PAULO JORGE BRITO E ABREU
FERNANDO GRADE: O ACTOR, A EXCEPÇÃO E O TEATRO DE ACÇÃO
«Nós somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos, e
a nossa vida breve está cercada por um sono.» William Shakespeare
Como falarmos, no século XXI, do facundo e do feraz Fernando José da Costa Grade? Ele é, para citarmos Oscar Wilde ( 1854 – 1900), «um daqueles que foi feito para a excepção, e não para a lei», não para o Logos e a lei da cadeia tecnocrata. Que a Poesia, para Grade, é qual a Via, a Verdade e a Vida, a Poesia, pra Grade, é o direito à diferença. Entremos, por isso, em sua «Weltanschauung». Suas palavras, aqui, são as naus. Seus poemas são a casa do Verbo criador. E a Palavra é como Pão e a Palavra é como leite, é pois alento e alimento em sápido e deleite. E é qual a Palas Atena, é pois o canto e acalanto em libertárias letras. E nos valemos, aqui, de Victor Hugo ( 1802 – 1885 ): é que a Palavra é o Verbo e o Verbo Deus é. Dizer isto é remembrar, ao lente e ao legente: como reacção, ou antítese, aos Salesianos do Estoril, que foram seus mestres no ensino secundário, não é, Fernando Grade, o eclesiástico e escolástico, ele é da escala, ou didascália, do livre-pensamento – e ele tem, «verbi gratia», o Voltaire ( 1694 – 1778 ) em conta alta. Voltaire que devia, a sua grande cultura e a sua formação, ao Colégio de Jesuítas Louis-le-Grand ( 1704 – 1711 ). Quanto a Grade, ele é, na sua mundividência, o marxista-leninista. Pois mais do que informar, o Grade avoca e convoca; seu motor e a matriz é a Liberdade lilial, e ela ajuda a liar, a ligar e a conciliar. Seguindo e segundo a sua Minerva, «É essa a sina dos vates: procurar – entre a erva e a luz – o sangue do cordeiro assassinado.» E deveras ademais, ele cultua, cautamente, o selecto Sigmund Freud ( 1856 – 1939 ). Por esta sua dilecção nós falaremos, amiúde, do movimento e luzimento psicanalíticos. Nada de inoperante, nem tampouco irrelevante: pra criar a Psicanálise, o Doutor Freud baseou-se, de boamente, no «Édipo-Rei», e retomou, com Sófocles, retomou o caminho da Poética antiga. Sendo, o Complexo de Édipo, o Complexo, outrossim, do sápido Hamlet. Tanto assim é, que ao receber, em sua casa, o dramaturgo Lenormand (1882 – 1951 ), o Sigmund Freud, ao mostrar-lhe, mavioso, a sua grande biblioteca, lhe confiou que os temas cruciais da sua doutrina tinham por base, e fundamento, a intuição dos Poetas. «Verbi gratia», se redige, o Rimbaud (1854 – 1891), que «Je est un autre», escreve, em paráfrase, o Jacques Lacan (1901 – 1981 ): «O inconsciente é o discurso do Outro.» E antecipando, em muito e muito, a Psicanálise, e indo contra a prisão do racionalismo, asserta, desta sorte, o companheiro de Verlaine (1844 – 1896 ): «É incorrecto dizer: Eu penso. Dever-se-ia antes dizer: Eu sou pensado.» Ao que firma o ensaísta, deveras e na verve: é que o «ça» é o «id», epifenómeno é o Ego, e eu sou pesado, e pensado, por o meu inconsciente. Que o termo «inconsciente» ( em germano, «unbewussten» ) foi criado, por a vez primeira, por Friedrich Schelling ( 1775 – 1854 ), no ano 1800, em seu «Sistema de Idealismo Transcendental», e foi cunhado depois, para a língua inglesa, em 1817, por Samuel Taylor Coleridge ( 1772 – 1834 ), em sua «Biographia Literaria». Sendo o primeiro um Filósofo idealista teutónico e o segundo, juntamente com Wordsworth (1770 – 1850 ), o introdutor do Romantismo nas Ilhas Britânicas. E sendo, também, de altear e alçar, Eduard von Hartmann ( 1842 – 1906 ) deu a lume, em 1869, a portentosa «Filosofia do Inconsciente». E vamos ora ao entremez. E ora vamos ao encontro da Palavra gradiana. Da Lira, lilial, que nele é chama e chamada. E por isso, ó ledor, a nossa lembrança. Falando do Grade, acatemos e aceitemos, sua Palavra, como o perene Pau da lavra. Ou digamos, em crítica acribia: o aticismo, em Fernando José, é o ofício da Cruz, do arado e bisturi. Que a ponte é o porto e o Poeta é qual a porta, e não alembras, aqui, António Telmo (1927 – 2010)??? À guisa de Isaías (774 – 690 a. C. aprox. ), transforma o Grade as espadas em relhas de arados; ele transmuda pois de facto as lanças em foices. Ele convoca, e advoga, a «manteiga», afinal, «em vez de canhões». Matutemos, por isso, e meditemos: em hermenêutica nossa, nós tínhamos, em Alice Spíndola ( Nova Ponte, Minas Gerais, Brasil, 26/ 09/ 1940 ) e António Salvado (Castelo Branco, 20/ 02/ 1936 – Castelo Branco, 05/ 03/ 2023 ), Letradura como expressão do preternatural; nós temos, em Grade, Literatura qual manar do subconsciente. Pois quanto ao Autor, e promotor, de «O Vinho dos Mortos» ( 1977 ), ele distribui, selectamente, seu «Logos» seminífero, por as entranhas do ledor. Parafraseando, aqui, o Heraclito (540 a. C. – 480 a. C. ), em completo parabém, Fernando Grade, o obscuro, ele não fala, nem oculta: manifesta-se por sinais. Nótula pequena: Heraclito é siderado, considerado, como o Pai da Dialéctica. E firmando forte em frente: para empregarmos um termo de Carl Gustav Jung ( 1875 – 1961 ), há mais de 40 anos Fernando Grade era, para mim, uma personalidade Mana ou pessoa carismática, carregada, por isso, de mágico poder. Diga-se, aqui, em abono da verdade: em nossa dupla, sem dolo, actuava, de feito, o «transfert» ou empatia transferencial. Era o «rapport» de que fala o Pierre Janet ( 1859 – 1947 ), e, pra citarmos Carl Rogers (1902 – 1987 ), era uma enfática, empática, compreensão. Era a meiga, dessarte, e macia manhã. E era, ledamente, a lavoura, o seu alor e albor. Pois Memória vivida do 25 de Abril (1994 ), o nosso Grade é um misto de Rasputine (1869 – 1916), de Che Guevara (1928 – 1967 ) e de Guerra Junqueiro (1850 – 1923 ): esse o seu lema e por isso o emblema. O texto ou narrativa que deu origem à vitória chama-se «A Minha Quinta-Feira 25 de Abril», e foi preste publicado pela Universitária Editora ( 2.ª edição, 1998 ). Que o Autor de «A + 2 = Raiva» ( 1970 ) é subsidiário, de feito, do Fado bocagiano; têm os dous a mesma Afrodite, o mesmo estro, a mesma hombridade e dicacidade. De Bocage ( 1765 – 1805 ) opinou, Alexandre Herculano ( 1810 – 1877 ), que ele trouxe a Poesia dos salões para a praça pública, e o mesmo diremos nós da Lira gradiana: nos anos 70, selectamente, eram dele os recitais «A Poesia está na Rua». Que em duas palavras, segundo o Fernando, se resume, em isagoge, o seu orbe e a Obra: a Raiva, primeiro, e os Frutos, depois – e essa a escola e o escopo da especulação. Queremos dizer: em lugar do Biblista «Eu sou Aquele que sou», riposta, em resposta, a Poesia gradiana: «Tu podes ser outra coisa» – e, por isso, com Lacan (1901 – 1981 ), este «liber» e a lavra é o discurso do Outro. Elucubrando, elucidando, deu a lume o Grade, em 1986, «Os Poetas nunca mentem: falam de outra coisa»; e falar doutra coisa, etimologicamente, é parlar, é falar, por alegorias. Ou melhor: é ter capacidade efabulatória. Pois se vivem, aqui, se aqui vivem, veramente, as «Saudades de ser Índio» ( 1979 ), a Poesia, como a Arte, é qual o escol e a escola do preste libertário; essa pronta, essa preste, e essa lauta Liberdade, essa lauta, dilecta, Eleutéria Liberdade.
