Vai começar o novo ano
lectivo e, sendo certo que grande número dos meus leitores são
professores que ensinam geologia nas nossas escolas, julgo ser oportuno
facultar-lhes textos que digam muito mais e de outros ângulos do que os
estereotipados livros adoptados. É uma verdade indiscutível que o
professor deve saber muito para além do nível exigível aos seus alunos.
Só assim poderá envolvê-los na beleza que, sem excepção, sempre têm os
temas a versar. Essa beleza existe e é necessário encontrá-la se
quisermos motivar quem tem por dever de cidadania (e eu acrescento,
obrigação) de aprender.
Assim, é meu propósito dar início a uma série de
textos reformulados e actualizados a partir de livros meus disponíveis
no mercado, a saber:
GEOLOGIA SEDIMENTAR, Vol. I – Sedimentogénese, Âncora
Editora, Lisboa, 2003
GEOLOGIA SEDIMENTAR, Vol. II – Sedimentologia, Âncora
Editora, Lisboa, 2005
GEOLOGIA SEDIMENTAR, Vol. III – Rochas Sedimentares,
Âncora Editora, Lisboa, 2006
No sentido de concretizar
este objectivo seria desejável conhecer, sobretudo, os comentários e as
críticas dos destinatários. Por outro lado, gostaria que este projecto
abrangesse o maior número possível de professores e, nesse sentido,
conviria que os leitores dessem dele conhecimento aos seus colegas, numa
cadeia que se pretende abarque o nosso universo escolar.
NOTA – Será conveniente
começar por ler o texto “As páginas de um grande livro”, editado no «sopasdepedra.blogspot.com»,
no passado dia 21 de Agosto.
Sob o título geral “DAS
ROCHAS SEDIMENTARES”, eis, pois, o primeiro dos textos. |
Entre as classificações das rochas sedimentares,
propostas a partir do terceiro quartel Século XIX (classificação de A.
Lasaulx. 1875), umas privilegiam a descrição das características
individuais observáveis e, neste caso, dizem-se descritivas, outras têm
por base a origem das rochas, dizendo-se, então, genéticas. Um dos
aspectos descritivos mais importantes é o que atende à natureza dos
minerais constituintes das rochas, distribuídos entre:
herdados ou detríticos, transformados ou não
durante o processo sedimentogenético;
neoformados ou singenéticos; gerados no decurso
da diagénese (autigénicos, na expressão de muitos autores) quer
precoce quer tardia e, neste caso, referida como metassomatose.
Todavia, certos aspectos genéticos, seguramente
inferidos, valorizam a classificação. É nessa medida que algumas
classificações são simultaneamente descritivas e genéticas.
A sistemática das rochas sedimentares que, depois de
décadas de investigação e de ensino, permite uma visão de conjunto
destas componentes essenciais da crosta terrestre e, ao mesmo tempo,
elucida sobre as suas origem e natureza (dado que assenta,
simultaneamente, em bases genéticas e composicionais), considera sete
conjuntos ou classes, cujas designações referem o componente
predominante, a saber:
rochas terrígenas, também consideradas alogénicas
ou alóctones, na medida em que os seus componentes são oriundos de
outros locais e, portanto, sofreram transporte até ao local de
deposição;
rochas carbonatadas, incluindo calcários e
dolomitos, entre os quais uns de origem orgânica, outros resultantes
de processo químicos;
rochas siliciosas (ou silicitos), com exclusão
das de origem detrítica; incluem apenas as biogénicas e as
quimiogénicas;
rochas ferríferas, no geral, bioquimiogénicas;
rochas fosfatadas (ou fosforitos), ricas em
fosfato de cálcio;
rochas salinas (ou evaporitos), resultantes da
precipitação de sais (sulfatos, cloretos, entre outros) por
evaporação das águas que os contêm em solução;
rochas carbonosas (ou caustobiólitos), incluindo
carvões, petróleos, betumes e gás natural.
Um tal arrumo é consequência lógica do próprio
conceito de rocha sedimentar, fundamentado em critérios genéticos e
composicionais (químicos e/ou mineralógicos) que se têm revelado de
utilização cómoda e eficaz. Consegue-se, assim, uma razoável
classificação das rochas sedimentares, não obstante se saiba que esta
via encerra dificuldades e, às vezes, contradições. Este critério,
porém, é o que melhor satisfaz os propósitos pedagógicos, a nível geral,
neste capítulo das ciências da Terra, pois não perde de vista o
encadeamento próprio dos processos naturais e certas afinidades entre
alguns tipos de rochas, no que toca a sua utilização.
