REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

A propósito do Dia do Geólogo

Sem desprimor para os pioneiros da geologia portuguesa, com destaque para Carlos Ribeiro (1813-1882), Nery Delgado (1835.1908) e Paul Choffat (1849-1919), ilustres geólogos dos saudosos Serviços Geológicos de Portugal, hoje Laboratório Nacional de Geologia e Engenharia (1) devemos ao Prof. Carlos Teixeira (1910-1982), catedrático de Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa e fundador da Sociedade Geológica de Portugal, as primeiras tomadas de posição pela valorização da geologia e pela dignificação de profissão de geólogo.

Responsável, em Lisboa, por uma plêiade de geólogos, criou-lhes as condições que lhes permitiram distribuir-se pelo país e pelas então colónias, uns no ensino superior, outros no liceal, outros nos diversos serviços públicos e outros ainda na actividade privada. Os seus “filhos”, entre os quais me incluo (a sofrerem as agruras a que foram violentados os pensionistas deste desgovernado país), e os de outros mestres, em Lisboa, em Coimbra e no Porto, deram-lhes “netos”, hoje devotados profissionais no activo como docentes ou como geólogos de todo o terreno, que não sendo muitos, não são assim tão poucos. Ao contrário de biólogos e arqueólogos temos de convir que nós, os geólogos portugueses, não temos sabido “defender a nossa dama” e as justificações ao nosso alcance são muitas e facilmente explicáveis.

Para além do interesse utilitário da geologia na procura, exploração e gestão racional de matérias-primas minerais metálicas e não metálicas, indispensáveis no mundo actual, a geologia ensina-nos, ainda, a encontrar águas subterrâneas e recursos energéticos, como são, entre outros, o carvão, o petróleo, o gás natural e os campos geotérmicos. Essencial no estudo da natureza dos terrenos sobre os quais há que implantar grandes obras de engenharia (pontes, barragens, aeroportos), a geologia dispõe dos conhecimentos necessários à utilização do solo, à defesa do ambiente natural, numa política de desenvolvimento sustentado, e à preservação do nosso património mais antigo. Para além destas potencialidades, a geologia dá resposta a muitas preocupações de carácter filosófico. Na história do pensamento científico, da Antiguidade aos dias de hoje, são muitos os exemplos de filósofos, alquimistas, naturalistas e, por último, geólogos, que se destacaram nas referidas preocupações.

Face as estas capacidades, a Geologia e as diversas disciplinas que a integram (Mineralogia, Paleontologia, Vulcanologia, Sismologia, Hidrogeologia, Geotecnia, entre outras) e nos permitem conhecer o mundo em que vivemos, acabaram por conquistar, em muitos países, estatuto de ciências de grandeza compatível com a sua real e grande importância no desenvolvimento sustentado, o que não é o caso em Portugal, onde permanecem subalternizadas nos currículos escolares e continuam arredadas da cultura geral dos portugueses, dos mais humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.

A vida profissional permitiu-me, ao longo de décadas, conviver, algumas vezes de muito perto, com as mais altas figuras nacionais, dos chefes de estado aos dos governos central e local, com ministros da educação e outros, com parlamentares e figuras gradas dos partidos políticos, com os mais prestigiados jornalistas e comentadores dos jornais, da rádio e da televisão (tudo gente do direito, da economia e finanças e das humanidades) e pude, salvo uma ou outra excepção, constatar a falta de cultura geológica desta elite que, neste domínio, não difere do comum dos cidadãos.

Urge, pois, elevar a cultura geológica dos portugueses e isso começa na escola. De há muito que venho alertando, em textos escritos e em intervenções públicas, para a pouca importância dada ao ensino da Geologia nas nossas escolas do ensino básico e secundário. Até parece que quem decide (leia-se o Ministério da Educação) sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares, desconhece a real importância deste domínio da ciência na sociedade moderna.

Exceptuando aqueles que, por formação académica e profissional, possuem os indispensáveis conhecimentos deste interessante e útil ramo da ciência, a generalidade dos nossos concidadãos não conhece nem a natureza, nem a história do chão que pisa e no qual assentam as fundações da casa onde vive. Uns mais, outros menos, conhecem a lenda do malogrado Martim Moniz, entalado na porta do castelo, para que D. Afonso Henriques o pudesse somar às suas conquistas, mas muitíssimo pouco ou nada sabem do que aqui aconteceu há milhões e milhões de anos. Marcados por um ensino livresco, tantas vezes desinteressante e fastidioso, são muitos os cidadãos deste nosso país que frequentaram disciplinas do âmbito da geologia e que, terminada esta fase das suas vidas, esquecem o pouco que lhes foi ministrado sem entusiasmo nem beleza.

Estamos a viver um tempo em que o saber científico e os recursos tecnológicos avançam a passos de gigante e, dia após dia, nos deslumbram. À semelhança de outras ciências, a geologia é hoje um do pilares da sociedade moderna, facultando alavancas poderosas para o bem e para o mal, ao serviço de uma humanidade, a um tempo, sabedora e desencantada, à procura de um caminho que tarda em encontrar.

 

(1) Depois de ter tido outras designações, ao sabor de caprichos não justificados das rapaziadas que deixámos tomar conta dos nossos destinos
 

A.M. Galopim de Carvalho. Professor jubilado da Universidade de Lisboa. Geólogo e escritor. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural de Lisboa.
Blogue: http://sopasdepedra.blogspot.com/