Não falamos do serôdio, nem falamos do caturra: o Desintegracionismo ( 1964 /1965 ), como é facto e como é feito, é o mais jovem movimento da Poesia Portuguesa – e os cadernos «Viola Delta» nos companham, acompanham, desde há 35 anos: é esta, como já foi notado, uma longevidade, perenidade e acracia no cântico jovem. Na linha, portanto, do Maio de 68, Grade um experto e um perito no novo, Grade um clássico, ou ático, da modernidade. Pois nascer, precisamente, no Dia das Mentiras, é estar do lado do contra, é ser nado na escola duma alteridade. «Têm de me aturar até ao século XXII!!!», redargue, supino, o Grade glorioso. Ele é o espírito, afinal, da eterna negação: por isso está, «O Livro do Cão», ( 1991 ), do lado do demónio, em termos metafóricos. E não remembras, do indomável Dylan Thomas (1914 – 1953 ), o «Retrato do Artista Quando Jovem Cão» ( 1940 ) ? Pois tanto Thomas, como Grade, eles são afectos, e afeitos, à «persona», turbadora, de Diógenes, o Cínico (Sinope, 412/ 404 a. C. – Corinto, c. 323 a. C. ). E, por isso, nós outros, nós por isso demandamos: que será, a imitação, senão o Mito e a mentira postos em acção??????
Falar, porém, da Poesia gradiana, é notar com fervor: o discurso poético, como asseveram literatos, é, essencialmente, uma fuga e desafio à ordem do «Logos». Sendo ele irónico, e onírico, o excurso e o discurso de Fernando Grade são, claramente, provocatórios; entre a Liberdade, e a Autoridade, ele toma o partido da preste Liberdade. Melhor dizendo, na «Mimesis»: dejectado, enjeitado, rejeitado é o Poeta por a Cidade dos homens – e espaventado e espavorido, assim o empeceu, para sempre, a «República» de Platão ( 428/ 427 – 348/ 347 a. C. ). Na linha, dessarte, do António Maria Lisboa ( 1928 – 1953 ) e do Lautréamont ( 1846 – 1870 ), se casa a Poesia feita por todos com o diverso e a verve do excurso anarquista. Quero eu dizer: o normal e a norma são preste enjeitados; são apartados, os poemas gradianos, dos princípios de identidade, da não contradição, e, na heteronímia, do terceiro excluído. Pois avancemos, no lance: Poesia, para Grade, é qual reverso, o inverso e também o controverso – e por que não o verso, e o diverso, das «colagens perversas»? E por isso mentamos nós: quais Liberálias, Acidálias, Saturnais, a Poesia de Grade é o mundo às avessas, e daí, digamos nós, seu verso universal. Ou falando, agora, sem ambages: o Grade faz, com as palavras, aquilo que fazem, acrobatas, com os braços e as pernas. E daí no porto a porta, o preste «Bateleur»: o Poeta, ou cantor, é prestidigitador. Pois pra citar, forte e fértil, o feérico Fernando, ele nunca teve jeito para a Geometria, ele vê sempre, na pirâmide, o suor e o cansaço de quem a construía… Ou pra afirmar, em firme Firmamento: ao espírito geométrico se opõe, na verve, o «esprit de finesse», por o Pascal ( 1623 – 1662 ) e pascoal parabenizado… E disso pendem, ou dependem, dez lustros de Poesia, com eles nós aprendemos a dinamizar. Melhor dizendo: a dinamitar; e datado de 1985, o «Doutor em Demolições» ele é, no Karma, um livro caroal. Cremos que o Grade concorda, belamente, com o beletrista Bakunine (1814 – 1876 ): «A paixão pela destruição é uma paixão criativa.» O caminho do Vate, heterodoxo, é o caminho da transgressão, porquanto ele o diz, e ele decerto o asserta: «Os poetas acasalam-se com a raiva.» Queremos dizer: o Grade deu, ele dá a sua vida por a Grande Recusa. Isto é: rechaçando, e refusando, o homem prometaico, o Grade promove, ele afirma, o órfico homem. Ou melhor: se em criança, generoso, o Fernando tinha ginete, Horácio (Venúsia, 08/ 12/ 65 a. C. – Roma, 27/ 11/ 8 a. C. ) refere-se, aos rapsodos, como «a raça irritável dos Poetas» («Epístolas, II, 2, 102 ). Que fique, aqui, o Latim original: «Genus irritabile vatum.» Pois indo ao fundo, ao fundamento e ao fundamental, Fernando Grade, na firmeza, o pelotiqueiro e artilheiro – e eis o som e a «persona» do Abel Sabaoth ( Porto, 06/ 06/ 1936 ). Na Invicta foi nado, na freguesia de Santo Ildefonso, Abel Duarte Simões Pereira de Lencastre, de seu nome completo. Licenciado em Filologia Clássica pela Sorbonne, tem o Mestrado e Doutoramento pela Universidade de Bruxelas. De sublinhar que, acaso objectivo, quiçá, o Poeta Gomes Leal foi nado em Lisboa, a 6 de Junho de 1848. E eis ademais a personagem, heteronimizada, de Aal Aarão ( Lisboa, 30/ 11/ 1950 ). Ele o artista, o artefacto, e por isso artesanato, foi nado em Ulisseia, a 30 de Novembro de 1950, na freguesia, feraz, de Santa Engrácia – e licenciou-se, leve e lesto, em Economia. Pois se era, o bíblico Aarão, o ajudante, o fautor, o irmão mais velho de Moisés, era, Sabaoth, as hostes, as armas, e o «Senhor dos Exércitos». E já estamos a falar, afinal, do «Diário de uma guerrilha íntima». Que não nos iludamos: Sabaoth, aqui, é guerra contra a guerra, a injustiça, a exploração, digamos, do homem pelo homem, e aqui se averba, aqui se versa a ditadura do proletariado. E eis aqui, no terreno, a «Tellus Mater», a cerimónia de Ceres – e não vês no passo a dança, Amigo ledor? E por isso, como vimos, e por isso a Poesia é o Pão que dá a vida. Pois seguindo e segundo o Fiódor Dostoiévski ( 1821 – 1881 ), a Beleza, beletrista, salvará o mundo inteiro. Muito mais do que um emprego, e muito mais do que o labor, Poesia, para Grade, é labirinto, liberal e laboratório – e é jogral e é o jogo, e é jornal e a joeira do livre-pensamento. Que ele é jocoso e dadivoso. Que é jornalista, e o cultor. Que é pois a lava, o lazer e o princípio do prazer……
