REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

Irmãos da Pureza
(Séc. X)

 

 

“Irmãos da Pureza”, ou Ikhwan al-Safa' em árabe, foi o nome de uma fraternidade de filósofos islâmicos do século X, que se admite terem vivido em Bassorá, no Iraque. Colectivamente, escreveram uma enciclopédia com mais de 50 volumes (Rasa'il Ikhwan al-safa') inspirada nas filosofias pitagóricas, platónicas e neoplatónicas, aristotélicas e na do próprio Corão.

O principal objectivo destes “Irmãos” era o conhecimento do Universo, na sua grande harmonia e beleza, apontando a necessidade de uma preocupação que fosse para além da existência material.

Nesta enciclopédia, iniciada nos primeiros anos de 900 e acabada por volta 980, descreveram, com notável modernidade, os conceitos de erosão, transporte e sedimentação. Diz-se aí que “a erosão destrói perpetuamente as montanhas e que o escorrer das águas pluviais arrasta rochedos, pedras e areia para o leito das torrentes e rios”; diz-se ainda que, “por seu turno, ao escoarem-se, os rios acarretam tais materiais para os pântanos, lagos e mares, onde os acumulam sob a forma de camadas sobrepostas”.

Escreveram aí que os continentes, uma vez arrasados, ficavam ao nível do mar, um ensinamento que é uma notável antecipação ao conceito de peneplanície formulado, em finais do século XIX, pelo geomorfólogo norte-americano William Morris de Davis.

Uma outra ideia que, embora errónea, testemunha a preocupação desta comunidade de filósofos pelo conhecimento do planeta, diz que, “estando o mar cheio de sedimentos trazidos dos continentes, o seu nível subia e as águas invadiam as terras”. Assim, segundo eles, “periodicamente, todos os 36 000 anos, as planícies se transformavam em mares”. Nesta concepção de ciclicidade, errónea no que se refere ao tempo, já apontada por Aristóteles, no século IV a. C., diz-se, ainda, que “as terras actuais são antigos fundos marinhos e que os mares do presente serão futuros continentes”, numa outra antecipação que importa registar.
 
O segundo António Monteiro (in “A Ordem Rosacruz”, Europa-América, 1981), “os Irmãos da Pureza estavam ligados aos Sufis (a corrente mística e contemplativa do Islão) e aos Ismaelitas e, curiosamente, regiam-se por normas de conduta semelhantes às que viriam a ser adoptadas pelos Rosa Cruzes: Vestiam-se como os habitantes dos países onde viviam, eram abstémios, ensinavam sem nada cobrarem e, acima de tudo, praticavam gratuitamente a medicina”.”.

 

A.M. Galopim de Carvalho. Professor jubilado da Universidade de Lisboa. Geólogo e escritor. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural de Lisboa.
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