MANUEL RODRIGUES VAZ
Comunicação lida por Rodrigues Vaz no Restaurante O Pote, em Lisboa, no dia 26 de Fevereiro de 2025
Fernando Grade: O Desintegracionista relutante
O seu papel na Luanda dos Anos 60
«Aqui estou, doido de gaivotas, no sítio onde
O povo manda no rio, aqui estou
Com Annie nas margens do bucólico rio Almançor.
Agora conheço, sabemos o peso do trigo,
Somos, não, sou, perdão,
Não quero ser perito em almas (em ervas),
Seremos somente, não, serei mestre em cores
E venenos.
Annie, não deixes que o tempo envelheça
Sobre os teus lábios
Que encobrem o mistério mais audaz da minha vida.»
Já que vou falar sobre o Fernando Grade, calha bem lembrar um dos versos dele, que são bem um exemplo de toda a sua obra tão extensa como multímoda, tão inesperada como contagiante.
Sim. Estou a falar do meu amigo Fernando Grade, o poeta que editava os seus próprios livros e que os vendia também ele próprio, calcorreando as escolas de Lisboa em peregrinações sem fim, tornando-se uma visita obrigatória periódica dos professores mais dados às letras.
Da sua bibliografia constam mais de meia centena de títulos, entre eles Museu de Formigas, Alma Burra, Saudades de ser Índio, entre muitos outros que marcam a poesia portuguesa desde o início dos anos de mil novecentos e sessenta.
Cidadão Português, escritor e poeta, artista plástico, crítico de arte, Fernando Grade usou principalmente dois heterónimos para divulgar o seu trabalho literário: Abel Sabaoth (nascido no Porto, 1936, professor de Latim) e Aal Aarão (nascido em Lisboa, 1950, economista). Com outros poetas da sua geração foi fundador do Movimento Desintegracionista Português cujo manifesto foi publicado em 1965. Provavelmente foi o seu mais produtivo e legítimo representante. Fundou ainda e coordenou os mais antigos cadernos de poesia que se editaram continuamente em Portugal desde 1977, Viola Delta, das Edições Mic. Foi autarca, vereador da Câmara Municipal de Cascais, 1977/79, sócio-fundador da Associação Portuguesa de Escritores e seu director de 1976 a 1978.
No que se refere ao “DESINTEGRACIONISMO”, que é, até agora, o último movimento da Poesia Portuguesa — e quem diz Desintegracionismo diz Espacialismo — Fernando Grade foi um dos seus criadores, na companhia de Hugo Beja, ainda vivo, bem como dos já falecidos Nuno Rebocho, Armando Ventura Ferreira, Carolina Lima Vaz, Costa Mendes e Júlio-António Salgueiro, e também do ilustrador e pintor Mário Elias (igualmente desaparecido). Este grupo teve e tem a particularidade — num país como o nosso, em que “depois de termos ido à Índia, ficámos todos desempregados…”, o mesmo é dizer que as ideias e as modas vêm sempre de fora!…, que nós apenas seguimos e copiamos o que vem da estranja!… — os poetas do Movimento Desintegracionista Português assumiram-se como pioneiros, inventores e fundadores em todo o Mundo da ideia espacialista — explorada, desenvolvida e transposta em termos estéticos e dialécticos.
Os Desintegracionistas portugueses tiveram a particularidade de, pela primeira vez na nossa Literatura, criarem um movimento de raiz, serem efectivamente originais, incentivarem-se a si mesmos, em suma, foram os construtores de uma ideia (o espacialismo… o desintegracionismo…), lutaram para que, sem rebuço, e usando as palavras já longínquas de Fernando Grade, “Portugal deixe de ser um quarto alugado á Espanha, com janelas para o mar…”.
