápida, lapídeo que significa petrificado e insensível, lapidoso ou pedregoso e lapidificação que é o mesmo que petrificação, mas que também é uma forma cruel e desumana de execução, entre os fundamentalistas islâmicos, apedrejando os condenados até à morte. Lapidar é talhar a pedra, quer a ornamental, em cantaria, quer a preciosa, com vista à joalharia. Como adjectivo, quer dizer basilar, fundamental. Lapidários são os manuscritos da Idade Média que falam das pedras, em especial das suas propriedades medicinais e mágicas, com descrições fantasiosas em torno delas, numa época em que mineral e pedra se confundiam. Lapidadas são as mulheres muçulmanas, vítimas da referida sentença de morte, e as pedras preciosas que enriquecem as jóias dos que têm gosto e posses para as adquirir, sendo o lápis-lazuli (pedra azul) uma delas. Lapidicidas diz-se dos moluscos que perfuram as pedras para aí se alojarem, lapidículas são as águias e outras aves que fazem ninhos entre pedras ou nas fendas dos rochedos. Lapilli é o termo italiano adoptado pelos nossos vulcanólogos para nomear um tipo particular de produtos piroclásticos, para os quais já dispúnhamos da expressão açoriana, bagacina. 

Na Antiguidade mármore designava toda a pedra susceptível de ser usada em cantaria, como o mármore propriamente dito, o basalto (“mármore negro”, com lhe chamou o naturalista romano Plínio, o Velho, no séc. I), o alabastro, o calcário e o arenito fino, bem consolidado, como o do Triásico germânico (Buntsandstein). Pedra ornamental por excelência, abundantemente usada na estatuária, o mármore é para os geólogos a rocha resultante do metamorfismo do calcário submetido a temperaturas e pressões elevadas, em profundidade, no decurso da formação das montanhas. 

Na mesma linha de pensamento há, ainda, que relacionar o elemento de composição culta lito, saído do grego, lithós, que encerra a ideia de pedra ou rocha. De uso restrito a estratos mais avançados em termos de escolaridade e vivência sóciocultural, refere-se por litologia a disciplina interessada no estudo das rochas, por litogénese as suas origens e por litosfera a capa rochosa que envolve a Terra, formando os continentes e o substrato dos fundos oceânicos. Litografia e litogravura, Paleolítico, mesolítico, neolítico, calcolítico e megalítico são designações que distinguem sucessivas fases da pré-história do Homem ou qualificam acções ou produtos com ela relacionados. Pirólito, batólito, facólito, fonólito, riólito e micrólito, litificação e litoclasto são termos correntes no jargão geológico, mas que dizem muito pouco ao cidadão comum. Litófagos são os moluscos bivalves que perfuram a pedra onde se encaixam e de litíase falam os médicos relativamente à formação de estruturas sólidas, as vulgaríssimas “pedras” ou cálculos renais e biliares. 

Muitíssimo menos divulgado, mesmo entre os geólogos, mas bem conhecido dos cultores da língua e estudiosos dos seus percursos semânticos, temos ainda o elemento de composição culta, sax, que exprime igualmente a ideia de pedra. Oriundo do latim, o elemento saxus compõe as palavras sáxeo e saxoso, duas formas eruditas de dizer pedroso ou pedregoso, saxátil, o que vive entre as pedras, saxícola, que tanto é o indivíduo que habita as penedias como o idólatra que presta culto aos deuses de pedra, e saxífragas, as plantas cujas raízes penetram as fissuras da pedra alargando-as. 

