Por mais negras e cerradas que sejam as nuvens, há sempre sol e céu azul
por cima delas. Esta afirmação é tão imediata e evidente que já vários a
disseram ou escreveram, nesta ou noutra forma com idêntico sentido. Vem
ela a propósito de um pensamento que, nos últimos tempos, me assola
constantemente, quer em casa, ao abrir os jornais ou durante os
noticiários da rádio ou da TV, quer na rua, face aos comentários de
muitos com quem todos os dias me cruzo. E esse pensamento envolve este
Portugal a viver tempos de indecoroso aviltamento, mercê de uma certa
elite, entre políticos e grandes nomes do direito e das finanças, que,
de há décadas, numa promiscuidade interesseira, descarada e impune, nos
está a conduzir, decidida e conscientemente, no caminho do
empobrecimento económico e também, estupidamente, no do definhamento
científico e cultural. Tudo isto perante a passividade de um povo “imbecilizado
e resignado, humilde e macambúzio”, como escreveu o grande Guerra
Junqueiro, há mais de um século, e sob a magistratura conivente de um
Presidente da República que pouco mais de metade dos votantes (53,14%)
colocaram no mais alto cargo do Estado, numa eleição em que quase metade
dos eleitores se abstiveram. Mantidos incultos, muitos deles analfabetos
funcionais, alienados pelo futebol e pelos programas televisivos de
entretenimento que nos impõem e nos entram pela casa dentro a toda a
hora, e, ainda, marcados por receios antigos, são muitos os portugueses
que não ousam questionar um poder que os despreza e maltrata e muitos
também os que, sem saberem porquê, lhe fazem respeitosa e submissa
vénia.
Como nos aviões que, ao ganharem altitude, atravessam a cobertura de
nuvens e atingem o esplendor do pleno azul, temos de encontrar forma,
dentro da democracia, de romper com esta triste escuridão em que, com
excepção de uns tantos privilegiados, fomos levados a viver.
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