Laborando, libando e liberando, libertária, afinal, a Afrodite Anadiómena. «Queres ser a minha casa???», demanda, o Poeta, à veiga viridente e à Vénus venusta. E lavra, o rapsodo, ele opera e pois labora, e a terra lhe agradece sob a forma de mulher. E é a mulher que ele encontra, é sempre a mulher que ele encontra, em vianda virtuosa e à Porta do Ser; e aqui temos, à guisa de Ovídio ( 43 a. C. – 17 d. C. ), uma «Arte Amatória» e por isso a Vitória. Afiança, por isso, o Poeta: «Raparigas são arcas movediças como favos de mel.» Escrutemos, portanto, a escritura, o esquadrinhar e a escola de Grade – pois como para os Avitos, nos ela convoca para o descanso, o divertir, e o liberal do tempo livre. Grade é, literalmente, o pedagogo, ele conduz, o crianço, para a quimera-Academia. Não diz ele, veramente, que «A Minha Pátria é o Sábado» ( 1989 ) ??? Na melhor tradição dos Greco-Latinos, o jogo da escola é contra o jugo da norma. Quero eu dizer: contra a Razão, se alteia ou alevanta o mundo da paixão; contra a clara luz de Apolo se adianta o deus Baco, as invisíveis, indizíveis, constelações. E se aluado, por isso, é de aluamento, é de noute, diz Grade, é de noite que ele faz as suas alquimias, e por isso vemos nós a Vénus Libitina. Ou digamos, na pletora: «Pensamento Selvagem» ( 1962 ) para Claude Lévi-Strauss ( 1908 – 2009 ), a Poesia gradiana é o divisar, revisitar a fantasia da infância, é o elemento, e alimento, mágico-simbólico. E sendo, a criança, o «perverso polimorfo», Fernando Grade, de feito, se nutre das imagens, dos tropos, da alegria fantástica das alegorias. À República, por isso, ele fala em parábolas – e ele explana, aos alunos, o acroamático, em agro, e as almas palavras. Que ele é ginasta e saltimbanco? Ele tem, como já vimos, uma Alma de atleta, e mais do que mentir, ele é de heterodoxo, ele fala noutra coisa, ele inaugura, e augura, o discurso do Outro.
E Teatro do Ser ou Teatro de Acção? E Catarse freudiana, ou «Catharsis» Estagirita? Acima de tudo, na hombridade, o Teatro e o adro da espontaneidade. Sendo, a mesma Catarse, uma forma de liberar as paixões, vivendo-as, deveras, de forma imaginária. Que em Grade nós temos, então: Poesia como a purga, Poesia como a forma de evacuação. E vem, aqui mesmo, a talho de foice: em entrevista concedida à revista «Miúda», de 21 de Janeiro de 1986, assertava, destarte, o Poeta João Belo (Cebolais de Cima, 25/ 06/ 1959): «Para mim escrever, mais do que um prazer, é uma necessidade fisiológica.» Pois praticando o Psicodrama, de Jacob Levy Moreno ( 1889 – 1974 ), o seu, decerto, a seu dono: Fernando Grade foi pioneiro, e precursor, do ensino, em Portugal, da Escrita Criativa. Nas suas aulas, almadas, tudo era concebido pra dinamizar, portanto, ou imanizar – e nós diríamos, agora, fraternizar. Pois acatando e aceitando a lição de Victor Hugo (1802 – 1885 ), Fernando funda, as escolas, para fechar as prisões. E muita Paz e muito Bem: pra celebrar, viridente, a vitória de Abril (25 de Abril de 1974 ), Fernando funda, em 1976, o Movimento de Intervenção Cultural (MIC). Descendente, quiçá, do Movimento de Unidade Democrática ( MUD ), criado em Ulisseia, a 8 de Outubro de 1945??? É que eram deveras, as Edições Mic, o «human potential movement», um «método para o desenvolvimento do potencial humano». O ampliar e aumentar, o dilatar, dessarte, o campo cognoscente. O multiplicar, por isso mesmo, a personalidade, mas sem narcose, sem as drogas, nem produtos alcalóides. Pra efectivar a transcensão, é paládio, no Poeta, a Afrodite Anadiómena: se o amante, por isso, é como o amente, o deus Eros é loucura socialmente aceitável. É que o homem tomado por o lance cupidíneo ele é, quase sempre, o Fado e o furor, um Poeta enfeitiçado. E atinente, agora, à hipnose: a simular e assimilar, o Abade, da Poesia, ele é, desperto e experto, José Custódio de Faria ( 1756 – 1819 ), e aqui diremos sideral, e eis aqui o espelho da sideração. Que o Artista, de certo modo, é o que se pinta e maquilha diante do espelho – e daí, na Teoria, o templar, o especular, digamos, do Abel Sabaoth (Porto, 06/ 06/ 1936). Pois não enganam, dessarte, as etimologias, pois, na Poesia de Grade, se alia, o espéculo, ao espectacular. Que o teatro, para o Estagirita, purifica as paixões: aquilo que era informe e sem sentido ao nível do indivíduo, aquilo que era caos, torna-se, através do teatro, em valor e vigor. Fora disso, o inconsciente, na vida vígil, é aquilo que está, sempre e sempre, fora de cena, mas Grade traz, o interdito, para as luzes da ribalta. Com justiça e com justeza ele é, sem jaça, um «anarquista mental». Que as imagens, desse modo, são magias. Que o Eu impele, e empurra o Não-Eu, através da faculdade imaginativa – e o mundo é para Grade a re-apresentação: e eis o ponto de partida do idealizar. Para Antônio Quinet (Rio de Janeiro, 1951 ), analista, fluminense, de água primeira, os pensamentos são as cousas, «o inconsciente é estruturado como um teatro». Já tinha sido dito, antes dele, por Jacques Lacan ( 1901 – 1981 ): «O inconsciente é estruturado como uma linguagem.» Sendo, para Grade, uma pessoa a personagem no cenário do mundo. E se Baco, afinal, é o deus das Belas-Artes, o teatro heleno teve início em Atenas, na Grécia, cerca de 550 a. C., e surdiu a partir das festas dionisíacas. E eram, deveras, os chamados ditirambos. Alteamos, por isso mesmo, Jacob Levy Moreno (1889 – 1974 ), ele abriu, para a psiquiatria, as portas da alegria. Perante mil espectadores, no «Komodienhaus», de Viena, seu primeiro Psicodrama teve a voz, e a vez, a 1 de Abril de 1921, e Grade foi nado, exactamente, 22 anos mais tarde, a 1 de Abril de 1943. E ora vamos, agora mesmo, agora vamos às palavrinhas. Os Romanos consagravam, o mês de Abril, à deusa Vénus venusta. Aduzem e dizem, certos estudiosos, que «Abril» deriva de «Aprus», o nome etrusco para a deusa Afrodite. Se a deusa Páfia nasceu da espuma do mar, essa espuma, ou esse esperma, tem o nome, em grego, de «aphrós» ou «aphril», que é similar ao termo «Abril». E «Abril» é proveniente do latim «aprilis, aprilem» que se relaciona, veramente, com o verbo «aperire», «abrir»: e é o mês em que se abrem as pétalas das flores. Carlos Magno chamava, a Abril, o mês da Páscoa – e o 25 de Abril foi, de feito, a Páscoa Florida do nosso Portugal. Seja como for, o Carneiro zodiacal é um signo de Palingénese, ele é a passagem do Inverno