Passando ao uso popular, saxus deu seixo, pedra dura ou pedra bruta que, com o tempo e para as gentes do litoral sul, passou a referir, em geral, os fragmentos mais ou menos arredondados das praias ou dos rios. Para alguns sítios do interior norte e serrano, o termo seixo é empregue para denominar os clastos angulosos de quartzo filoniano espalhados no terreno por desmantelamento e erosão dos respectivos filões, onde, em alguns casos, se explora esta variedade de sílica. Seixal, quer a cidade e o concelho a sul do estuário do Tejo, quer a povoação na costa norte da ilha da Madeira, devem o nome à abundância de seixos rolados ali concentrados, no primeiro caso, de quartzito, pelo transporte fluvial do Tejo e, no segundo, de basalto, por acção das vagas. Em alusão ao referido carácter anguloso, subentendido na palavra seixo, Têm essa conotação as localidades Seixinho (Guarda), Seixal (Viseu) e Seixoso (Porto). A associação de seixo ao quartzo filoniano está ainda patente na expressão seixo-bravo usada, no norte do país, para referir os filões quartzosos estéreis, isto é, sem minério. Chama-se seixeira à escavação de onde se extraem seixos para diversos fins industriais, e qualificam-se de seixosos os respectivos locais. Seixebrega é a planta usada em tisanas, como mezinha, para dissolver as pedras dos rins.  

O vocábulo fraga, que nos chegou vindo do latim hispânico, fragum, é o mesmo que penha ou penhasco e fragoso significa pedregoso ou penhascoso. Fraguedos e fragarias são penedias, do mesmo modo que fragais ou fragaredos (como se diz em Trás-os-Montes) e fragueiros, que refere os que vivem nas montanhas, entre fragas.  

O nome do elemento químico silício e os seus derivados sílica, silicato, silicito e silicon radicam no termo latino silex que, na origem, significa pedra, passando depois a ser conhecido por pederneira. Com efeito, são de pedra os artefactos dos nossos remotos antepassados, conhecidos por sílices, no plural, e, daí, a expressão Idade da Pedra com que designamos esses tempos pré-históricos. 

Mas há ainda outras palavras na nossa linguagem comum associadas à ideia de pedra, tal a sua importância na vida da humanidade. E comecemos por cálculo, a expressão erudita para referir a “pedra” das litíases biliar e renal, mas que também dá nome ao acto de calcular. Com efeito, calculu, do latim, significa pedrinha, e com pedrinhas se contava e faziam contas na Antiguidade, e que hoje fazemos por via electrónica nas modernas calculadoras.  

Com raiz no latim calx, a nossa palavra vulgar cal designa a pedra branca que, uma vez regada com água, dá a calda com que ainda se branqueiam as paredes nas aldeias e montes que distinguem o Alentejo e o Algarve das restantes regiões do país. Designa, ainda, a argamassa que se usava antes da descoberta do cimento. Cal veicula, igualmente, a ideia de pedra e com pedras, a servirem de lastro, se calavam os barcos quando, sem carga, se faziam ao mar. Com o mesmo étimo, dá-se o nome de calado à profundidade a que se encontra o ponto mais baixo do casco de uma embarcação, em relação à superfície da água onde se encontra mergulhada. 

Com a mesma origem, calcário é a rocha sedimentar com que se faz a cal, calçada é o revestimento com pedras e calceteiro, o artista que celebrizou no mundo a calçada portuguesa. O mesmo étimo está na base de calçado, calcanhar e do respectivo osso, o calcâneo, assim como cálcio, o elemento químico, e o mais abundante dos seus minerais, a calcite. Calçar é meter uma pedra por baixo daquilo que queremos que fique firme e calcar o chão é dar-lhe a compactação da pedra. Caleiras são sulcos ou regos inicialmente empedrados, tendo o nome sido generalizado, depois, ao mesmo tipo de aparato ainda que feito com outros materiais. Mas caleira ou caieira (termo usado no Alentejo) é o forno de cal, caleiro ou caieiro, o homem que a fabrica e/ou a vende, caiador, o que se serve da cal para caiar e caios, as ilhas rasas, feitas de areia calcária, dos mares recifais das Caraíbas. Calhau, termo que se pensa ser de origem céltica, tanto refere a pedra que se apanha no chão como o seixo rolado do rio ou da praia. Calle é a rua ou a calçada dos nossos vizinhos espanhóis, com correspondência para português em calhariz e em calheta que, no mundo rural do continente se usa para referir um atalho por onde passam os rebanhos e que, nas ilhas, significa pequena enseada ou abrigo na costa rochosa. 