«Poeta iluminado e simbólico, criou textos de invulgar beleza e ritmo, onde uma erudição assimilada e uma ironia tensa, frequentemente provocatória, constituem o esqueleto da sua muito original sensibilidade e inteligência» – assim o classificava Arnaldo Trindade, nos idos de noventa. E continuava: «A palavra para ele não tem segredos e o seu discurso, pleno de metáforas genuínas imprevistas, atinge-nos o pensamento e o estômago como murros. Como artista plástico a sua extensa produção como desenhador, pintor, colagista, escultor e ilustrador é geralmente subordinada a dois grandes temas: “Teoria das Multidões” e “Colagens Perversas / Esculturas de Papel”. Vê-se aqui a preocupação do autor em arranjar dois grandes chapéus que abriguem e disciplinem a sua criatividade profícua e permanente, sem se dispersar por áreas aleatórias que nada lhe dizem, nem acrescentam. Reconhece-se também aqui o perfil “desintegracionista” do artista plástico. O todo das suas representações gráficas encontra-se na junção / união dos elementos que as compõem, como peças de um puzzle que o observador atento necessita de redistribuir visualmente para lhe interpretar a intenção.»
Já agora sai um dos seus inúmeros Haikais:
«A demolição começa pelo nariz
pelas rebeldes narinas inteiriçadas de brisa.
Mas a boca calceta-se com beijos.»
Como dele disse o escritor Ivo Aguiar, quando do seu falecimento, «Estreou-se na literatura aos 19 anos com Sangria e faleceu em Junho de 2024, com 81 anos, e num quase completo anonimato. São praticamente nulas as referências a este excêntrico poeta não apenas ao nível geral da cultura como também ao nível do universo específico da crítica e divulgação literárias. E, no entanto, Mário Cesariny classificou-o como “excepcional”, um “poeta de corpo presente” (Cadernos Ibéricos, nº 1, 1963).
De forma propositada ou não, Grade primava por um desleixo no vestir, sempre apresentável com sobretudo coçado, boina basca preta, barba sebenta de dimensões insuportáveis. Autor das suas próprias edições MIC (Movimento de Intervenção Cultural) denotadas pela enorme falta de gosto e sentido estéticos, Grade vagueava pelas ruas e escolas numa tentativa de dar a conhecer os seus poemas. O MIC rapidamente resvalou repulsa não gracejando as graças dos jornais e editoras da época e rapidamente se converteu num silêncio e solidão com que nos acabou por deixar.
Ruy Ventura descreve-o como alguém com “vontade perene de ir às inaugurações onde adregasse haver comes-e-bebes, para poupar em refeições, porque vida de poeta, por mais que se desunhe a propagandear-se e a vender poemas, sempre está às portas duma barriga a dar horas.” Com um humor desconcertante, Joaquim Moedas Duarte descreve-o como “inventor de ditos rápidos e certeiros, por vezes sarcásticos ou humorísticos. Como aquele que uma vez me atirou, quando me queixei das muitas actividades culturais, e dos muitos livros a que não conseguia dar vazão:
– Olha, pá! Também me queixo do mesmo: não há tusa para tanta musa!”»
Em vez de um copo de tinto, sai agora mais um poema do fundador do Desintegracionismo:
À porta de Rimbaud arde um chocalho
como flautas rasgadas de beleza
e as musas são despidas no soalho
– o pão: espezinhado sobre a mesa.
Sibila de uma França galinácea
que semeia rosinas e chacais
entre os cravos, os goivos e as acácias.
Um corpo masturbado nos pinhais…
Por trás da neve, foste um bom profeta,
morango, sangue, e cadela ruiva,
astros, astros, cidades de cal preta.
Quiseste ser em ti a própria noiva.
Boca de morsa velha – o teu desejo…
À porta de Rimbaud é que me vejo…
O crítico literário António Cândido Franco não tem dúvidas. «Calhou a este homem que assinou Fernando Grade ter um destino involuntário e trágico, desses que são já improváveis ou mesmo impossíveis numa literatura adulta, a trabalhar para a indústria cultural, mas calhou-lhe também ser um autêntico prestidigitador do fogo, que foi capaz de brincar com os incêndios mais velozes com uma mestria tantas vezes admirável. Apesar de tudo, Fernando Grade, não foi um poeta completamente anónimo, mas através dele é possível homenagear um vasto conjunto de pessoas que dedicam uma grande parte da sua vida à poesia, à arte e à cultura em geral. Pessoas que diariamente sentem o peso de cada palavra e convertem o seu sentido num esboço de algo que, um dia, pode vir a ser um poema. Pessoas que, no anonimato completo, sentem o universo em cada pedaço da sua escrita. A todas essas pessoas eu estou infinitamente grato por alimentarem involuntariamente uma ideia de civilização que, com o tempo, tenderá a perder-se.»