para a Primavera, do frio para o calor, e das trevas para a Luz. E a morte de Cristo, na Cruz, realiza o sacrifício do Cordeiro pascal, Ele é, simbolicamente, o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. E prossigamos, na faina: em 1 de Abril de 1929 foi nado, nitentemente, em Brno, na Checoslováquia, Milan Kundera, Escritor famoso, em todo o mundo, por «A Insustentável Leveza do Ser» ( 1984 ). Foi Autor de novelas e de contos, dramaturgo, ensaísta, e Poeta, deveras. Filho de um notável artista, pianista e musicólogo, estudou música dedicando-se, depós, à faina da escrita. Ele filia-se, em 1948, no Partido Comunista da Checoslováquia, dele sendo expulso, em 1950, por «supostas actividades contra o partido». Em 1956, sendo, novamente, aceite no «parti», dele é rechaçado, definitivamente, em 1970. Além de expulso, o regime comunista proibiu seus livros e espiou-o depós a Primavera de Praga. Com Vera Hrabankova, sua mulher, instala-se, em 1975, em França, perdendo a nacionalidade em 1979, que lhe será restituída no ano 2019, oito lustros depois. E naturalizando-se, gaulês, em 1981. E escrevendo, sempre e sempre, na língua franca ou francesa. E foi só em 2006 que «A Insustentável Leveza do Ser» foi dada a lume, por a prima, prima volta, em «Logos» e a língua checoslovaca. E apuremos, acuremos, de feito, a evocação: em entrevista concedida em 1980, assim asserta, decerto, o nosso romancista: «O totalitarismo russo esmagou a cultura». Mas o Génio tudo doma, e domina a nossa mente: ele recebe, em 2007, o Prémio Nacional de Literatura Checa, e, a 21 de Setembro do ano 2020, o Prémio Franz Kafka. E chegado alfim ao fim da pugna e da peleja, ele desencarna, na cidade parisina, a 11 de Julho de 2023. Da sua lavra, leve e livre, são, ainda, de salientar: «A Brincadeira», de 1967 e, ademais, «O Livro do Riso e do Esquecimento», de 1979. E prossigamos, agora, na proficiência: a 1 de Abril de 1964 nasceu, para o deus Thoth, nasceu na Beira, em Moçambique, José Rodrigues dos Santos. José António Afonso Rodrigues dos Santos, de seu nome completo, é um Ensaísta, Jornalista e Romancista, Professor universitário e Correspondente de Guerra. Da sua Obra copiosa, e valorosa, escolhemos três ficções: «A Fórmula de Deus» (2006), «O Último Segredo» ( 2011 ) e, ainda, «Vaticanum» (2016). À data em que eu escrevo estas linhas, o seu último romance ele é, deveras, «O Segredo de Espinosa» ( 2023 ). Mas é que há mais, ainda mais: Armando Gama, nado em Luanda a 1 de Abril de 1954, foi um músico, cantor e compositor lusitano. Frol e fruto de um projecto com Manuel Cardoso, formou os «Tantra», em 1976. Em 1978 ele cria, juntamente com Kris Kopke, o dueto «Sarabanda» – e ele ganha, em 1980, o Festival RTP da Canção, com a balada «Made in Portugal». E em 1983, foi Apolo o apogeu: ele vence, deveras, o XX Festival RTP da Canção, com a histórica «Esta Balada que te dou». Editada em 17 países da Europa, alcançou os «tops» na Bélgica, e venderam-se, em Portugal, 80. 000 cópias. O jogral e menestrel faleceu em Lisboa, com um cancro no pâncreas, e foi o dia, triste para as Musas, 17 de Janeiro de 2022. Quanto a Abraham Maslow, de seu nome completo Abraham Harold Maslow, ele foi nado em Brooklyn, Nova Iorque, em 1 de Abril de 1908, e faleceu, de feito, em Menlo Park, a 8 de Junho de 1970; ele foi o proponente, curial, da Psicologia Transpessoal. Acatando e aceitando Autores como Carl Rogers (1902 – 1987 ), Jung ( 1875 – 1961 ) e Viktor Frankl (1905 – 1997), Maslow, como Psicólogo humanista, escrutava e esquadrinhava, não só a espiritualidade, como, também, os estados alterados de consciência. Partilhemos, com o legente, um comento, ou pensamento, do mirífico Moreno: «O homem é um Actor de Deus no palco do Universo». E portanto nós mentemos. E por isso perguntamos: Fernando Grade, o Autor de «Sonetos com Demo» (1995)? Fernando Grade, acima de tudo, o Democrata, Fernando Grade o Autor de Sonetos com «dêmos». Não obstante, ele vem nas sequelas de Carlos Fradique Mendes, eis um Poeta maldito formado, ou forjado, por Eça de Queiroz ( 1845 – 1900 ), Antero de Quental (1842 – 1891 ) e Jaime Batalha Reis ( 1847 – 1935 ). Quanto ao mais, nós cremos que Grade tem Deus no coração, mas ele tem, deveras, o diabo no corpo, e por isso, na verve, ele é virtuoso, e por isso ele triunfa em todalas Artes. E historiando, a talho de foice, as ideias marxistas, a 19 de Janeiro de 1843 o governo prussiano decreta a extinção da «Gazeta Renana», e isto a partir de 1 de Abril desse ano forte e firme. Sendo, a mesma «Gazeta», um jornal, generoso, em que Marx ( 1818 – 1883 ) laborou. E dele sendo, a partir de 15 de Outubro de 1842, o avisado, e atilado, Chefe de Redacção. A mesma «Gazeta» que fora fundada, a 1 de Janeiro de 1842, por o publicista Moses Hess ( 1812 – 1875 ). E a Magia dos números ela é curiosa, ela é precisa e preciosa: a 1 de Abril de 1905 é nado, em Grenoble, o pensador, o filósofo, Emmanuel Mounier ( 1905 – 1950 ). Foi ele o Autor, em 1935, da «Revolução Personalista e Comunitária». E escreveu ainda, outrossim: «Manifesto ao Serviço do Personalismo» (1936), «Tratado do Carácter» (1946), e, alfim, «O Personalismo» ( 1950 ). Sendo o termo «personalismo» primeiro formado, ou forjado, por Charles Renouvier (1815 – 1903). Ele concorda, cabalmente, com Charles Péguy (1873 – 1914 ): «A revolução será moral, ou não será revolução». Fundador, e promotor, da revista «Esprit» ( seu primeiro número vai para as bancas a 1 de Outubro de 1932 ), Mounier está na raiz, ou na matriz, da Democracia Cristã. Quer dizer: fazendo, da humana pessoa, um valor absoluto, nos ensina, na signa, Mounier: a crise actual não é somente económica, ela é, sobremodo, uma crise de valores: e mudando-se os homens, curam-se, também, as comunidades. Para serem curiais, e universalistas, os Cristãos devem colaborar, cautamente, com os não crentes. Em nome pois do Cristo, e dum Cristo crucificado por o nazismo e o fascismo, a