REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE

 

 

 

 
 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

Proposta de uma série de textos sobre rochas sedimentares

Vai começar o novo ano lectivo e, sendo certo que grande número dos meus leitores são professores que ensinam geologia nas nossas escolas, julgo ser oportuno facultar-lhes textos que digam muito mais e de outros ângulos do que os estereotipados livros adoptados. É uma verdade indiscutível que o professor deve saber muito para além do nível exigível aos seus alunos. Só assim poderá envolvê-los na beleza que, sem excepção, sempre têm os temas a versar. Essa beleza existe e é necessário encontrá-la se quisermos motivar quem tem por dever de cidadania (e eu acrescento, obrigação) de aprender.

Assim, é meu propósito dar início a uma série de textos reformulados e actualizados a partir de livros meus disponíveis no mercado, a saber: 

GEOLOGIA SEDIMENTAR, Vol. I – Sedimentogénese, Âncora Editora, Lisboa, 2003

GEOLOGIA SEDIMENTAR, Vol. II – Sedimentologia, Âncora Editora, Lisboa, 2005

GEOLOGIA SEDIMENTAR, Vol. III – Rochas Sedimentares, Âncora Editora, Lisboa, 2006 

No sentido de concretizar este objectivo seria desejável conhecer, sobretudo, os comentários e as críticas dos destinatários. Por outro lado, gostaria que este projecto abrangesse o maior número possível de professores e, nesse sentido, conviria que os leitores dessem dele conhecimento aos seus colegas, numa cadeia que se pretende abarque o nosso universo escolar.

NOTA – Será conveniente começar por ler o texto “As páginas de um grande livro”, editado no «sopasdepedra.blogspot.com», no passado dia 21 de Agosto.

Sob o título geral “DAS ROCHAS SEDIMENTARES”, eis, pois, o primeiro dos textos.

DAS ROCHAS SEDIMENTARES (1)
CLASSIFICAÇÃO DAS ROCHAS SEDIMENTARES

Nas rochas sedimentares é evidente a existência
de todos os termos de transição entre os grupos
estabelecidos subjectivamente pelo Homem.

(Carlos Romariz, 1966)

Entre as classificações das rochas sedimentares, propostas a partir do terceiro quartel Século XIX (classificação de A. Lasaulx. 1875), umas privilegiam a descrição das características individuais observáveis e, neste caso, dizem-se descritivas, outras têm por base a origem das rochas, dizendo-se, então, genéticas. Um dos aspectos descritivos mais importantes é o que atende à natureza dos minerais constituintes das rochas, distribuídos entre:

herdados ou detríticos, transformados ou não durante o processo sedimentogenético;

neoformados ou singenéticos; gerados no decurso da diagénese (autigénicos, na expressão de muitos autores) quer precoce quer tardia e, neste caso, referida como metassomatose.

Todavia, certos aspectos genéticos, seguramente inferidos, valorizam a classificação. É nessa medida que algumas classificações são simultaneamente descritivas e genéticas.

A sistemática das rochas sedimentares que, depois de décadas de investigação e de ensino, permite uma visão de conjunto destas componentes essenciais da crosta terrestre e, ao mesmo tempo, elucida sobre as suas origem e natureza (dado que assenta, simultaneamente, em bases genéticas e composicionais), considera sete conjuntos ou classes, cujas designações referem o componente predominante, a saber:

rochas terrígenas, também consideradas alogénicas ou alóctones, na medida em que os seus componentes são oriundos de outros locais e, portanto, sofreram transporte até ao local de deposição;

rochas carbonatadas, incluindo calcários e dolomitos, entre os quais uns de origem orgânica, outros resultantes de processo químicos;

rochas siliciosas (ou silicitos), com exclusão das de origem detrítica; incluem apenas as biogénicas e as quimiogénicas;

rochas ferríferas, no geral, bioquimiogénicas;

rochas fosfatadas (ou fosforitos), ricas em fosfato de cálcio;

rochas salinas (ou evaporitos), resultantes da precipitação de sais (sulfatos, cloretos, entre outros) por evaporação das águas que os contêm em solução;

rochas carbonosas (ou caustobiólitos), incluindo carvões, petróleos, betumes e gás natural.