Tais dificuldades ou fragilidades podem ser ultrapassadas, explicando-as
a cada passo. Por exemplo, não obstante haver argilitos de neoformação
e, portanto, quimiogénicos, a sua inclusão nas rochas terrígenas resulta
do facto de, na natureza, as argilas serem, na grande maioria, materiais
saídos da meteorização e transportados como detritos para os locais onde
se depositam, o que constitui um argumento favorável à reunião das
rochas terrígenas e argilosas numa única classe. Outros autores, porém,
consideram as rochas argilosas como uma classe à parte, e fazem-no com
base em argumentos aceitáveis, como sejam: a supremacia destas rochas,
em termos de:
1- abundância, relativamente às restantes rochas
sedimentares;
2- a grande diferença de comportamento físico e
químico entre as partículas
de argila e a maioria das classes de detritos (areias e fenoclastos)
e consequentes diferenças de propriedades das respectivas rochas
(porosidade, permeabilidade, plasticidade, etc.);
3- a sua importância como matéria-prima.
Em termos percentuais, as rochas argilosas, nas quais
se incluem os xistos argilosos, representam cerca de 65% da totalidade
das rochas sedimentares da crosta terrestre. As rochas areníticas
correspondem a 20 a 15%, e as carbonatadas, na grande maioria calcários
e dolomitos, a 10 a 15. As restantes classes (salinas, ferríferas,
fosfatadas e carbonosas) representam, no conjunto, um valor inferior a
5%.
O arrumo ou classificação dos diversos tipos de
rochas sedimentares em compartimentos demasiado rígidos é uma abstracção
que não reflecte a realidade das condições naturais das respectivas
géneses. A experiência mostra que existem todos os termos de transição
entre as classes ou grupos artificialmente estabelecidos. Todavia,
sistematizar o conhecimento é uma prática de há muito reconhecida como
fundamental. Este facto evidencia-se sobretudo nas rochas sedimentares,
onde a sistemática quase se confunde com a própria sedimentogénese «Não
obstante as limitações inerentes a qualquer tipo de sistemática, estas
serão tanto mais aceitáveis quanto mais pormenorizado e rigoroso for o
conhecimento dos processos e ambientes sedimentogenéticos». (Romariz,
1966)
À semelhança de muitos nomes da petrografia ígnea
(granito, sienito, diorito,...) e metamórfica (anfibolito, eclogito,
migmatito,...) também os nomes de muitas rochas sedimentares estão
marcadas pelo sufixo –ito, em alusão ao seu carácter litificado, pétreo.
Este elemento de composição radica no elemento culto –ites, usado na
Antiguidade na formação de nomes eruditos, quer de minerais quer de
rochas, numa época em que não se estabelecia diferença entre eles.
Uma tal procura de uniformidade acabou por
influenciar a petrografia sedimentar, surgida mais tarde, a partir dos
anos 70 do século XIX, e está na base dos nomes psefito, psamito e
pelito criados por Carl Friedrich Naumann (1797 - 1873) bem como nos
propostos, mais tarde, por Amadeus William Grabau (1870 – 1946), rudito,
arenito e lutito.
Mineralogistas e petrógrafos franceses e ingleses
mantiveram o sufixo ite, os espanhóis, ita e os alemães it,
independentemente de se tratar de minerais ou de rochas. Esta atitude
persistiu algum tempo entre nós, especialmente entre geógrafos (Orlando
Ribeiro, Mariano Feio, Fernandes Martins) até meados do século XX, com
termos como quartzite, diorite, sienite e outros, no feminino. Porém, os
mineralogistas e os petrógrafos portugueses do século passado
entenderam, como regra aceite e seguida, que os nomes das espécies
minerais são do género feminino, terminando em –ite, e que os nomes dos
tipos de rochas são do género masculino, terminando em –ito. Por
exemplo, neste contexto, anidritito é o nome da rocha sedimentar
essencialmente constituída pelo mineral anidrite, e gipsito designa a
rocha essencialmente formada por gesso.
Ao contrário do que é regra na nomenclatura
petrográfica das rochas ígneas, não é possível, na grande maioria dos
casos, atribuir a uma dada rocha sedimentar uma designação mono ou
bimodal, tantos são os tipos de transição, quer entre as diversas
classes (terrígenas, carbonatadas, siliciosas, etc.), quer entre as
muitas subdivisões que, sem qualquer critério de uniformização, os
diferentes autores têm adoptado nos seus trabalhos. Assim, em vez de um
nome, empregam-se, frequentemente, frases com carácter descritivo como,
por exemplo, “arenito grosseiro quartzo-feldspático, de matriz
silto-argilosa, friável” ou “calcário afanítico argilo-betuminoso, com
nódulos de pirite”. |