nova sociedade, ela tem em atenção, não só a justiça, mas, também, a misericórdia. Em Portugal, «verbi gratia», insurgindo-se contra Salazar, e o Estado Novo, Francisco Rolão Preto ( 1893 – 1977 ) faria, como suas, a liça e a lida do nosso Mounier, e o consigna, e o confirma, no livro «Justiça!», de 1936. Que o pensamento de Mounier foi influenciado por o Existencialismo ( Barth, Marcel e Berdiaeff ), e, também, por a Ética dos Valores ( Max Scheler ). E agora, quanto aos números, nós temos Karl Barth ( 1886 – 1968 ), Gabriel Marcel ( 1889 – 1973 ), Nicolas Berdiaeff ( 1874 – 1948 ) e Max Scheler (1874 – 1928). Max Scheler que foi, no dizer do altíssimo Ortega y Gasset ( 1883 – 1955 ), «o primeiro homem do paraíso filosófico». E ora vamos ovante avante: em Portugal, alguns dos princípios orientadores do Centro Democrático Social ( CDS ), são, claramente, de feição personalista. E por isso, novamente, o nosso arrazoar, de novo entremos, dessarte, na extática História. E teremos, qual cicerone, a Blavatsky (1831 – 1891 ), ela explica, para o aluno, o que é o «daimon»: «Nas obras herméticas originais e nos clássicos antigos, esta palavra tem um significado idêntico ao de «deus», «anjo» ou «génio». O «daimon» de Sócrates é a parte incorruptível do homem, ou melhor, o verdadeiro homem interno, que nós chamamos de «Nous» ( Alma racional ), ou seja, o Ego racional divino. Seja como for, o «daimon» do grande sábio não era certamente o demónio do inferno cristão ou da teologia ortodoxa cristã.» Por isso o «daimon paredros», o «demónio assessor» da socrática doutrina; ele é a voz da consciência, é o paládio pessoal que orienta e conduz. Ou de acordo, agora, com Pierre Riffard (Toulouse, 20/ 01/ 1946 ), o «daimon» é para o Hesíodo ( séc. VIII a. C. ) um «ser intermédio entre os deuses e os homens» – e lêem-se, a esta luz, e vibram, nesta Lira, os Numes e os nomes de Baudelaire ( 1821 – 1867 ), Fernando Grade e Antero de Quental ( 1842 – 1891 ). Tal qual o Gomes Leal ( 1848 – 1921 ), o Guerra Junqueiro (1850 – 1923 ), o estro, «verbi gratia», do Guilherme de Azevedo (1839 – 1882 ). Todos eles agraciados, todos eles assinalados, e assistidos por Génios.
É que é mesmo, o «daimon», a divindade tutelar ou espírito-guia. É fonte de inspiração e criatividade, é a voz interior que nos deveras ilumina. E «eudaimonia» ou «felicidade», para o Estagirita, é viver em harmonia com o nosso «daimon». Quero eu dizer: seguindo e segundo a nossa consciência. E quanto à estética, agora: quanto mais subjectivo, então, tanto mais universal: da particular beleza eleva-se, o aedo, à Ideia Platónica, à Beleza geral. E prossigamos, deste modo: que o Grade, segundo dizem, é signa e o sinal da contracultura? Nós diríamos, em vez disso, que é dele, no conto, a cultura de encontros – e por isso uma «alêtheia», uma alofilia do re-apresentar. Que o pensar alternativo, na escrita, ele o faculta, facilita e habilita. Citemos, por isso, Martin Heidegger (1889 – 1976), agora: ser livre, para Fernando, é «abandonar-se à revelação do ente como tal»; o Grade, dessarte, não é o dono do ente, ele é Pastor do próprio Ser. Sua temporalidade, por isso mesmo, é qual incendiário, o originário «fora de si», o didáctico, em fazer, a ex-centricidade do Ser: e é isso o que significa, em Plotino ( 205 – 270 ), isso é o que significa o «ekstático» êxtase. Não falamos, por isso mesmo, de paranóia, nós falamos, em vez disso, do Verbo-«metanóia». Melhor dizendo: a doutrina, dessarte, a Disciplina do Arcano. Um pouco mais longe e nós veríamos, em Fernando, a mania humanitária, o preste Xamanista. O homem do charme, dessarte, é o homem do carme, – e da feeria, fantasia, do Fado enfeitiçado. E é o fetiche, o fantoche e por isso o feitiço. E nós queremos assertar: a linguagem dos pássaros, a gíria gradiana, é qual emblema e o lema do companheirismo: e por isso, para o Padre Manuel Bernardes (1644 – 1710 ), do companheiro é o pão partido em pequeninos – e por isso, bem preste, a «imago», e desse modo o magismo e a Magia vermelha. Melhor falando: a pedra de Heracleia. Pois o prândio, desse modo, é providencial. Pois na adiafa, e com «adresse», o simpósio, vitualha, é o que existe pra ser doado. E eis, aqui, a ceia do Senhor, eis, aqui, uma preste comunhão. E digamos, agora, à distância: no verso universal do comunitarismo, era o edule, era a vianda, era a feraz Fracção do Pão: do edível para o manjar, do educar para o manducar vai um passo muito curto. E era o simpósio dos Gregos, o cenáculo, selecto, de Victor Hugo ( 1802 – 1885 ), de Nerval ( 1808 – 1855 ) e de Eça de Queiroz ( 1845 – 1900 ). É que, seguindo e segundo a doutrina de Freud (1856 – 1939 ), em Grade nós temos, tempestivo, o canibal da fase oral – e um dos mais belos poemas da Literatura Portuguesa ele é, sem jaça, «Uma Rapariga na Gronelândia ou Jantarei o Teu Corpo Sobre o Gelo». Pois à guisa, caroal, de António Maria Lisboa (1928 – 1953), não busca Grade o séquito, ele demanda, apenas, calor e companhia. E parafraseando, dessarte, o José Marinho ( 1904 – 1975 ), nós perguntamos, solerte: Poesia, ensino ou iniciação? E Poesia, operacional, ou estado de Graça? E é óbvio que a Poesia, a grande Poesia, é só de Iniciados. Pois reza, desta sorte, o prolóquio latino, que traduzimos para o vernáculo: «Os Poetas nascem, os oradores fazem-se.» Pois sendo o Poeta, no dizer de Estaline (1879 – 1953), um «engenheiro das almas», esse engenho é aquilo que se insufla, se herda, e que nasce com a Natura. Me seja permitido, em historicismo, um luzimento, ou elemento, autobiográfico, «qualquer coisa», diz o Vate, «como lúcido Lúcifer»: no meu «Liceu Aristotélico», que laborava, aprilino, em Restaurante Sul-América, a Poesia de Grade era vista com agrado, e liberava, o Autor de «Sangria» (1962 ), no mesmo sentido que Agostinho Maldonado – e, no mundo das palavras, estes os factos e estes os feitos, e nós loemos, com efeito: não são estas as letras da «littératerre»?
