De vez em quando, sem qualquer aviso, mandavam-se reunir os homens
nas casernas, tal com vieram ao mundo. Começando no primeiro e assim
sempre até ao último, dezenas de recrutas eram rápida mas
cientificamente observados, o suficiente para detectar o inimigo,
geralmente parasitas e blenorragias.
- Este ano o Phthirius pubis, de Lineu, atacou mais cedo e em
força. – Comentava o tenente-médico, numa linguagem propositadamente
erudita e bem-humorada que gostava de usar nestas ocasiões. Bem anafado
de carnes e banhas, enfiado numa bata mal vestida e desabotoada, este
clínico, um simpático bonacheirão para quem o conhecia de perto, punha
na voz um volume e um timbre que deixava aterrados os pobres soldados. O
cabo-enfermeiro que o acompanhava nestas inspecções também se divertia
com o espectáculo.
Dirigindo-se a um dos magalas, de pernas peludas, bem afastadas,
deixando ver a vermelhidão da zona pélvica, o nosso tenente-médico
exclamava num tom de voz que enchia a caserna:
- Estás cheio de chatos, sacana de merda! Tens-te coçado que nem um
sarnoso e não dizias nada, meu bandido. Porque é que não foste já à
enfermaria tratar essa merda?
Olhando depois para o peito do rapaz, continuou:
- Com essa lã a chegar-te ao pescoço, estás aqui estás todo inçado dessa
bicheza, meu grande sacana. Cabeça e tudo, meu piolhoso. Sai lá daqui e
vai já tomar banho. Esfregas-te bem, da cabeça aos pés, com muito sabão.
Tiras a espuma com água a correr com força e voltas a fazer o mesmo
várias vezes. E não tornes a vestir a mesma roupa! A seguir vais à
enfermaria, ao nosso sargento Simões, para que te dê um pacotinho de
DDT. Diz-lhe que fui eu que mandei. Espalhas o pó por todo o lado onde
haja pentelho e depois vais lavar essa roupa, que é para aprenderes a
ser mais asseado, meu grande bandido. Levas a roupa da tua cama à
lavandaria e pedes que te dêem lençóis lavados.
E, dirigindo-se à caserna, acrescentou bem alto para que todos ouvissem:
- Quem andar com comichão nos tomates, que venha para aqui, já! – E,
após rápida confirmação da praga em mais uns tantos, gritou:
- Vai tudo para o banho e depois fazem o mesmo que aqui o … qual é teu
número, bandido?
- 124, meu tenente.
- Fazem tudo o que o 124 fizer. Identifiquem-se aqui ao nosso cabo e
amanhã quero vê-los lá no posto.
Ser apanhado com uma venérea dava direito a castigo. Todos os soldados
sabiam que, depois de irem às meninas e logo que chegados ao quartel,
deviam pedir, na enfermaria, uma bisnaga com a pomada própria para
aquelas ocasiões.
Das primeiras vezes, o graduado de serviço ensinava-os a usar este
desinfectante.
- Depois de urinares metes esta ponta na uretra - e mostrava a
extremidade afilada da embalagem.
- Uré… quê, meu sargento?
- Uretra, sim, grande burro. Sabes tudo, menos aquilo que devias saber.
Uretra é esse buraco aí por onde mijas. Em seguida apertas a bisnaga
para a pomada entrar lá bem para o fundo da gaita. Depois arregaças-lhe
a cabeça e, com o resto, besuntas tudo por dentro e por fora. E é assim
todas as vezes que deres uma martelada! Não te esqueças!
O número do soldado ficava registado a fim de comprovar o cumprimento da
respectiva medida profilática, bem expressa no regulamento do quartel.
Esse registo despenalizava-o no caso de, apesar do cuidado, ter
contraído a venérea.
Ao observar um outro soldado, o nosso tenente-médico que, todos
sabíamos, agia como um pai da soldadesca, exclamou:
- Estás com um escarepe, meu desgraçado! Claro que não puseste a pomada
da ordem. Qual é o teu número, bandido?
- 203, meu tenente.
- Estás lixado, rapaz. Vais apanhar um porradão que te acaba com a
tesão, meu bandido.
E, dirigindo-se uma vez mais à caserna, gritou:
- Digam lá todos comigo, em voz que se oiça. «O 203 vai apanhar uma
porrada por não ter posto a pomada». – E repetia o verso até a rapaziada
o saber de cor. Voltando-se depois para o soldado infectado:
- Vais ser castigado, rapaz. Tenho muita pena mas é para aprenderes e
para exemplo dos teus camaradas. Quando eu acabar a inspecção, vais ter
comigo ao posto para começarmos a tratar essa merda. |