Mesopotâmios, egípcios e
gregos criavam e consumiam porco. Ofereciam-no em sacrifício aos deuses.
E aos deuses só se oferecia o que havia de melhor. Homero glorificava
este animal, considerando a sua carne a mais saborosa de todas. Entre os
etruscos, o porco ocupava o primeiro lugar na respectiva dieta, e a
criação de suínos, ao contrário da dos bovinos, tinha por único destino
o consumo alimentar. Na Europa do Norte, a cultura do porco era também
uma realidade entre os celtas. Durante a sua permanência no Alentejo,
nos séculos VII a V a. C., deixaram vestígios deste seu hábito
alimentar.
Continuando uma tradição
vinda dos etruscos, os romanos criaram porcos como base importante da
sua alimentação. Cícero considerava esta espécie como “uma dispensa
ambulante”, pois, enquanto vivo, o animal tinha a capacidade de
conservar o alimento correspondente ao seu próprio corpo, à semelhança
do sal, da fumagem ou da secagem ao sol. Para os romanos, a natureza
criara o porco para os festins. Na época imperial, a partir do século
III, distribuía-se pão e carne de porco à população. Entre este povo, os
leitões, eram os animais domésticos mais oferecidos em sacrifício aos
deuses. Depois eram comidos em lautos banquetes.
No Médio Oriente, a Bíblia
proibia o consumo de carne de animais, não ruminantes, com a unha
fendida. O porco e o javali estavam, assim, na lista das proibições.
Nesta linha, o porco foi sempre considerado impuro por muçulmanos e
judeus. As leis, quer a de Moisés, quer as do Islão, proíbem o seu
consumo. Com os invasores islâmicos, o porco foi banido da dieta
alimentar alentejana. Foi o tempo do
Garb-al-Andaluz, cujos vestígios abundam nesta região, tanto nos
objectos e palavras, como na gastronomia. Basta que nos lembremos da
açorda e das migas, do escabeche e do ensopado de borrego ou das
confecções à base de grão.
Entre os visigodos
cristãos, o porco era uma entidade mítica. A conhecida porca da Murça é
disso testemunho. A figura deste animal está inscrita nos ex-votos de
vários santuários dedicados a Endovélico. Com a reconquista cristã e a
expulsão dos mouros, a suinicultura no Alentejo aumentou de tal modo que
se considera esta actividade pecuária como um traço importante da nossa
economia no tempo que se lhe seguiu. O porco passou a ter um papel
preponderante entre cristãos, ao contrário dos judeus. No Alentejo, o
porco (e o sangue) separavam duas comunidades. O porco é o animal mais
apreciado entre cristãos e o mais interdito entre judeus, a ponto de, em
períodos de perseguição a estes, se investigarem os hábitos alimentares
das famílias e, daí, se deduzir a respectiva religião. As alheiras,
dizem, nasceram como disfarce para iludir tal vigilância.
Ao longo da Idade Média, o
número crescente de porcos atingiu valores consideráveis que obrigaram à
publicação de disposições legais reguladoras da respectiva criação.
Muitas famílias, vivendo em cidades, criavam animais em pocilgas, com
reflexos evidentes na higiene e saúde públicas.
Os vassalos podiam
engordar dois, os populares apenas um, mas os fidalgos e outros senhores
estavam autorizados a criar vinte, trinta, ou mais, uma filosofia social
ainda bem marcada na nossa sociedade.
Nos campos, os porcos eram
tantos que danificavam searas e hortas. Na Évora medieval, o número de
porcos a deambular pelas ruas (nesse tempo térreas e pejadas de
dejectos) e azinhagas era tão elevado, que uma postura municipal ordenou
que “nenhum porco andasse pelas
ruas sem ter o focinho argolado”, o que os impedia de fossar. No
final da Idade Média, o porco continuava a ser o produto animal mais
consumido, tendo sido um providencial recurso alimentar em tempos de
fome. Além da montanheira (criação no montado) e do chiqueiro familiar,
havia a criação em ádua, isto é, um local onde as pessoas deixavam os
seus animais à guarda de um porqueiro comum, a quem pagavam para os
apascentar nos baldios do concelho.
Bácoro, barrasco, cerdo,
cochino, farropo, javardo, leitão (nos juvenis), marrã (nas fêmeas),
marrancho, suíno, varrasco e varrudo são muitas as designações dadas a
este animal, tal a sua importância no quotidiano das gentes.
A peste suína africana, a
doença do sobreiro e o declínio da montanheira por pouco não levaram à
extinção deste nosso património. Por outro lado, com a modificação dos
hábitos alimentares, interesseira e inteligentemente conduzidos e
incentivados por campanhas publicitárias, a mando da grande indústria
agro-alimentar, em prol dos óleos importados e das margarinas, contra a
banha e até contra o azeite e, ainda, a introdução, no consumo, de raças
exóticas, com mais carne e menos toucinho, o porco alentejano parecia
ter os dias contados, o que, felizmente, não aconteceu. A partir dos
anos 80, com o controlo da epidemia que quase os dizimara, Portugal foi
reconhecido como zona indemne e, graças à meritória e oportuna promoção
da chamada “dieta mediterrânea”, está a renascer o interesse pela
suinicultura desta raça e pelos produtos dela derivados. Contam-se,
hoje, por centenas os produtores deste animal em todo o Alentejo. No
presente, muitos hectares de montado são, ainda, uma garantia às
necessidades dos tempos que correm, mas o futuro é incerto e
preocupante, tendo em conta a rarefacção deste sistema agro-pastoril. A
alimentação desta nossa raça com cereais e farinhas vai, certamente,
mudar-lhe as características que a tornaram um produto natural de
excelência.
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