Quando se chega à minha idade, já o escrevi,
o que mais dói é ver partir os amigos e companheiros e olhar para os que
resistem e saber que um dia destes nos iremos despedir deles, mais do
que se formos nós a transpor essa passagem que todos temos como certa.
Mas nestes amigos e companheiros, apenas incluía os da minha geração.
Não os que ainda julgamos cheios de vida, como era o Zé Mariano para os
amigos. Nestes casos, além dessa dor, há a consciência igualmente
dolorosa, da perda de um futuro que no caso deste amigo, era
particularmente promissor. Conhecemo-nos, nos anos 80, na Livraria
Buchholz, num fim de tarde, em Lisboa, em que falámos de divulgação
científica. E ficámos amigos.
Como físico
de prestígio, outros mais habilitados do que eu falarão. É dele, como
grande impulsionador da investigação científica e paladino da cultura
científica, que posso falar com conhecimento de causa.
Em 1987, Mariano Gago, então Presidente da ex-Junta Nacional de
Investigação Científica (hoje Fundação para a Ciência e a Tecnologia),
lançava o
“Programa Mobilizador de Ciência e Tecnologia”, no qual tinha cabimento
uma componente dinamizadora das Ciências do Mar apresentada publicamente
pelos Profs. Mário Ruivo, da Comissão Oceanográfica Intergovernamental
da UNESCO, Michael Collins, da Universidade de Southampton, R. U., e
Michael Vigneaux, da Universidade Bordéus I, França. Na sequência desta
iniciativa, João Alveirinho Dias, ao tempo o primeiro e único doutorado
em Geologia Marinha, António Ribeiro, meu colega na Faculdade de
Ciências de Lisboa, e eu criámos e desenvolvemos um projecto de
investigação iniciado como estudo da plataforma continental portuguesa,
sediado no Museu Nacional de História Natural.
Foram instituições participantes neste arranque para as Geociências do
Mar: o Instituto Hidrográfico, como parceiro principal, o ex-Gabinete
para a Pesquisa e Exploração de Petróleo, o ex-Instituto Nacional de
Investigação das Pescas, o Departamento de Protecção e Segurança
Radiológica do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia
Industrial, o Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, os
Departamentos de Geologia da Universidade de Évora e da Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa, o Departamento de Ciências da Terra
da Universidade do Minho e a ex-Secção Autónoma de Geologia da
Universidade Nova de Lisboa.
Este projecto
visou, sobretudo, a formação de jovens investigadores na área da
Geologia Marinha, a promoção de acções interdisciplinares, a dinamização
da cooperação interinstitucional, a optimização do potencial humano e
dos recursos e equipamentos existentes nas diversas instituições
envolvidas e, ainda, a criação de um corpo nacional de investigação
neste domínio, até então, acentue-se, ausente das nossas universidades.
Caracterizado por grande informalismo e por um mínimo de burocracia,
constituiu um fórum de permuta de ideias e experiências, de discussão de
resultados e de interajuda dos seus aderentes. Com o passar do tempo,
evoluiu naturalmente para uma rede de investigação, eficaz e igualmente
informal, cujos elementos, dispersos, como se disse atrás, são agora os
promotores e os responsáveis pelos seus próprios projectos, em que cada
um procura as colaborações mais convenientes e nos moldes que entenda
estabelecê-las.
Com o
indispensável e sempre disponível apoio do Instituto Hidrográfico, ao
tempo do Director–Geral, Vice-Almirante José Almeida Costa e dos
Comandantes Vidal de Abreu (Chefe da Divisão de Marés e Correntes) e
Torres Sobral (Director-Técnico), o grupo inicial deste projecto de
investigação (do qual saíram uma dúzia de doutorados em Geologia
Marinha), deixou descendentes, ou seja, fez escola que continua a dar
frutos, uma realidade que ficará esquecida se ninguém se der ao trabalho
de a registar. Com uma primeira geração de investigadores que, de
juniores passaram a seniores, vimos singrar a maior parte destes
“filhos”, hoje independentes e a trilharem os seus próprios caminhos, o
que nos enche de satisfação e orgulho. Actualmente há “netos” que já nem
conhecem os “avós”, mas que só existem porque nós, sempre apoiados pelo
já então Ministro da Ciência, José Mariano Gago, tivemos a ousadia de
iniciar esta viagem e de segurar o leme deste navio, nas primeiras
milhas desta gratificante navegação que conduziu, repito, à introdução
das geociências do mar nas nossas universidades, designadamente, nas do
Algarve, de Aveiro e de Lisboa, onde os mestrados e os doutoramentos se
sucedem.
Pessoalmente,
perdi um amigo. Entre muitas recordações guardo dele o prefácio que teve
a amabilidade de escrever no meu livro “Como Bola Colorida – A Terra,
Património da Humanidade” (Âncora Editora, 1907) e gentileza de ter
feito a apresentação do “Dicionário de Geologia” (Âncora Editora, 2011),
na Reitoria da Universidade de Lisboa, ao tempo do Reitor António
Sampaio da Nóvoa.
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