Mas deixemos o Fernando Grade falar por si, num texto publicado pela revista Agulha, em 2016, sob o título Ao Surrealíssimo disse tudo, em Dezembro de 1963: «Aos vinte anos, aconteceu, precisamente um ano exacto depois da publicação de Sangria, existir mais do que justificação para conhecer o Cesariny. Apareceu, nessa altura, a revista bilingue, com edição em Português e outra em Castelhano, chamada Síntese e Síntesis, dirigida por Azevedo Martins, que, por seu turno, era igualmente director do Jornal de Letras e Artes. O Cesariny – pessoalmente não nos conhecíamos – publicou na revista Síntesis uma crítica literária aos autores “novíssimos”, surgidos entretanto, e, nesse pé, irmana-nos, a mim e ao Almeida Faria, falando, no referente ao meu caso, en erotismo y ataque, e, no caso do Benigno José (de Almeida Faria), em metafísica y erotismo. O Cesariny via-nos, ao tempo, como paradigmas da jovem vanguarda portuguesa. Ambos tínhamos 20 anos. Bons tempos em que eu e o Ben – portanto, o Benigno José – autor do Rumor branco, tínhamos o tempo a favor. Além disso, tratava-se, outrossim, de uma sublinhável questão geracional. A crítica muito arguta do Cesariny coloca – como não podia deixar de ser – o dedo nessa ferida. Com efeito, o Almeida Faria é, precisamente, um mês e cinco dias mais novo do que eu. Bons tempos, repito, bons tempos… em que o inconfundível André francês (Breton) e o Sartre ainda estavam vivinhos da costa! No meu segundo livro, Um arbusto entre os calhaus, aparecido em 1965 – contava, assim, 22 anos –, o meu discurso poético já não era tão “vanguardista” como o da Sangria, e vislumbra-se, em dois ou três poemas, certa atmosfera que lembrará algum Alexandre O’Neill… Não sei de onde nasceu essa remota “influência” da minha verde vintena de anos … Contudo, ao tempo, eu já era jornalista e… cronista (sarcástico). E o sarcasmo é bem surrealista! Entretanto, tudo passou, muitos mortos correram pelo rio abaixo!!!, e, de há muitos, muitos anos a esta parte, creio que tenho uma voz própria. Mas não rejeito a herança surrealista. Pela liberdade sem máscara é que vamos.»
Na verdade, Fernando Grade, que começou a publicar poemas no semanário de Cascais Nossa Terra, nunca foi um poeta do sistema, mas a sua poesia ultrapassa em qualidade e notoriedade a de muitos poetas premiados e reconhecidos neste último meio século.
Reconhecendo de vários modos estas suas características, foi fácil encontrá-lo e contatá-lo nas suas deambulações por Luanda quando ali cumpriu serviço militar (1966-68). Logo após a sua chegada, a convite do jornalista Acácio Barradas, foi crítico literário do ABC/ Diário de Angola, ligado a personalidades de tradições republicanas.
Como já colaborava com vários jornais portugueses, uma das suas primeiras crónicas de Luanda foi publicada no Diário Popular, de Lisboa, em que ele se referia à bonita capital angolana como uma cidade rinocerôntica, nitidamente ligando Luanda à peça de teatro então muito falada, “Rinoceronte”, do escritor romeno Ionesco.