Pois depós a tertúlia de Agostinho, o Doutor, os livros de Grade eles foram, para nós, os «Estudos Gerais». «Estudos Gerais» um livro publicado, em 1961, por o alor, e a alvorada, do Álvaro Ribeiro ( 1905 – 1981 ). Pois tanto em Maldonado, como em Fernando, actuava, em profecia, o princípio primeiro da Logoterapia. Quero eu dizer, a universalidade, ou civilidade, das letras humanas. Para os Latinos isso era a «cultura litteras», a «cultura amicitiam»: não ensina, desse modo, o Abel Sabaoth ( Porto, 06/ 06/ 1936 ), o Latim para a juventa? O comento velho e relho é a pura verdade: postado à porta, bem preste, da Casa do Ser, o material do Poeta são as mitologias. O digamos, agora, ao mundo culto: era então Primavera, e a Poesia de Grade ela era, pra mim, o pasmo e assombro, e estupenda e estupor como o estupefaciente. E é tudo uma questão de palavras, de sons, de números e de cores. Como se foram, deveras, as tintas ou cores, é que trata, o grande Grade, as Camenas, dessarte, e as meninas palavras, as minhas, ladinas e meninas palavras. Em termos, aqui, de alta cultura, as cousas belas, duráveis e grandes, só se fazem, no plectro, com muita paixão; em termos estéticos, é a paixão que enfuna, de feito, as velas do navio. Num dia soalheiro, na velha e vetusta Avenida de Roma, o grande Grade citou-me Cícero (106 – 43 a. C. ): «Cultiva-te, a fundo, seguindo e segundo a «humanitas» do homem»; e por isso alteamos a «philantropia», aquilo pelo qual o homem se torna, veramente, um homem veraz, o Filadelfo, afinal, da Filosofia, ou falando, agora, em Grego, a Paideia solerte e por isso a Selene. Isto, pra asseverar: gozam, em Grade, de grande favor, as «letras humanas» ou «humanitates»… Que o homem vem do humo, quero eu dizer, do humilde humanitário – e é da terra, ou do húmus, a força das raízes: relevemos, por isso, e alcemos, a radicalidade das alegorias. Ou melhor: quanto mais se alteia a árvore para o firme Firmamento, mais se agarram, as raízes, ao inferno e às furnas, pois é forte, nós digamos, pois é forte e é fértil a faia de alforge. Ciências do espírito, ciências do histórico, ciências, no carme, sociais e humanas – e eis a Obra, urbana, do Escritor Fernando Grade. E, se ele é urbe e é civil, ele é de Ibéria e é vital, em Grade é fulcral, na lida, a Filosofia de Vida.
Pois revertendo, agora, à «Sangria» ( 1962 ), é dela, na acracia, o «ludus», interlúdio, da Ludoterapia. Que a raiz de «ludere» significa «estar solto, livre», perder, dessarte, o autocontrole, gesticular e dançar freneticamente, e deixar-se arrastar pela força da mania – e já falamos, agora, do Teatro de Acção. Designa «ludus», veridicamente, o «jogo, divertimento, passatempo», ele é sinónimo, para os Antigos, da «schola» e do escol, e apanágio, por isso mesmo, do jogral e do «Joker». É o «otium», por isso mesmo, oposto ao «negotium». E seguindo e segundo o caroável Aquinate ( 1225 – 1274 ), o jogo é um bem que se basta a si mesmo, concorrendo para o bem de quem o pratica. Sendo o «ludus» uma actividade livre e gratuita, de um lado o jogador – do outro lado, como antónimo, o funcionário e autómato unidimensional – e é o que se infere do poema «Escritório». E sendo, pois, a contemplação, para o estrénuo Estagirita (384 – 322 a. C.), qual o jogo superior do espírito humano. E por isso digamos ora: o motejar, no mote, o chiste e a facécia que eram, de feito, do Elmano Sadino ( 1765 – 1805 ), são, também, do feraz Fernando Grade. Ora averbemos, outrossim, o estro e as Musas de Nicolau Tolentino (1740 – 1811 ) e Alexandre O’Neill ( 1924 – 1986 ). E eis aqui mesmo a reformulação, lusitana, duma Ítala, destarte, «Commedia dell’Arte». Escrevendo, então, a partir do próprio sangue, o Grade apela, afinal, ao «puer aeternus», à eterna criança que existe no homem; no psicodrama selvagem que é a leiva do Grade, «para além das palavras, o acto» – e assim o concebeu Jacob Levy Moreno (1889 – 1974 ). Ou melhor: se organicista é o drama psicomusical, alevantemos, avante, e vamos, agora, cantar de pé – e aventemos que o «acting», ele é também o «happening», e averbemos que o «ludus», ele é também o «Mythos». Quero eu dizer: ao público e ao povo republicano, o Grade impõe, na pantomima, o seu Mito particular – e por isso, na «mimesis», tudo é possível, e por isso a mentira se torna em verdade. Dos recitais de Grade nós diremos, com justiça, o que disse o Estagirita dos Mistérios de Elêusis: muito mais do que irmos lá para aprender («mathein» ), nós vamos lá para receber uma impressão espiritual («pathein» ): e por isso o patético, paciente, e o premente apaixonado. Ciente, como Calderón ( 1600 – 1681 ), de que a vida é um sonho, o carácter se desvenda através dos caracteres: e o Grade é teatral, o Grade lê no papel e ele faz um papelão – e, em lugar da Igreja, nós hemos Egregório, nós temos, no «agon», o protagonista. E, se em Kabbalah fonética, o irónico é onírico, o sonho é a realização mascarada, ou simulada, de um desejo recalcado. O sonho é, como em Freud, a via régia para a exploração, e floração, do nosso inconsciente. E trazemos, aqui, à colação: foi um Psicólogo alemão, Gustav Theodor Fechner ( 1801 – 1887 ), foi ele, e não Freud ( 1856 – 1939 ), o Autor, e promotor, da metáfora seguinte: a Psique humana é qual um icebergue, do qual um oitavo, a consciência, está visível, sendo sete oitavos, o inconsciente, bem escondidos e ocultos. E revertendo, na trama, e seguindo e segundo Orlando Neves (1935 – 2005), «‘Agon’ é, pois, o resultado de um «águein», isto é, «reunião, assembleia» como já está na «Ilíada», a respeito da «assembleia dos deuses» e depois reunião para celebrar os jogos e, por