O hálito do tempo remorde sua mais antiga inquietude:
quem serão os salvadores da Cruz? O que querem
de nós esses rostos famintos, soterrados na mansidão
com que esperam eternamente por algo? Por nós?
Serão tantos mesmo ou apenas um cujo rosto se disfarça
em milhares? Quem serão os salvadores da Cruz?
Trancafiados em seu olhar, de tão intensa recolha,
acabarão por nos encontrar em seu íntimo? Quantos
de nós? Seremos nós os salvadores da Cruz, sem
que ainda o tenhamos percebido? E se tirarmos dali
a Cruz, irão com ela tais enigmáticas figuras? Talvez
a devêssemos enterrar, cuidando para que não falte
um único rosto. Talvez a salvação esteja em desfazer-se
do objeto da dúvida. Mas quantos somos os inquilinos
da dúvida? Quantos os moradores de Deus que ainda
crêem que a salvação esteja na Cruz? Por que então
ainda a vemos pairando acima de todas as coisas?
Tudo está posto na exata medida, como uma ilusão.
Se olhar bem não há rosto algum na Cruz, ou razão
para salvá-la. Se olhar bem, somos os únicos
prisioneiros neste cenário vazio.
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