Um tal arrumo é consequência lógica do próprio conceito de rocha sedimentar, fundamentado em critérios genéticos e composicionais (químicos e/ou mineralógicos) que se têm revelado de utilização cómoda e eficaz. Consegue-se, assim, uma razoável classificação das rochas sedimentares, não obstante se saiba que esta via encerra dificuldades e, às vezes, contradições. Este critério, porém, é o que melhor satisfaz os propósitos pedagógicos, a nível geral, neste capítulo das ciências da Terra, pois não perde de vista o encadeamento próprio dos processos naturais e certas afinidades entre alguns tipos de rochas, no que toca a sua utilização.
Tais dificuldades ou fragilidades podem ser ultrapassadas, explicando-as a cada passo. Por exemplo, não obstante haver argilitos de neoformação e, portanto, quimiogénicos, a sua inclusão nas rochas terrígenas resulta do facto de, na natureza, as argilas serem, na grande maioria, materiais saídos da meteorização e transportados como detritos para os locais onde se depositam, o que constitui um argumento favorável à reunião das rochas terrígenas e argilosas numa única classe. Outros autores, porém, consideram as rochas argilosas como uma classe à parte, e fazem-no com base em argumentos aceitáveis, como sejam: a supremacia destas rochas, em termos de:

1- abundância, relativamente às restantes rochas sedimentares;

2- a grande diferença de comportamento físico e químico entre as partículas
de argila e a maioria das classes de detritos (areias e fenoclastos) e consequentes diferenças de propriedades das respectivas rochas (porosidade, permeabilidade, plasticidade, etc.);

3- a sua importância como matéria-prima.

Em termos percentuais, as rochas argilosas, nas quais se incluem os xistos argilosos, representam cerca de 65% da totalidade das rochas sedimentares da crosta terrestre. As rochas areníticas correspondem a 20 a 15%, e as carbonatadas, na grande maioria calcários e dolomitos, a 10 a 15. As restantes classes (salinas, ferríferas, fosfatadas e carbonosas) representam, no conjunto, um valor inferior a 5%.

O arrumo ou classificação dos diversos tipos de rochas sedimentares em compartimentos demasiado rígidos é uma abstracção que não reflecte a realidade das condições naturais das respectivas géneses. A experiência mostra que existem todos os termos de transição entre as classes ou grupos artificialmente estabelecidos. Todavia, sistematizar o conhecimento é uma prática de há muito reconhecida como fundamental. Este facto evidencia-se sobretudo nas rochas sedimentares, onde a sistemática quase se confunde com a própria sedimentogénese «Não obstante as limitações inerentes a qualquer tipo de sistemática, estas serão tanto mais aceitáveis quanto mais pormenorizado e rigoroso for o conhecimento dos processos e ambientes sedimentogenéticos». (Romariz, 1966)

À semelhança de muitos nomes da petrografia ígnea (granito, sienito, diorito,...) e metamórfica (anfibolito, eclogito, migmatito,...) também os nomes de muitas rochas sedimentares estão marcadas pelo sufixo –ito, em alusão ao seu carácter litificado, pétreo. Este elemento de composição radica no elemento culto –ites, usado na Antiguidade na formação de nomes eruditos, quer de minerais quer de rochas, numa época em que não se estabelecia diferença entre eles.

Uma tal procura de uniformidade acabou por influenciar a petrografia sedimentar, surgida mais tarde, a partir dos anos 70 do século XIX, e está na base dos nomes psefito, psamito e pelito criados por Carl Friedrich Naumann (1797 - 1873) bem como nos propostos, mais tarde, por Amadeus William Grabau (1870 – 1946), rudito, arenito e lutito.

Mineralogistas e petrógrafos franceses e ingleses mantiveram o sufixo ite, os espanhóis, ita e os alemães it, independentemente de se tratar de minerais ou de rochas. Esta atitude persistiu algum tempo entre nós, especialmente entre geógrafos (Orlando Ribeiro, Mariano Feio, Fernandes Martins) até meados do século XX, com termos como quartzite, diorite, sienite e outros, no feminino. Porém, os mineralogistas e os petrógrafos portugueses do século passado entenderam, como regra aceite e seguida, que os nomes das espécies minerais são do género feminino, terminando em –ite, e que os nomes dos tipos de rochas são do género masculino, terminando em –ito. Por exemplo, neste contexto, anidritito é o nome da rocha sedimentar essencialmente constituída pelo mineral anidrite, e gipsito designa a rocha essencialmente formada por gesso.

Ao contrário do que é regra na nomenclatura petrográfica das rochas ígneas, não é possível, na grande maioria dos casos, atribuir a uma dada rocha sedimentar uma designação mono ou bimodal, tantos são os tipos de transição, quer entre as diversas classes (terrígenas, carbonatadas, siliciosas, etc.), quer entre as muitas subdivisões que, sem qualquer critério de uniformização, os diferentes autores têm adoptado nos seus trabalhos. Assim, em vez de um nome, empregam-se, frequentemente, frases com carácter descritivo como, por exemplo, “arenito grosseiro quartzo-feldspático, de matriz silto-argilosa, friável” ou “calcário afanítico argilo-betuminoso, com nódulos de pirite”.

A.M. Galopim de Carvalho. Professor jubilado da Universidade de Lisboa. Geólogo e escritor. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural de Lisboa.
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