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- A primeira obra escrita
visando a mineralogia, de que temos conhecimento, – continuei – é um
Tratado sobre as Pedras e foi escrito por Teofrasto, filósofo grego do
século III antes de Cristo. Devemos a este discípulo de Aristóteles a
primeira classificação mineralógica, baseada nas respectivas utilidades.
Nesta classificação distinguiu, sobretudo, minérios, pedras preciosas e
pigmentos. Há, no entanto, que ter em conta um longo caminho percorrido
pelas civilizações que o precederam, no domínio do conhecimento das
substâncias, das suas natureza e constituição. Em Roma, no século I,
Plínio, o Velho, uma das vítimas da histórica erupção do Vesúvio, tem
lugar de destaque através da sua “História Natural”. Nesta obra
monumental, em 37 volumes, o autor retoma Teofrasto e volta a falar de
minérios, pigmentos e gemas, uma outra maneira de dizer pedras
preciosas.
- E não podemos esquecer
o papel da alquimia nesta caminhada.
- De modo nenhum! Podemos
afirmar que a mineralogia percorreu a Idade Média de mãos dadas com a
alquimia, numa prática e numa atitude trazidas pelos árabes, seus
cultores, sob a designação de al kimia. Esta expressão encerra um
conceito carregado de sabedoria, nem sempre devidamente apreciado. É
necessário lembrar que todo este saber vem da Antiguidade, com destaque
para a chinesa, a babilónica, a hindu e a egípcia, através da tradição
popular e dos textos eruditos dos clássicos gregos e latinos. Os
alquimistas desenvolveram a Polypharmacia, uma actividade na qual se
experimentavam, entre outros, processos como combustão, sublimação,
dissolução e precipitação que, excluindo alguns procedimentos
fantasiosos à luz do conhecimento actual, deram nascimento, não só à
química como à mineralogia.
- Não há dúvida que a
mineralogia tem aí as suas raízes.
- Exactamente. Foi, de
facto, no seio da alquimia que a mineralogia cresceu, deixando para trás
muitas das concepções fantasistas e místicas dos escolásticos. Mas só
cresceu e se afirmou como disciplina científica no decurso dos séculos
XVIII e XIX, a par da química, fazendo-a progredir e tirando dela o
essencial do seu próprio aprofundamento como ciência de acentuada
organização sistemática. A partir da 2ª metade do século XVI e na
sequência dos trabalhos de Agricola, os alquimistas começaram a
dividir-se em duas correntes.
- É do meu tempo esse
Agricola. Foi também um notável médico alemão, de nome Georg Bauer com
quem me encontrei muitas vezes neste mundo espiritual que é o meu. Mas,
desculpa a interrupção, ias referir as duas correntes em que se
dividiram os alquimistas.
- Uma delas preconizava
explorar a natureza das coisas, caminhando no sentido da química
científica. A outra cultivava uma atitude fantasista e extravagante, em
busca da pedra filosofal, da transformação de metais vulgares em ouro e
do elixir da longevidade, práticas estas obscuras e responsáveis pela
imagem negativa que, injustamente, tem sido divulgada em torno da
alquimia e dos alquimistas. Esta outra corrente teve como resultado
retardar o avanço da química e, consequentemente, da mineralogia,
disciplinas que, como disse atrás, só começaram a ganhar foros de
ciência a partir do século XVIII.
Encorajado pelas palavras
do monarca, dispus-me a explorar, juntamente com ele, assunto que tivera
oportunidade de estudar durante a elaboração de uma monografia enquanto
aluno, na Faculdade.
- No quadro de uma
ciência oculta com magia à mistura, como alguns se referem à alquimia,
há os que admitem que a ideia da transformação de metais inferiores em
ouro é uma metáfora da purificação espiritual dos alquimistas, na qual a
ignorância dava lugar à sabedoria. Esta transformação simbolizava a
elevação da sua própria espiritualidade de um estado inferior para um
superior. Assim, a divulgação do seu trabalho com os metais seria
meramente metafórica, visando desviar as atenções da Igreja Católica
relativamente ao trabalho espiritual que prosseguiam. É razoável admitir
que tinham necessidade de ocultar todo e qualquer comprometimento
espiritual no seu trabalho, uma vez que, como foi norma na Idade Média,
correriam o risco de serem acusados de heresia e serem perseguidos pelo
Tribunal de Santo Ofício. Muitos alquimistas foram julgados e condenados
à fogueira por alegado pacto com Santanás. Por isso, ainda hoje o
enxofre, um elemento químico muito usado pelos alquimistas, é
associado ao Diabo e ao Inferno.
