Frei BENTO DOMINGUES, O.P.
- Este título faz parte do Evangelho deste Domingo[1], mediante a parábola sobre uma imprevisível pesca milagrosa, significando a arte de fazer discípulos para a evangelização sem limites de povos e suas culturas, vencendo as tendências exclusivistas, como se a salvação fosse uma reserva de privilegiados. O Cristianismo é, na sua raiz, universal.
As parábolas, que constituem a terça parte de todas as palavras de Jesus registadas nos Evangelhos, são uma linguagem paradoxal. Colhida em diferentes aspectos da vida corrente do mundo de Jesus, diz que a fé cristã deve fermentar todas as dimensões da existência humana.
Foi longo o caminho para se chegar à fórmula do Papa Francisco – todos, todos, todos – tentando eliminar exclusivismos e, por isso, assinou, com o Grão Imame de Al-Azhar Ahamad, em Abu Dhabi (2019), o Documento sobre a Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a convivência comum e publicou a Encíclica Fratelli tutti (2020), para trabalharmos por um mundo de irmãos. Isto é o desabrochar do chamado movimento ecuménico, cuja história não cabe nos limites desta crónica, mas teve de vencer a estreiteza da fórmula muito usada, fora da Igreja católica não há salvação.
Importa, por isso, não esquecer uma figura incontornável do movimento ecuménico, Yves Congar, O.P. (1904-1995), cujo percurso, entre 1937 e 1982, foi o grande pioneiro da teologia e da história do movimento ecuménico. De perseguido e exilado, passou, pela mão de João XXIII, a ser um dos principais teólogos do Concílio Vaticano II.
De 1947 a 1956, os escritos polémicos de Congar foram censurados pelo Vaticano. Um dos seus livros mais significativos, Vraie et fausse réforme dans l’Église (1950), e todas as suas traduções foram proibidas por Roma, em 1952. Y. Congar foi impedido de ensinar ou publicar depois de 1954, durante o pontificado do Papa Pio XII, após a publicação de um artigo em apoio ao movimento padres operários, em França. Muito tarde, pouco tempo antes de morrer, foi nomeado cardeal por João Paulo II[2]!
Em Portugal, o Padre Joaquim Alves Correia (1886-1951) foi uma figura rara do movimento ecuménico. O seu livro, A Largueza do Reino de Deus (1931), punha em causa a estreiteza do catolicismo.
Integrou o MUD, em 1945, e opôs-se a todas as formas de totalitarismos. A sua frontalidade desassombrada valeu-lhe, pouco depois da publicação do artigo, O Mal e a Caramunha, sobre a Noite Sangrenta de 1920, o exílio, nos EUA, e no exílio morreu[3].
- O grande acontecimento eclesial foi o Sínodo 2021-2024 preparado, em todas as suas fases, para mulheres e homens se envolverem em abrir caminhos que façam da Igreja uma responsabilidade activa de todos. A sua preparação e realização decomunhão, participação e missão foram exigentes, com muitos limites. Seria traí-lo, porém, pensar e agir como se fosse um processo terminado, quando de facto, tudo está por cumprir, embora já com alguns bons gestos e decisões inesperadas.
Já referi que o Cristianismo é, na sua raiz, universal. Esse universalismo, na Igreja Católica, está comprometido com a exclusão das mulheres para os ministérios ordenados. O Faz-te ao largo do Evangelho é esquecido quando se fala das mulheres.
O Papa Francisco insiste em alargar as tarefas de evangelização confiadas às mulheres. Significa que não está de acordo com a situação actual. O problema das mulheres não é, aliás, uma questão menor – trata-se da maioria específica da Igreja Católica.
Diz-se que o dossiê relacionado com o lugar das mulheres na Igreja continua aberto até ao final do próximo mês de Junho, aceitando contributos de pessoas, organismos e comunidades eclesiais. Esta data só pode ser uma ficção. Deve estar aberto enquanto as mulheres continuarem excluídas. Como diz o Documento Final do Sínodo, não se pode impedir o que vem do Espírito Santo.
Se já existem mulheres com funções de animação e liderança eclesial, ainda há terrenos em que é necessário alargar essas funções:
Dar um lugar apropriado a passagens relevantes da Escritura que atestam o papel de primeiro plano de muitas mulheres na história da salvação.
Prestar maior atenção à linguagem enviesada e às imagens utilizadas na pregação, no ensino, na catequese e na redacção dos documentos oficiais da Igreja. Por exemplo, no próprio Credo, homens e mulheres continuam a professar que Jesus desceu dos céus…por nós, homens, e para a nossa salvação.
Conceder mais espaço ao contributo de mulheres santas, teólogas e místicas.
Prosseguir o discernimento sobre a questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal, que a Assembleia sinodal e o Papa decidiram manter em aberto.
Em alguns meios, são as iniciativas de movimentos feministas que têm mantido e promovido o debate e a sensibilização para mudanças profundas na vida eclesial, ainda que outros quase reduzam as iniciativas à questão dos ministérios ordenados. A verdade é que o processo sinodal pôs em evidência que o problema é bem mais largo e mais profundo[4].
- Já há muito tempo que, por falta de padres ou bispos para celebrar a Eucaristia dominical, foram sobretudo as mulheres que presidiram e presidem à liturgia da Palavra. Neste momento, são os próprios padres que solicitam leigos, mulheres e homens, para preparar os candidatos aos sacramentos e acompanhá-los, depois da celebração, para continuarem a aprofundar o conhecimento e a prática do Evangelho.
São bastante restritas as determinações canónicas sobre a pregação dos leigos, sobretudo acerca da homilia que faz parte da celebração eucarística. No entanto, também diz: os fiéis leigos, em virtude do baptismo e da confirmação, são testemunhas da mensagem evangélica pela palavra e pelo exemplo da vida cristã; podem também ser chamados a cooperar com o Bispo e os presbíteros no exercício do ministério da palavra (Cân. 759).
A necessidade do crescimento dessas práticas vai exigir uma revisão das prescrições canónicas, no tocante aos leigos, mulheres e homens. As leis da Igreja devem servir para realizar a vontade de Cristo – faz-te ao largo. O Papa Francisco, seguindo esta vontade de Cristo, usa a bela expressão, Igreja de saída, Igreja das periferias. Aliás, os melhores momentos da longa história da Igreja são os que coincidiram com a sua actividade missionária a não confundir com proselitismo.
Foi também Bergoglio que, perante as reformas que se propunha empreender, encontrou-se muitas vezes com a expressão, sempre assim foi, como se as prescrições eclesiásticas fossem para salvaguardar uma indústria de conserva. Ora, nós encontramos, nos Evangelhos da inovação, da criatividade, a recusa dos fariseus em aderir a este novo movimento, em nome da Lei. A resposta de Jesus foi esta: disseram-vos, eu porém digo-vos. A Lei mata, o Espírito vivifica.
Público, 09 Fevereiro 2025
[1] Lc 5, 1-11. João Paulo II usou esta mesma expressão na sua Carta Apostólica, Novo Millenium Ineunte, publicada no encerramento do Ano Jubilar de 2 000.
[2] Ver, Cardinal Yves Congar 1904-1995, Cerf, 1999
[3] Cf. P. Francisco Lopes, Pe. Joaquim Alves Correia, Editora Rei dos Livros, 1996
[4] Cf. Manuel Pinto, 7Margens de 29.01.2025
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