Foram 50 anos de convívio profissional e de
companheirismo nas lides pela
vulgarização do conhecimento científico que protagonizámos neste
Portugal sempre adiado, eu, como de costume, falando de pedras, e ele,
de tudo o que tem a ver com árvores e florestas, jardins e flores, das
rosas às papoilas. Uma das muitas
vezes que, como simples participante interessado em aprender, acompanhei
este grande comunicador científico, foi “Onde a Terra se acaba e o mar
começa”, como escreveu Camões no Canto III de Os Lusíadas, ou seja, na
ponta mais saliente do promontório que marca o extremo ocidental da
Serra de Sintra, a que os homens do mar chamavam o “Focinho da Roca”.
Com ele desci a falésia no sítio do farol, um escarpado que
permite observar aspectos particulares da intrusão magmática que
elevou esta “jóia da petrografia”, como se lhe referiu o Prof. Alfred
Lacroix, ilustre petrógrafo francês que lhe dedicou particular atenção.
Mas não foi para observar as rochas que descemos até o mar. Fomos em
busca da Armeria pseudoarmeria,
uma espécie rara de dicotiledónea, da família das plumbagináceas, que
ali floresce a um dado nível da estratificação florística presente. Já
não recordo a altura do ano dessa memorável excursão. Só sei que, no
regresso, a subida foi lenta e ofegante, sob um calor intenso, o que não
impediu o professor de falar, descrever, comentar, explicar um pormenor
aqui e ali e, até, lembrar Lord Byron, o poeta inglês da viragem do
século XVIII ao XIX, que se referiu a esta serra como um Éden Glorioso”,
considerando-a, deselegantemente, uma pérola lançada a porcos.
A elevada sensibilidade poética deste meu amigo,
revelou-se-me numa das primeiras saídas de campo que fizemos juntos. Foi
na Arrábida, mais precisamente na Mata do Solitário. Aí, numa pausa que
fizemos junto de uma Pistacia lentiscus, a vulgar aroeira, o mestre abriu a sacola e
retirou, lá de dentro, um livro de poemas de Frei Agostinho da Cruz
(1540-1619), frade e poeta que viveu ali, no
convento dos Capuchos. De seguida, leu alguns sonetos para o grupo de
acompanhantes deliciados com aquele outro talento do insigne botânico.
A última das várias oportunidades em que tive o
prazer de o acompanhar, foi no parque anexo ao Palácio da Pena, em
Sintra. Estávamos em Agosto. Os cimos da serra permaneciam envoltos numa
nebulosidade fresca, a contrastar com o azul celeste e o calor estival
da planura que se estende a Sul da pequena montanha. Contagiado pelas
suas explicações, esta preciosa mata, enriquecida por árvores
centenárias e exóticas, afigurou-se-me uma sinfonia de troncos e
folhagens verdes embaladas num vento leve.
Para os que tiveram o privilégio de lidar com
ele, o Catarino, na gíria dos alunos, ou o Mangas, para os amigos mais
chegados, é uma mistura alegre e contagiante de simpatia, humanidade e
sabedoria.
|