O escritor Reis Ventura, então colunista no principal diário luandense, A Província de Angola, não gostou da história, e tratou logo de desancar os militares que iam para Angola e criticavam o que lá se passava. Claro, com razão, afinal “O Rinoceronte” é realmente uma crítica a todo pensamento totalitário que possa esmagar todos os outros, e que gere um sistema onde não haja mais lugar para qualquer oposição. Ionesco critica também o conformismo, que, criando condições de submissão a uma ordem absurda, transforma os homens em verdadeiros títeres. Grade tinha acertado mesmo no alvo.
Como militar, estava-lhe vedado publicar qualquer artigo jornalístico, pelo que foi logo alvo de um auto, que lhe decretou prisão durante um mês. Tendo adoecido, acabou por ir parar ao Hospital Militar, onde aproveitava as visitas aos restantes doentes para se queixar do que lhe tinha acontecido. Um dos jornalistas que soube da história foi o Alfredo Bobella-Mota, que tinha estado várias vezes preso pela PIDE, e que publicitou vastamente o caso.
Foi o bastante para nós, os mais dados às letras, começarmos a fazer romaria ao Hospital Militar para levar a nossa solidariedade ao Fernando Grade que, coitadinho, estava a sofrer as agruras da prisão.
O movimento foi tal que, o Comando-chefe das Forças Armadas mandou logo libertá-lo, não fossem as coisas chegar a pior. Quem de novo não gostou muito foi o Reis Ventura, curiosamente um ex-padre e escritor menor, mas que em 1936, com o seu volume de versos, A Romaria, acabou por adquirir pronta celebridade por ter vencido a Mensagem de Fernando Pessoa no concurso de poesia organizado pelo Secretariado de Propaganda Nacional (Prémio Antero de Quental) em 1934. No suplemento cultural do matutino luandense, que se publicava ao domingo, voltou a mimoseá-lo com alguns epítetos.
A sua libertação foi prontamente festejada e cedo começou a frequentar as várias tertúlias da cidade que frequentávamos, nomeadamente as dos cafés Paris e Versalhes, assim como a da cervejaria Baleizão, recentemente desaparecida fisicamente.
Começou a perorar no suplemento literário do diário ABC, onde, com as ilustrações ousadas do Luís Jardim, irmão do Artur Portela Filho, desancavam na sociedade luandense quanto bastasse, e animavam as nossas hostes, famintas de coisas novas e factos diferentes. Ficou célebre um cartoon sobre um rechonchudo jornalista do Notícia, onde havia alusão a massagens de uma Ermelinda. O marido desta é que não gostou muito da história e foi a casa do Luís Jardim, brindando-o com uns açoites que o levaram a ser internado durante umas semanas.
Estava dado o mote. A partir daquele momento, o Fernando Grande pôs-nos a funcionar a todos, levando-nos a colaborar nos vários suplementos culturais dos jornais que ia havendo. A minha primeira crítica de cinema saiu na altura na novel revista Semana Ilustrada – foi uma referência ao filme polaco O Faraó, de Jerzy Kawalerowicz, – e, mais tarde, acabei por coordenar o suplemento literário do Diário de Luanda.
Dada a sua proximidade com o Luís Jardim, que trabalhava no Museu de Angola, o salão de exposições desta instituição abre-se para exposições – seria ali a primeira exposição em Luanda do José de Guimarães – e igualmente para várias sessões culturais que o Grade intitulava Teatro de Acção, verdadeiros happenings sobre os problemas mais prementes da cidade e da actualidade internacional, especialmente ligados à cultura.
A partir de um mote dado por um dos espectadores ou de um participante do grupo, o Fernando Grade desenvolvia à moda do Bocage toda uma série de quadras jocosas que faziam as delícias de todos nós.
