Muitos dos leitores das minhas crónicas são
professoras e professores que ensinam geologia nas nossas escolas
básicas e secundárias e estudantes que têm matérias desta disciplina nos
respectivos curricula. É, sobretudo, a pensar neste conjunto de leitores
que me pareceu interessante escrever pequenas notas biográficas sobre os
homens e mulheres que, pedra a pedra, ergueram o maravilhoso edifício
das Ciências da Terra.
Restrinjo-me, como seria de prever, a este ramo do
conhecimento científico, porque foi nele que decorreu a minha vida
profissional. Os biólogos que falem dos seus antecessores e os químicos,
os físicos ou os matemáticos que façam outro tanto.
Qualquer que seja o tema, há sempre um ou mais
estudiosos que o trouxeram às páginas dos nossos manuais de ensino e é,
pois, de justiça, que procuremos, ainda que postumamente, prestar-lhes a
nossa homenagem e manifestar-lhes a nossa gratidão.
Assim, de quando em vez, escreverei sobre o essencial
da obra de alguém que colocou uma das referidas pedras no dito edifício
do conhecimento. Acontece que a esmagadora maioria das personalidades
incluídas neste propósito são homens e isso deve-se unicamente à
condição de inferioridade, imposta, no passado, às mulheres, a quem o
ensino era praticamente vedado. O século XX acabou com essa indignidade
e, assim, são hoje muitas as mulheres, tantas ou mais do que os homens,
que ocupam os bancos e as cátedras das universidades e participam na
investigação científica e tecnológica.
Comecemos então por falar do médico, geólogo e
paleontólogo suíço que ficou na história como grande estudioso dos
glaciares. |
Doutorado em medicina pela Universidade de Munique,
em 1830, tornou-se especialista em peixes fósseis, no que foi discípulo
de Georges Cuvier, sendo notável o seu contributo no domínio da
ictiologia. Estudou com o geógrafo alemão Alexander von Humboldt, que
lhe abriu as portas à observação da paisagem física. Ficou na história
da Geologia como glaciologista.
Em 1836, na companhia do engenheiro de minas alemão,
Johan Charpentier, visitou os glaciares (ou geleiras) e as moreias de
Diablerts e do Vale do Ródano e ele, que sempre fora céptico
relativamente ao glacialismo, converteu-se firmemente a esta
problemática formulada por este seu companheiro e pelos seus
conterrâneos, Jean-Pierre Perraudin e Ignaz Venetz. Na sequência desta
viagem, Agassiz desenvolveu este tema, que generalizou como teoria e que
apresentou em 1837, na Sociedade Suíça de Ciências Naturais, de
Neuchatel, ao mesmo tempo que divulgava o conceito de Era Glaciária ou
Idade do Gelo.
Antes dele, o poeta Wolfgang von Goethe (1749 -
1832), o naturalista Horace-Bénédict de Saussure (1740 – 1799) e outros
tinham observado as geleiras alpinas e chegado à conclusão de que os
blocos de rochas provenientes da montanha e espalhados nas zonas baixas
vizinhas tinham sido arrastados por aquelas línguas glaciárias. Também
antes dele, o alemão Albrecht Reinhard Bernhardi (1779 - 1849),
professor na Escola de Engenheiros Florestais de Dreissigacker, no norte
da Alemanha, revelara que os gelos da calote polar árctica, haviam
alastrado para sul e coberto temporariamente o norte da Europa, deixando
aí, como testemunhos, moreias e blocos erráticos.
Em 1840, Agassiz publicou a sua monumental memória,
em dois volumes, sobre o estudo dos glaciares, na qual discutiu os
movimentos das línguas glaciárias, a sua influência na erosão dos
respectivos vales, o desgaste e polimento das rochas sobre as quais se
deslocavam, a origem das moreias e das rochas estriadas e aborregadas.
Em resultado do seu estudo, Agassiz concluiu que, à semelhança de
Gronelândia, e num passado recente, uma vasta região a norte do seu
país, também estivera sob uma imensa capa de gelo.
Estendeu as suas observações às montanhas da Escócia,
na companhia do Decano de Westminster, William Buckland (1784 – 1856) e
encontrou aí testemunhos seguros de glaciares antigos, à semelhança dos
reconhecidos nos Alpes e na Europa do Norte. Também a Inglaterra, País
de Gales e Irlanda lhe revelaram a existência de moreias e outros
testemunhos de actividade glaciária na dependência das suas montanhas.
Agassiz foi professor de História Natural na
Universidade de Neuchatel que, sob a sua orientação, se tornou uma das
principais instituições de investigação científica do seu tempo. Mais
tarde, trocou a Europa pelos Estados Unidos da América, onde permaneceu
até o fim da sua vida, em 1873, tendo ensinado anatomia comparada, como
professor convidado na Universidade Cornell, em Ithaca, Nova Iorque, e
na Universidade de Charlestown, no Massachusetts. Ensinou ainda zoologia
e geologia na Universidade de Harvard, onde fundou o Museu de Zoologia
Comparada, de que foi o primeiro director.
Na continuação do seu trabalho na Europa, como
glaciologista, ele foi um dos primeiros a estudar os efeitos da última
glaciação (Wisconsin Glacial Episode) na América do Norte.
O Lago Agassiz, de origem glaciária, na região dos
Grandes Lagos da América do Norte, o Monte Agassiz, na Califórnia, o
Pico Agassiz, no Arizona, e o Glaciar Agassiz, no Parque Nacional dos
Glaciares, no Estado de Montana, são alguns dos acidente geográficos que
evocam o seu nome. Também em Marte e na Lua o seu nome é lembrado,
respectivamente, com uma cratera e um relevo. Agassiz é ainda enaltecido
na nomenclatura zoológica, sendo vários géneros e espécies registados
com o seu nome.
Agassiz era religioso e fiel seguidor da Bíblia, mas
atribuía um padrão de inferioridade aos negros, pelo que as suas
palestras sobre poligenismo eram muito populares e bem aceites pelos
senhores de escravos, no Sul. Sobre a espécie humana, ele tinha uma
visão oposta à de Charles Darwin, que procurou mostrar a origem comum de
todas as etnias humanas e a superficialidade das diferenças raciais.
Ficou conhecida a sua inabalável oposição às ideias de Darwin no que
respeita a evolução. Para ele, vários indivíduos de cada espécie foram
criados ao mesmo tempo e, em seguida, distribuídos por todos os
continentes, onde Deus queria que eles habitassem.
O racismo deste ilustre geólogo e paleontólogo, hoje
abertamente repudiado manchou-lhe o nome, como cidadão, mas não o legado
científico. O seu nome em escolas e outras instituições abunda no Estado
de Massachusetts. O governo suíço evoca este seu conterrâneo no nome do
pico montanhoso Agassizhorn e a Sociedade Geológica de Londres,
atribuiu-lhe a medalha Wollaston.
Uma biografia muito pormenorizada de Jean Louis
Rodolphe Agassiz foi escrita por sua mulher, Elizabeth Cary Agassiz
Cabot, professora universitária americana, com quem casara em 1850. |