Fundação Marques da Silva

 

MARIA ESTELA GUEDES
Foto: Maria do Céu Costa


A Fundação Marques da Silva, na Praça do Marquês de Pombal, no Porto, abriu agora ao público, com ideias de ultrapassar a sua herança mais evidente, a da arquitetura. É a casa e atelier do arquiteto Marques da Silva. A casa foi mandada construir por alguém que chegou do Brasil, daí tratar-se de uma «casa de brasileiro», belo palacete com jardim em que as palmeiras e outras espécies tropicais também assinalam a presença forte do Brasil. O atelier foi mandado construir pelo arquiteto Marques da Silva, e a assinatura mais patente dele localiza-se discretamente sob um ângulo do telhado voltado para o interior do recinto arquitetónico.

A obra, visto que de obra de arte se trata a Fundação enquanto casas, independentemente das exposições presentes e futuras no seu interior, alia tradição e vanguarda. Na vanguarda chamo a atenção para algo de menos comum na nossa esfera habitual de visitantes de museus e galerias: o que existe no jardim. O jardim tem integrada uma exposição de obras relacionadas com a arte de jardineiro, constituída pelos detritos e ruínas do primitivo jardim da casa. Assim, a par das árvores ornamentais que resistiram ao tempo, mais de um século, talvez, vemos a estrutura ferrugenta do que pode ter sido uma estufa, vidros partidos, um tanque transformado em canteiro «onde viçam urtigas», para citar Camilo Pessanha, um outro tanque, o da roupa, intacto, e mais. Digamos que esse aproveitamento não tanto de objets trouvés à maneira dos de Marcel Duchamp, antes de resíduos e ruínas, constitui um relicário, cujo efeito é de estranhamento, para o qual em muito contribui o facto de tal instalação ser meio secreta, só darmos pela sua intencionalidade minutos depois de fruirmos toda a beleza romântica do arvoredo.

É das casas e do jardim que deixo imagens, o conjunto merece o nosso olhar de apreço. Vale a pena visitar a Fundação Marques da Silva, quanto mais não seja para admirar o palacete, com os seus móveis originais, os lustres, a bela escadaria, as magníficas portas de madeira trabalhada, e naturalmente essa obra de arte que abriga outras, o jardim. Noutra página deixarei imagens da exposição de Siza Vieira intitulada «Siza: Unseen & Unknown/Inédito e Desconhecido».

 


Discreto, o sinal maçónico de compasso e folhas de acácia foi colocado sob o telhamento na parede das traseiras do atelier de Marques da Silva. Na imagem da direita vemos a fachada da Fundação, virada para a Praça do Marquês.
O lindíssimo portão da entrada, em ferro forjado. Ao lado, detritos, ruínas que, como outras instalações no jardim, ganharam dimensão estética, numa conceção transgressiva de modernidade.
Outra ruína, a estrutura de ferro de um telhado que ganha o seu maior sentido ao ser pensada como as colunas míticas para sustentarem o céu. Ao lado, sem nenhuma intervenção estética, salvo talvez a intervenção humana do antigo transporte de espécies de um continente para outro, transporte de espécies vivas hoje proibido, a grande árvore dá às epífitas o seu solo e  acesso à luz solar.
As epífitas, plantas cujo habitat é uma árvore,  lembram o que de mais característico existe na Mata Atlântica, faixa verde que acompanhava a costa americana. Hoje, dela, no Brasil, existem apenas resíduos, dos quais é bem expressivo o Jardim Botânico de Curitiba.
Detritos e estilhaços de vidro de um jardim anterior, conservados como instalação. As espécies botânicas exóticas acabam por ser relíquias também de um primitivo jardim de «casa de brasileiro».
Lavatório original, escadaria interior, madeiras trabalhadas, lustres, abat-jours de vidro, vidrilhos de janela, tudo no interior da casa dá conta de um passado em que a burguesia portuense prosperava e a portuguesa rivalizava com a inglesa, sem depender, como esta, do vinho do Porto.