- Vejo que dominas este
tema que, por sinal, tem sido alvo da minha curiosidade e me tem
permitido falar com alguns deles de grande craveira intelectual.
- Surgida no extremo
Oriente, a alquimia chegou ao Ocidente e, em particular, à Península
Ibérica na Idade Média, durante a islamização. Aliás, o nome, como se
disse, radica no árabe al kimia, expressão que, certamente, tem origem
no termo grego khymeia, que aludia à mistura de vários sucos.
- É voz corrente –
interrompeu D. João - que os alquimistas visavam, sobretudo, a procura
da “pedra filosofal” necessária à produção de ouro a partir de metais
vulgares como o cobre, o chumbo, o estanho, o ferro e outros,
considerados inferiores.
- Visava, ainda, a
obtenção do que admitiam ser o “elixir da longa vida”, uma panaceia
universal que curaria todas as enfermidades e daria vida longa àqueles
que a ingerissem. No entanto, e para alguns, a alquimia caracterizou-se
pelo seu carácter de prática precursora da ciência experimental,
nomeadamente a química, a mineralogia e a metalurgia, manipulando
minerais e outros produtos químicos no propósito de obter novas
substâncias.
- Mas, não obstante a
alquimia reunir outros interesses, como os ligados à filosofia, à
religião, ao misticismo, à astrologia, e à magia, não podemos esquecer
que são evidentes as preocupações de muitos alquimistas com a saúde e a
medicina. Alguns deles são mesmo considerados precursores da moderna
medicina, e entre eles destaca-se o suíço
Paracelso. Se recuarmos aos primórdios vemos que há uma alquimia
chinesa que se pensa estar ligada ao Budismo e que teria por principal
objectivo conseguir o “elixir da longa vida”, e que, segundo os seus
cultores, estava relacionado com a fabricação do ouro. Na Índia, a
filosofia védica também estabelece um paralelo entre a imortalidade e o
ouro.
- Filosofia védica? –
Perguntei.
- É uma filosofia próxima
do hinduísmo, explanada em textos antigos, escritos por volta de
1500 antes da nossa era, em
sânscrito. Conhecidos por Vedas, estão incluídos num vasto conjunto
de escrituras sagradas desta tradição religiosa da Índia.
- A alquimia
desenvolveu-se depois ao longo do tempo na Mesopotâmia, no Egipto, com
destaque para a cidade de Alexandria, no
Mundo
Islâmico, na Grécia, em Roma, e no resto da Europa, incluindo,
naturalmente, a Península Ibérica.
- Diz-se que esta ideia
do “elixir da longa vida” nasceu quando Alexandre o Grande, da
Macedónia, invadiu a
Índia no ano 325 antes de Cristo. Diz-se que este conquistador teria
procurado a
fonte da juventude. Há, assim, quem pense que essa ideia tenha
migrado da índia para a China, mas também há quem admita o contrário.
- Os alquimistas
aceitavam que a matéria era composta pelos chamados quatro elementos de
Aristóteles (a água, o fogo, a terra e o ar), passíveis de serem
afectados por outros tantos atributos (o húmido, o seco, o frio e o
quente). Aceitavam, ainda, que combinações destes elementos e destes
atributos, nas mais diversas proporções, determinavam a natureza dos
objectos e, por isso, acreditavam na transmutação. É curioso assinalar
que esta crença dos alquimistas se tornou uma realidade no século XX, em
particular com a fissão e a fusão nucleares.
- Tens de me dizer o que
é isso de fissão e fusão nuclear.
- É muito simples. Basta
conhecer o sentido das duas palavras. Sabeis, com certeza, o que é um
átomo e o que é o respectivo núcleo. Então, se souberdes que fissão é o
acto de fender e que fusão é o acto de fundir, no sentido de unir,
sabereis que fissão nuclear é fender o núcleo atómico, dividindo-o em
dois núcleos mais pequenos, e que fusão nuclear é juntar dois núcleos
leves, obtendo-se um núcleo mais pesado.
