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REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE |
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A.M. GALOPIM DE CARVALHO |
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Um planeta rochoso |
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A nossa Terra, um dos quatro planetas rochosos ou telúricos do Sistema
Solar, tem nas rochas os seus principais constituintes. O estudo destes
“documentos” naturais é, pois, tema central da geologia.
As rochas a que temos acesso directo representam uma pequeníssima mas
importante parcela das resultantes da respectiva diferenciação e, à
semelhança da água, do ar e dos seres vivos, são o resultado de imensas
transformações, numa vasta e complexa rede de interacções ocorridas ao
longo dos cerca de 4670 milhões de anos da sua história, plena de
energia interna (sob a forma de calor) a que se adiciona toda a que lhe
chega através da radiação solar. Como escreveu, em 1998, o malogrado
Prof. Maurice Mattauer
(1928-2009),
“as rochas nascem, vivem e morrem. Como nós, elas têm uma idade e uma
história”.
Os
conhecimentos directos de que dispomos relativos às rochas da Terra
limitam-se aos que se obtêm do estudo dos afloramentos rochosos de que
dispomos à superfície, das amostras recolhidas em dragagens e
perfurações nos fundos marinhos e das retiradas do subsolo, quer em
minas, quer através de sondagens. As respectivas profundidades, que
andam à roda de 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo (na península
de Kola), podem considerar-se insignificantes, se comparadas com as três
a quatro dezenas de quilómetros de espessura média da crosta
continental.
A imensa maioria das rochas que podemos observar e colher (para estudar)
nos referidos afloramentos foram geradas na crosta continental
em resultado de afundamentos próprios da génese das montanhas,
que podem ir até os 60 ou 70 km abaixo dos nossos pés e, posteriormente,
trazidas à superfície, na sequência da elevação das mesmas e,
subsequentemente, postas a descoberto pela erosão. Esta realidade
permite-nos inferir acerca da generalidade das rochas que integram a
totalidade da crosta continental.
Abaixo da crosta, algumas rochas, oriundas dos níveis mais periféricos
do manto superior, afloram, por vezes, incluídas em
ofiolitos (1). Outras,
existentes a muito maiores profundidades, inclusivé do manto inferior,
têm, em certas situações, possibilidade de ascender à superfície do
planeta, onde as podemos observar. É, nomeadamente, o caso
encraves ou xenólitos (2)
incluídos em lavas próprias dessas profundidades.
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Xenólito de rocha olivínica (dunito) proveniente do
manto,
encravado em basalto, na ilha de Lanzarote
(Canárias).
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Em qualquer dos
casos, há, certamente, diferenças entre o material chegado e exposto à
superfície e o que ele foi no local de onde foi trazido. Mesmo assim,
desprezando possíveis diferenças, os conhecimentos obtidos por esta via
continuam a referir-se a uma delgada capa externa, mínima quando
comparada com os cerca de 6370 km de raio desta
quase esfera que é o nosso planeta. Na ilha da Madeira, por exemplo, são
frequentes os xenólitos olivínicos (à semelhança do da figura) que
ascenderam à superfície no seio das lavas envolvidas no processo que
originou esta ilha.
Um outro exemplo deste processo é o da presença de xenólitos de
peridotito (3)
e de eclogito (4)
no seio de uma rocha vulcânica conhecida por
kimberlito (5),
nome alusivo a Kimberley, um dos mais importantes centros de exploração
diamantífera da África do Sul. Ambos com diamantes nas respectivas
composições, os xenólitos de peridotito e os de eclogito ascenderam,
rápida e violentamente, de zonas do manto superior, no geral, entre 150
e 200 km de profundidade, através de chaminés vulcânicas (pipes).
Muitas vezes referido (erroneamente) por “rocha-mãe do diamante”, o
kimberlito é, sim e apenas, a rocha que, enquanto fluida, o transportou
da profundidade para a superfície. O kimberlito alterado tem coloração
amarela, sendo localmente referido por yellow ground,
contrastando com a cor azulada da rocha sã, designada por blue ground.