extensão, ‘as disputas, os jogos.’» E na Ágora, afinal, digamos, agora: derivado de «agon» é o termo «agonia», que significa, originalmente, «a luta, o exercício» – e quem assistiu, no século XX, aos gradianos recitais, ele só pode, dessarte, inferir e concluir: Fernando Grade, o psiconauta; Fernando Grade, por isso mesmo, com alma de ginasta, um Professo e Professor no ginásio da Poesia. Fernando Grade, afinal, um franco-atirador. Um pouco mais longe e assertaríamos, alfim: trata-se, aqui, da «Daseinsanalysis», do psicodrama da existência ou existencial. Tal como foi forjado, ou foi formado, por Ludwig Binswanger, Psiquiatra suíço ( 1881 – 1966 ). Quero eu dizer: praticando, decerto, a análise existencial, Binswanger aplicava, Martin Heidegger (1889 – 1976 ), ao estudo psicopatológico de seus dolentes e doentes. Mas a par do «Dasein», insiste, deste modo, o «Mitsein», o «ser-com», o «comunismo», dessarte, e companheirismo. Pessoalmente, penso o seguinte: eu não sou, propriamente, uma pessoa mundana, mas o mundo é deveras meu campo de acção. Que em Zurique, de feito, Binswanger foi aluno, e depois assistente, de Eugen Bleuler ( 1857 – 1939 ), no Hospital do Burgholzli, onde conheceu, decerto, Carl Gustav Jung ( 1875 – 1961 ), que acompanha a Viena, em 1907, pra se encontrar, figadal, com Sigmund Freud ( 1856 – 1939 ), uma figura-fulgor. Sendo, por isso, a Filosofia, pra Karl Jaspers ( 1883 – 1969 ), Binswanger e Gabriel Marcel ( 1889 – 1973), o esclarecimento racional da existência humana. Psiquiatra antes de ser Filósofo, em 1913 Karl Jaspers deu a lume, em dous volumes, «Psicopatologia Geral», um clássico e um marco da Psicologia. Binswanger efectiva, de feito, a fenomenologia, e para ele existir é pois «Dasein», é estar no mundo com os outros. Conciliando, deste modo, a Psiquiatria, com uma visão mais funda do viver e conviver. E postulando, mui longe e mui longe do anonimato, o único e seu drama, a unicidade, lilial, da pessoa humana. Por a mão de Binswanger, o fruto do encontro entre Freud, Husserl e Heidegger se consubstanciou, em 1930, em «Sonho e Existência». Uma das figuras-chave da terapia existencial, ou existencialista, ela é, deveras, Viktor Frankl ( 1905 – 1997 ); a palavra «Logoterapia» foi por ele usada, por a prima, prima vez, em 1926. Em 1939, foi ele quem cunhou, de feito, a expressão «Análise Existencial». Seguindo e segundo o nosso esculápio, presente e patente, no nosso Inconsciente, está, deveras, um Deus, e é Ele que afigura, é Ele que estrutura «Um Sentido para a Vida» (1946 ). Sendo, a mesma Logoterapia, uma terapia que fala do espiritual. Depois de Freud ( 1856 – 1939 ) e de Adler ( 1870 – 1937 ), é ela, de facto, a terceira escola vienense de Psiquiatria. Ela se alenta, e concentra, não nas pulsões, mas sim no inconsciente espiritual. Mencionemos «O Deus Inconsciente», de 1948, e eis, aqui, sua tese de doutoramento em Filosofia. Sendo, para o filósofo, a neurose, o recalcamento e a recusa da espiritualidade. Ou melhor: se enquadra, a Logoterapia, numa psicoterapêutica existencial. Pois sendo a Psicologia qual humana ciência, ela é, de feito, «ek-sistencial», ela é fusão, e valimento, entre sujeito e objecto do conhecimento. Morrendo, o Pai de Viktor, de exaustão, em Theresienstadt, em 1942, poucos anos depós a sua esposa, o irmão e a Mãe seriam, brutalmente, assassinados em Auschwitz. E foi por isso mesmo que, em 1946, em 9 dias, em transe perfeito, e estupendo estupor, ele escreve, esplendidamente, «O Homem em Busca de Sentido». De notar que fez o Frankl, como o Bruno Bettelheim ( 1903 – 1990 ), a experiência, tormentosa, dos campos de concentração, e como diz o nosso povo, à hora mais escura segue-se a alvorada. Como estamos aqui longe, e ledamente longe, de Charles Binet-Sanglé ( 1868 – 1941 ), que propalou e publicou, em quatro volumes, «La Folie de Jésus»!!! Ora «indivíduo», para Alfred Adler ( 1870 – 1937 ), é aquilo, ou aquele, que não se pode dividir. E como Marx (1818 – 1883) o assertou, o que vemos nós ora, na História moderna, é o preste alienar, a instrumentalização da pessoa humana. E ora muito e muito bem. E alembremos que André Breton ( 1896 – 1966 ), o fundador do Surrealismo, ele fez, na Sorbonne, estudos de Medicina, de 1913 a 1920. O que ele considerou, depois, um mal menor. Em seu Manifesto de 1924, Breton define, o Surrealismo, como «automatismo psíquico puro». Ora «Automatismo Psicológico», em 1889, fora, na Sorbonne, a tese de doutoramento em Filosofia de Pierre Janet ( 1859 – 1947 ), o robusto parisino. Janet que fora, na juventa, discípulo de Charcot ( 1825 – 1893 ). Respeitante e atinente, esse automatismo, aos actos que se implementam e nascem sem o controle da vontade, dentro da consciência mas digamos à margem dela. Sendo, o automatismo psíquico de Janet, bastante próximo da noção de escrita automática, criada, crucialmente, por William James ( 1842 – 1910 ). Quanto a Breton, sabemos que ele escrutou, ele esquadrinhou, além de Freud e Janet, vários clássicos da Psiquiatria, como sejam Emil Kraepelin (1856 – 1926 ), Gilbert Ballet ( 1853 – 1916 ) e Jean-Martin Charcot (1825 – 1893 ). E não fiquem olvidados, no lance, os doutores Emmanuel Régis (1855 -1918) e Valentin Magnan ( 1835 – 1916 ). Emil Kraepelin o fautor e Autor, em 1893, da «Dementia Praecox»; o termo «esquizofrenia» só surdiria, dessarte, numa palestra em Berlim, na Associação Psiquiátrica Alemã, em 24 de Abril de 1908, e foi Eugen Bleuler o seu criador. E se arquive, no arquétipo, o seguinte: foi Eugen Bleuler, em 1912, quem cunhou, caroal, o termo «autismo». Carl Gustav Jung, lautamente, também entra, bem culto, em