Além de mim, o seu principal seguidor foi o poeta David Mestre, que acabou por chegar a director do Jornal de Angola, e que, de vários modos veio a influenciar os jovens poetas que integraram a Brigada Jovem de Literatura, nomeadamente o Lopito Feijó, o João Serra, que além de poeta se notabilizou como cronista, o Carlos Amor, que continua a poetar nos arredores de Lisboa, e o Jorge Menezes, que viria mais tarde a desempenhar um papel interessante na vida cultural de Sintra. E tenho de lembrar também os novos pintores que então surgiram, animados pelo dinamismo que o Grade transmitia, e que eu venho a aproveitar quando organizei o I Salão de Novíssimos, em Luanda, nomeadamente Filipe Henriques, Pombinho, Helena Trindade, Travanca da Costa, Duarte Ferreira, António Santiago, António Trindade, Rui Garção e Carlos Barradas, estes dois últimos que acabaram por fazer carreira na RTP, em Lisboa.
Não esquecer, entretanto, o João Carreira Bom, que tinha estado na fundação do Desintegracionismo e viria a fazer carreira como jornalista no Expresso, e depois viria a criar o blogue Ciberdúvidas, mas que naquela altura apareceu como furriel colocado no Quartel-general, integrando-se imediatamente nas nossas tertúlias, nem o grande artista plástico angolano António Ole, naquela altura a iniciar-se nas artes, mas a quem o Fernando Grade muito animou e acicatou.
De vários modos, o Fernando Grade animou de maneira indelével a vida cultural luandense naqueles anos, com muita rebeldia e muito sarcasmo e humor. Foi uma aragem de frescura inesquecível, proporcionando momentos únicos e irrepetíveis.
Para finalizar, quero referir que, além de crítica de arte, que também praticou de forma inigualável, ele foi um excelente artista plástico.
Em tempo: Quando utilizo a palavra relutante para caracterizar o Fernando Grade, é mesmo isso o que quero dizer, pois relutante que deriva do latim reluctans, antis, como particípio do verbo latino “reluctari”, tem o sentido de lutar contra, de resistir. E também pertinaz, obstinado, teimoso, resistente, aferrado, cabeçudo, birrento, afincado, cabeça-dura. Ora era isto tudo o que ele era. E de vários modos, já agora, eu também me revejo nisso.
A sua bibliografia é vasta:
Sangria (1962)
Um Arbusto Entre os Calhaus(1965)
A + 2 = Raiva(1970)
10 anos de Poesia (1972-1977)
O Vinho dos Mortos(1977-1979-1985-1986-1999)
Serenata ao Diabo(1978)
Saudade Sábia(1979)
Museu das Formigas(1980)
Saudades de ser Índio(1981)
Quem diz Macho Diz Fêmea(1982)
O Bando da Papoila(1983)
Mecânico de Ovnis(1984)
Doutor em Demolições(1985)
Os Poetas Nunca Mentem : Falam de Outra Coisa(1985)
Alma Burra(1987)
25 Anos de Poesia(1962-87/1988)
Compra-me um Doido(1988)
A Minha Pátria é o Sábado(1989)
O Livro do Cão(1991)
Os Melhores Sonetos de Fernando Grade(1992)
Sonetos Com Demo(1995)
Philosophus Per Ignem(1996)
Também os Beijos têm Osso(1997)
O Que é Brilhante Ainda é Baço(1998)
Sonata Para Um Lobisomem(2000)
Os meus Olhos Pegaram em Facas(2004)
Sempre Tive Um Vinho Ciumento(2005)
Prosa:
O Cádaver de Fernando Pessoa(1980)
A Minha Quinta-Feira 25 de Abril(1998)
O Bairro Cercado(1999)
Teatro:
A Vida Aparece Sempre Que Pode(2003)
AS MOSCAS AINDA ESTÃO NA CIDADE
Olha Sartre afinal as moscas ainda estão na cidade
— Elas são muitas e grandes e formam bando
dificultando o voo dos pássaros
As moscas ainda moram em toda a parte:
por cima das ruas por dentro dos prédios
no sexo de quem não foge para o fogo vivo
da terra sempre a florir
À boca dos cinemas
ou entre as flores secretas da noite
nascem moscas
as mesmas que depois passeiam
de braço dado com os bêbedos verticais
ou invadindo a casa de quem se despe
cantando pela madrugada
Olha Sartre já vem muito perto a primavera
em que as moscas perderão as asas.