Haverá um verbo dentro de outro que o contradiga?
Uma locução de enganos que cunhe moedas de face única?
Por onde nos desfazermos da astúcia da memória que teima em doer?
Vozes gravadas sob tortura não são enigmáticas: são apenas dor,
a dor mais sangrenta e dilacerante que se possa imaginar.
Não estão ditas em outro idioma ou de trás para frente,
como se fossem registros demoníacos candidatos a exorcismo.
Qual será a terceira ordem menor do desespero de quem sangra sob tortura?
Para nós que assistimos a tudo impassivelmente diante do telejornal,
quanto exatamente dói a memória dissipada a cada nova edição diária?
Se tortura é apenas o que se sente, estamos dispensados da dor.
Que a memória se cale. Nada nos dói. Não precisamos saber de nada.
Deus se instala no mais absoluto vácuo e o Diabo vive apenas no casebre da memória.
Tratem de não se lembrar de nada, e tudo estará bem.