- Sabes, com certeza, que
mercúrio e
enxofre foram as principais matérias-primas da alquimia.
- Sei, sim senhor. O
enxofre era tido como o princípio fixo, activo, masculino, associado à
combustão e à corrosão dos metais. O mercúrio representava o princípio
passivo, feminino, inerte e volátil.
- E sabes que, na
linguagem dos alquimistas, era frequente o uso de imagens próprias da
sexualidade, como seja comparar a combinação entre dois elementos
químicos à cópula e que, assim, a combinação do enxofre com o mercúrio
era referida como o "coito do Rei e da Rainha".
- Isso, eu não sabia. Mas
sei que nessa mesma linguagem era frequente o uso dos nomes de certos
planetas para referir alguns metais. Assim, por exemplo, o Sol
representava o ouro, Mercúrio, o mercúrio, a Lua, a prata, Vénus, o
cobre, Mate, o ferro, Júpiter, o estanho e Saturno, o chumbo.
- Como já foi dito, a
alquimia
medieval lançou as bases da
química e da mineralogia modernas e legou-nos alguns procedimentos
em uso nos laboratórios do presente, como o
aquecimento à chama e em
banho-maria, a
destilação, a
combustão, a
evaporação e, ainda, a sublimação, a dissolução e a precipitação, já
citadas.
- Entre os mais célebres
alquimistas que conheci, cujas obras abriram caminho à experimentação
científica, recordo o alemão
Alberto Magno e o inglês Roger Bacon ambos do século XIII. O
primeiro a descreveu a
composição química do
cinábrio e do
alvaiade e preparou a
potassa cáustica. O segundo, conhecido por Doutor Mirabilis,
escreveu um longo tratado sobre os metais. Da mesma época, conversei
muitas vezes com o italiano
Tomás de Aquino. Este ilustre discípulo de
Alberto Magno escreveu largamente sobre o
arsénio. Do século XV, recordo o alemão,
Basilius Valentinus que descobriu os ácidos
sulfúrico e
clorídrico e dissertou sobre o
antimónio. Do século seguinte, conheci bastante bem o alquimista e
médico alemão Georg Bauer, mais conhecido por Agricola, considerado o
pai da mineralogia, da metalurgia e da prospecção e extracção mineiras,
e o suíço Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus, mais conhecido pelo
pseudónimo Paracelso. Este outro alquimista foi médico de grande
prestígio e pioneiro na utilização
medicinal dos
compostos químicos. Identificou o zinco e alargou a sua actividade à
astrologia.
- É dele o conceito de
homúnculo?!
- Sim e o termo refere um
imaginado homem de muito pequena estatura, com cerca de 30 cm de altura
e que, segundo ele, poderia ser criado “colocando
sémen humano numa retorta hermeticamente fechada e aquecida em
esterco de
cavalo durante 40 dias”. Esta ideia, que influenciou outros
alquimistas, foi muito mais tarde divulgada na ficção sob a forma de
criaturas monstruosas artificiais, das quais ficou famosa a figura de
Frankenstein, na obra literária da britânica
Mary Shelley, publicada em 1818.
- A
psicologia moderna também tem algumas raízes na alquimia. A
simbologia alquímica, de significado oculto, teve importância no
percurso espiritual dos seus cultores.
- Isso é verdade e
podemos acrescentar que a maior influência da alquimia encontra-se nas
chamadas
ciências ocultas como o exoterismo e outras correntes de pensamento
que buscam as leis que regem o todo universal, conciliando o natural com
o
sobrenatural.
- Para mim, uma das
ideias mais espectaculares dos alquimistas é a criação de vida humana a
partir de materiais inanimados, que me parece testemunhar uma forte
influência da tradição mística do
judaísmo. É do conhecimento dos estudiosos da cultura judaico-cristã
que a
Kabala admite a possibilidade de dar vida a um ser artificial, a que
foi dado o nome de
Golem. A terminar direi que a alquimia deixou uma mensagem poderosa
de busca pela perfeição. Na sociedade do presente maia marcada pelo ter
do que pelo ser, rendida ao culto do dinheiro e do poder, as vozes dos
antigos alquimistas surgem como um chamamento para o reencontro com o
lado espiritual da vida.
- Acho que por agora já
chega de alquimia e alquimistas. - Sugeriu o monarca. |