conciliábulo, e ele dá a lume, em 1907, «A Psicologia da Demência Precoce». Em Psiquiatria dinâmica, tudo se passa como se fora a esquizofrenia, para o século XX, o mesmo que fora, a histórica histeria, para o século XIX. Mas o que Freud considera, na histeria, o sintomático, ele passa, em Jung, para o domínio do simbólico. E aqui versamos um livro, e uma lavra, revolucionária: datada de 1912, ela é de Carl Gustav Jung e ela chama-se, na flama, «Metamorfoses e Símbolos da Libido». Foi este «liber» que provocou a cisão, ou divisão, entre Jung e Sigmund Freud. Revertendo a Breton, em 1916, ele exerce, em Nantes, como assistente hospitalar. Sendo mais tarde estudante, em perfeito estupor, do Centro Psiquiátrico de Saint-Dizier, a leste, digamos, de «la Ville Lumière». De Janeiro a Setembro de 1917 ele laborou, como assistente, no Centro Neurológico do Hospital de la Pitiè, em Paris, como assistente, directo e recto, de Joseph Babinski ( 1857 – 1932 ), Babinski que seguira, em a lendária Salpêtrière, as lições de Charcot ( 1825 – 1893 ). Tal como Freud o fez, em 1885 / 1886, durante 4 meses, de 20 de Outubro de 1885 a 28 de Fevereiro de 1886. E foi com Charcot que tudo começou. Ou tudo começou, em vez disso, com o Marquês de Puységur ( 1751 – 1825 )??? Depós o passamento do «Napoleão das neuroses» (16 de Agosto de 1893), Babinski cunhou, para a histeria, o termo «pitiatismo», que significa: «doença curável através da sugestão». Quanto à «psicoterapia», os dous grandes luminares da escola de Nancy, os doutores Hippolyte Bernheim ( 1840 – 1919 ) e Ambroise-Auguste Liébeault ( 1823 – 1904 ), defendiam a tese de que era, a hipnose, um estado normal produzido pela sugestão. Sendo a mesma sugestão, para Bernheim, a «capacidade de transformar uma ideia em acto». E era o que advogava, efectivamente, o psicólogo e esperantista Émile Coué (1857 – 1926 ). E quanto, ainda, a Breton, nos começos da II Grande Guerra ele foi convocado, crucialmente, para o corpo médico do Exército francês; e emigrando, em 1941, para a nação estado-unidense, retorna, em 1946, para a cidade parisina, onde acaba por morrer, mavioso, em 28 de Setembro de 1966. É força, aqui, é força dizê-lo: em 1928, Louis Aragon (1897 – 1982) e André Breton celebraram, juntos, o cinquentenário da histeria, «a maior descoberta poética do fim do século XIX». No que alinham, os gauleses, com o estado-unidense: o inconsciente, para William James (1842 – 1910 ), fora a maior descoberta do século XIX. Sigmund Freud ( 1856 – 1939 ), aqui, é relevante e marcante. Porquanto ele asserta, em 1913, em «Totem e Tabu»: «Quase poderia dizer-se que uma histeria é uma obra de arte deformada.» E não tenhamos, agora, medo das palavras: falando, de facto, em Psico-análise, a histeria é dessarte o começo da História. E alembremos que a Psicanálise foi definida, e definida por a doente Bertha Pappenheim (1859 – 1936 ), como a perene «talking cure», uma cura, desse modo, através da Palavra. A análise é então a faxina da mente, uma moral, curial desinfecção seguindo e segundo o analista Janet. E o que é, afinal, a Psicoterapia, o que é «Psico-logia», entretanto, senão a «fala da Alma»??? «Se a tua dor te aflige, faz dela um poema»: e eis o que assertava, decerto, o Eça de Queiroz ( 1845 – 1900 ). Reminiscências, quiçá, do seu contacto com a loucura, escreve, André Breton, em 1928: «A beleza será convulsiva ou não será.» Mas revertendo ao Autor de «Saudade Sábia» (1979): atento, aqui, à Ontologia, o terapeuta que é Grade ele leva, dessarte, o paciente a criar, a co-laborar, activamente, com Deus, no projecto Criacionista; pois eis aqui o escopo, e essa, digamos, a escola de Agostinho. É que o homem foi criado, por Deus, para ser criador. O importante para Grade, como o foi, de feito, para Álvaro Ribeiro (1905 – 1981 ), não é conhecer a verdade, é sim criar, criacionista, essa mesma verdade. Seguindo e segundo o Agostinho da Silva ( Porto, freguesia do Bonfim, 13/ 02/ 1906 – Lisboa, São Francisco Xavier, 03/ 04/ 1994 ), o homem não nasceu para trabalhar, ele foi nado, isso sim, para criar. Ou para ser, diz o Filósofo, «Poeta à solta». Para Agostinho, afinal, é mais relevante a criação, dessarte, do que a procriação. E, como já vimos que acontecia na Poeto-Sophia de Jorge Telles de Menezes (Porto, 22/ 08/ 1951 – Lisboa, 27/ 08/ 2018 ), o Simpósio é da messe, e em cenáculo encena Grade as suas imagens. Em Minerva, por isso, ou em Palas Atena, o Poeta é paladino da Bondade, da Beleza e da Verdade; esse o seu escopo, a sua escala e didascália. Esse, em sua Lira, o ministério menestrel. Que é dele, pra citarmos Fernando Botto Semedo ( Lisboa, 18/ 06/ 1955 ), um «Carnaval de Espelhos» (1994 ), o aspeito e aparência do especulativo. Que é o estado e que é o estudo. Que é o espectro e expectativa. Se ele anela, e ele advoga, a «manteiga em vez de canhões», é fora, Fernando, é fora da poesia fácil e fútil, e por isso a sua oblata, e por isso o seu ofício é ser Fernando Grade. E clareando, abertamente, na clareira do Ser, ele insiste e «ex-siste» na especificidade, ou digamos: na ex-centricidade das letras humanas. Que a Poesia gradiana, a grande Poesia, ela é, sempre e sempre, o direito à diferença. E pra bem compreendermos a sua sonata, nós hemos de assistir ao bailado carnavalesco: ele é pois, como em Shelley (1792 – 1822), «A máscara da Anarquia» ( 1832 ), o Prometeu liberado por a poética mente. Pois eis aqui Liceu. Pois, citando João Belo (Cebolais de Cima, 25/ 06/ 1959 ), diremos, agora a sós: «Sou mais eu quando tu és a síntese de nós.»
Queluz, 02/ 08/ 2012, Tomar, 03/ 12/ 2023
SPES MESSIS IN SEMINE
PAULO JORGE BRITO E ABREU