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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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A.M. GALOPIM DE CARVALHO |
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MINERAIS E CRISTAIS,
MINERALOGIA E CRISTALOGRAFIA
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Os minerais estão no nosso quotidiano. Nas pedras das
calçadas, na areia com que se faz o vidro, nas matérias-primas de todos
os metais que nos asseguram a sociedade industrial, nas jóias de quem as
pode usar e no sal de que nós, portugueses, abusamos.
Todos
falamos de minerais com base num conhecimento vulgar, empírico, ligado à
experiência do dia-a-dia. Minas, minérios e mineiros fazem parte do
vocabulário popular por razões óbvias ligadas a um vasto e velho sector
primário da economia. Não há sítio onde não se fale de minas, nem que
seja de minas de água. Mina, nome que recebemos através do francês
mine, significa escavação na terra e parece radicar na cultura
céltica, vivida por um povo ao qual se deve a metalurgia do ferro.
Por
mineral entende-se um corpo sólido, inorgânico, natural, de composição
química variável dentro de limites bem estabelecidos, caracterizado por
uma disposição geométrica dos seus átomos, segundo redes
tridimensionais, próprias de cada espécie. Diz-se, então que os minerais
têm estrutura cristalina.
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Desde
a Antiguidade e até, pelo menos, ao século XVIII, acreditou-se que os
cristais de quartzo hialino, isto é, incolor e transparente, eram
ocorrências de água no estado sólido, num grau de congelação tão intenso
que era impossível fazê-los voltar ao estado líquido.
Aristóteles (384-322 a. C.) chamava cristal
ao gelo (krystallos, em grego) e foi sob este nome que esta
espécie mineral passou aos domínios da alquimia, primeiro, e da
mineralogia, depois. Um seu aluno, Theophrastus (372-287
a. C.), distinguia o cristal-água (o gelo) do
cristal-pedra (o quartzo hialino). Os romanos mantiveram este
entendimento, latinizando o nome para cristallus, como se pode
ler num dos 38 volumes da “História Natural”, de Plínio, o Velho, (23-79
d. C.).
Foi o
carácter transparente e incolor do cristal-pedra que acabou por dar o
nome ao vidro industrial de alta qualidade, a que hoje chamamos
simplesmente cristal. A expressão
cristal-de-rocha,
aplicada ao quartzo hialino, surgiu muito mais tarde (no séc.
XIX) para distinguir o mineral do produto manufacturado. A palavra
cristal acabou, depois, por se generalizar aos corpos poliédricos
minerais ou orgânicos, naturais e artificiais, tendo sido, por isso,
usada como étimo do nome da disciplina que os estuda – a Cristalografia
– afirmada como ciência no início do século XIX com René-Just Haüy, em
França.
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Minerais e cristais são, pois, duas realidades
indissociáveis. Por tradição, o conceito de
cristal implicava o carácter poliédrico (facetado) do sólido, fosse
ele uma substância mineral ou orgânica, natural ou produzida
artificialmente. Tal concepção foi abandonada a partir do momento em que
se tornou conhecida a estrutura íntima, à escala atómica, dos corpos no
estado sólido. Assim, cristal é hoje entendido como uma porção uniforme
de matéria cristalina, matéria que, como se disse atrás, é caracterizada
por uma disposição geométrica dos seus átomos, segundo redes
tridimensionais, próprias de cada espécie. Um tal arranjo geométrico é
posto em evidência, entre outras manifestações, pelas faces do cristal.
Mas nem sempre a matéria cristalina se manifesta com a configuração de
um cristal, no sentido vulgar do termo, isto é, no de um corpo
poliédrico, total ou parcialmente limitado por faces planas. Um grão de
quartzo, no seio do granito ou solto e na areia da praia, não tem forma
poliédrica, mas é matéria cristalina.
Com a
mesma composição química do quartzo, a opala, uma variedade de sílica
amorfa, isto é, não cristalina. Amorfo é também o vidro vulcânico,
principal constituinte de rochas como a pedra-pomes ou a obsidiana.
Ainda
que cristalinas, não são consideradas minerais as substâncias
inorgânicas produzidas artificialmente e as orgânicas, sejam elas
naturais ou artificiais. Hoje em dia, são muitos os chamados sintéticos,
isto é, substâncias química e estruturalmente semelhantes a determinadas
espécies minerais, produzidas (sintetizadas) em laboratório e/ou
industrialmente. O quartzo o diamante, e muitas outras gemas sintéticas
não são, pois, minerais. A sua produção com fins tecnológicos,
gemológicos ou outros, é hoje uma rotina
A
Mineralogia é a ciência que estuda os minerais, nela se separando
uma Mineralogia Pura, interessada nos aspectos científicos fundamentais,
do saber pelo saber, e uma Mineralogia Aplicada, visando a utilização
dos minerais como matérias-primas nas mais variadas indústrias e
utilizações. Vinda da Antiguidade, com destaque para as civilizações
chinesa, babilónica, hindu e egípcia, através da tradição e dos textos
eruditos dos clássicos gregos e latinos, recuperados pelos árabes, a
Mineralogia percorreu a Idade Média de mãos dadas com a Alquimia, tendo
aí crescido, deixando para trás muitas das concepções fantasiosas e
místicas dos escolásticos. A Mineralogia
afirmou-se e desenvolveu-se como Ciência, juntamente com a Química, ao
longo dos séculos XVIII e XIX, fazendo-a progredir e tirando dela o
essencial do seu desenvolvimento com acentuada organização sistemática.
A
Mineralogia fez nascer, deu corpo e aprofundou uma nova disciplina
científica, de cariz geométrico e matemático -
a Cristalografia Morfológica - que usou como complemento até às
primeiras décadas do século XX. Alargou-se, depois, ainda mais, com a
Cristaloquímica, numa
abordagem à organização espacial das redes cristalinas em função da
natureza dos elementos químicos que as constituem para, a partir daí, se
irmanar com a Física do Estado
Sólido, com recurso às modernas tecnologias de análise. A
Mineralogia acompanha hoje o caminho da
Cristalografia Estrutural,
nova disciplina de âmbito alargado a todos os sólidos cristalinos, sejam
eles inorgânicos ou orgânicos, naturais e artificiais ou sintéticos.
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A.M. Galopim de Carvalho. É professor
catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no
Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de
21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de
ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas.
Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico,
publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de
História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias
exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no
estrangeiro.
Blogue:
http://sopasdepedra.blogspot.com/ |
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