E as referências à pedra, sempre ligadas ao nosso quotidiano desde os tempos mais recuados, não cessam de no-lo lembrar. Lapa, vinda do pré-céltico, é uma pedra que forma um abrigo natural, e lapedo, um sítio de muitas lapas. Com significados afins e de origem incerta, talvez pré-romana, temos, ainda, respectivamente, laje e lajedo. Aumentativo de lapa, lapão é o mesmo que lajão, sendo igualmente nome dado a homem rude ou grosseiro e ao natural da da Lapónia. 

De origem obscura temos ainda os termos rebo e gobo que significam calhau rolado, e os seus equivalentes minhotos, gode e godo, e o transmontano gogo, o grande seixo liso, no geral de quartzito, em que o sapateiro batia a sola. Burgau é o nome de uma praia algarvia, na região de Vila do Bispo, assim chamada em virtude da presença significativa de calhaus, seixos, burgos ou burgaus. 

Cascalho e cascalheira são substantivos colectivos que designam acumulações ou depósitos de calhaus ou seixos, de tamanho a caber numa mão. As duas palavras radicam no latim quassicare, que significa fragmentar, étimo que está na origem de casca, o invólucro quebradiço do ovo, e do verbo francês casser (partir, quebrar).  

De uso regional, conhos, do latim cuneus, indicam tanto os penedos arredondados emergentes a meio do rio, como os calhaus rolados, no geral de quartzito, próprios das aluviões fluviais. No Tejo e no Zêzere, entre outros rios do centro do País, fala-se de conheiras, extensos amontoados de conhos, deixados pela prospecção e lavra do ouro, levadas a efeito em grande escala, ao tempo da ocupação romana do nosso território.  

Rupi ou rupe são mais dois elementos de composição culta, de origem latina, que veiculam a ideia de pedra, sendo por isso que qualificamos de rupículas os animais que vivem entre rochas e que adjectivamos de rupestres as gravuras e as pinturas deixadas nas paredes rochosas pelos nossos antepassados pré-históricos.  

Para os romanos, gemma era o nome que se dava às pedras preciosas, algumas delas descritas por Plínio, o Velho, e que continuamos a usar na versão portuguesa gema. É por esta razão que ao mineral halite damos o nome de sal-gema, para o distinguir do cloreto de sódio produzido nas marinhas. 

Psephós, a palavra grega que significa seixo é, também, sinónimo de voto ou sufrágio, porque, entre os gregos, os votos eram contados com pequenos seixos. Em provas académicas nas nossas universidades, as votações eram feitas, sob sigilo, com “pedras” ou bolas brancas e pretas, lançadas numa urna. Psefógrafo é o aparelho destinado à contagem de votos em assembleias eleitorais, psefologia, a disciplina que estuda os resultados desses actos e psefólogo o estudioso desta matéria. Aportuguesamento de um termo surgido na Alemanha, a meados do século XIX, psefito é o nome de uma classe de rochas sedimentares essencialmente constituída por seixos ou calhaus; Com o mesmo significado, rudito, do latim rudus, surgiu na América, nos começos do século XX. 

No Brasil, o étimo ita, do tupi-guarani, falado pelos índios, quando os portugueses ali chegaram, traduz a ideia de pedra e figura na composição dos nomes de duas localidades de Minas Gerais, Itabira e Itacolumi, e de duas rochas, muito especiais, oriundas dessas regiões, itabirito, um arenito flexível, e itacolumito, um importante minério de ferro. 

 Divergente de ita, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, o sufixo culto ite, do grego ités, é usado, entre franceses e ingleses, na formação de nomes quer de minerais quer de rochas. Entre nós, este sufixo é apenas utilizado nos nomes de minerais (pirite, calcite, dolomite, grafite, etc.) Para as rochas, os petrógrafos portugueses da segunda metade do século XX, adoptaram a terminação ito (granito, quartzito, dolomito, antracito, etc.)”. 

A.M. Galopim de Carvalho. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.
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