É conhecido vulcanismo kimberlítico no Arcaico, há mais de 2600 milhões
de anos. Actualmente não existe actividade desta natureza, tendo a
erupção mais recente ocorrido há cerca de 55 milhões de anos.
Igualmente do manto, conhecemos, ainda, o
lamproíto, designação
genérica de um conjunto de rochas vulcânicas ultrabásicas, ricas em
magnésio, potássio, crómio e níquel, bem conhecidas na Austrália, por
serem potenciais jazigos económicos de diamante.
Com um raio de 3470 km e cerca de 1/3 da massa da Terra, a participação
do núcleo na génese e evolução das rochas do planeta constitui um tema
de investigação em curso. Sendo esta geosfera interna uma entidade com
cerca de 1/3 da massa da Terra, particularmente quente (na ordem dos
6000 a 7000 oC ), a sua influência na petrogénese, ainda que
indirecta, é um facto. Admite-se que do calor libertado pelo núcleo, 90%
é transferido através do manto até à base da litosfera, por convecção. O
dos 10% restantes é transportado por
plumas mantélicas (6).
Em Josephine County (Oregon, EUA) aflora uma
porção do manto e da crosta oceânica na sequência de um carreamento por
obducção. À rocha peridotítica desta ocorrência está associada uma
outra, a que foi dado o nome de
josefinito, formada por uma liga de ferro-níquel e por uma granada
com cálcio e ferro (andradite). Rocha muitíssimo rara, é interpretada
por alguns autores como uma amostra oriunda de regiões de alta pressão
do manto inferior ou, mesmo, da fronteira com o núcleo, transportada por
plumas mantélicas até níveis mais superficiais. Estudos geoquímicos
focalizados nos isótopos de ósmio (186Os
e 187Os) levaram os seus autores (Brandon
et al., Nature, Julho, 1998) a
admitir que os basaltos das ilhas havaianas resultam de uma pluma
mantélica que traz para a superfície materiais oriundos do núcleo
metálico terrestre.
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(1) Ofiolito – associação de rochas ígneas básicas e
ultrabásicas (gabros, basaltos, peridotitos) mais ou menos alteradas
em serpentina (serpentinizados), correspondente a porções de crosta
oceânica e de manto superior, na sequência de importantes
deformações tectónicas em orógenos ou em processos de obducção, isto
é, cavalgamento da crosta oceânica sobre a crosta continental.
(2) Encraves ou xenólitos - fragmentos de uma dada rocha englobados
ou encravados em magmas que lhe são posteriores.
(3) Peridotito - Rocha
magmática ultramáfica de profundidade (ao nível do manto),
essencialmente constituída por olivina (peridoto), por outros
minerais máficos como piroxena (peridotito piroxénico) e anfíbola
(peridotito anfibólico) e, às vezes, feldspato (peridotito
feldspático). Esta rocha tem um papel importante na formação do
diamante no manto terrestre.
(4) Eclogito - Rocha
metamórfica ultramáfica granular de profundidade, essencialmente
constituída por granada (piropo) e piroxenas (onfacite), que em
certas regiões do Mundo está associada à génese do diamante no manto
terrestre.
(5)
Kimberlito
– Rocha vulcânica híbrida, rica em potássio, de raiz muito profunda
(superior a 150 km de profundidade), essencialmente constituída por
olivina, contendo também, em geral, flogopite, diópsido, granada e
ilmenite.
(6) Pluma mantélica
– coluna ascendente de material do manto, a temperaturas 200
a 400 oC mais
elevadas do que as do encaixante e, por esta razão, menos denso e
menos viscoso, num estado considerado ainda não fundido. Geradas na
fronteira com o núcleo, estas plumas atingem a base da litosfera,
nos chamados hot spots
(pontos quentes), onde o fluxo de calor é susceptível de gerar
vulcanismo. Este conceito foi criado em 1971, por W, J. Morgan.
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A.M. Galopim de Carvalho. Professor
jubilado da Universidade de Lisboa. Geólogo e escritor. Foi diretor do
Museu Nacional de História Natural de Lisboa.
Blogue:
http://sopasdepedra.blogspot.com/ |
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