Favas

MIGUEL BOIEIRO


– Não gosto de favas, prefiro ervilhas!

– Fazes mal rapaz! Comes uma sopa de ervilhas e logo que fores dar-de-corpo, sai-te uma caca rala sem graça nenhuma. Se, pelo contrário, comeres uma boa pratada de favas com azeite e coentros, quando fores obrar, vem um excremento direitinho e elegante que se mantém de pé e até parece um marco de partilhas.

Este “saboroso” diálogo, que retive nos entrefolhos da memória, entre um avô manhoso e um neto niquento, tem mais de 60 anos e foi proferido num português bem vernáculo que evitei reproduzir para não ferir suscetibilidades de leitores sensíveis. O burlesco episódio aconteceu em ambiente campestre numa altura em que as condições de vida se mostravam bem diferentes daquelas que hoje desfrutamos. As casas eram de paredes de adobe e chão de barro batido. Eletricidade não havia, nem água canalizada, nem esgotos, nem casas-de-banho, tampouco papel higiénico. As pessoas programavam o seu “dar-de-corpo” num sítio qualquer arredado das vistas, preferencialmente quando anoitecia. Os marcos de partilhas eram paralelepípedos de cimento ou calcário que dividiam as propriedades e fixavam as extremas. Por altura da Páscoa vinham as ervilhas e as favas e as ementas deixavam de ser, episodicamente, o chamado “fado-corrido”. Ambas as leguminosas chegavam na mesma época e não sendo antagónicas, havia que optar pela que se gostava mais. Alguns petizes preferiam as ervilhas cujo sabor era menos forte e ligeiramente adocicado. Coisas de outros tempos!

É incerta a origem das favas, embora a maior parte dos autores aponte para o médio oriente e para a bacia mediterrânica. Crê-se que já nos tempos pré-históricos elas eram apreciadas como legumes comestíveis preparados de várias formas. Quando ainda são tenrinhas podem-se cozinhar com as próprias vagens como o feijão-verde. Se estiverem secas colocam-se de molho para extrair o tegumento coriáceo que as envolve e proporcionam a chamada fava-rica, a qual noutras épocas, era apregoada e vendida à medida, porta-porta, pelas ruas de Lisboa.

A faveira, ou Vicia faba, da família das Fabaceae, é uma herbácea anual muito conhecida em todo o mundo. Realce-se a grande representatividade deste vegetal, escolhido pelos botânicos para designar o conjunto das leguminosas (feijão, grão-de-bico, ervilha, tremoço, chícharo, lentilha, etc.), cuja particularidade especial é a de captar azoto atmosférico e libertá-lo no solo através de nódulos das suas raízes.

Na minha pequena horta sempre semeio favas. Obedeço piamente ao adágio popular “nos Santos favas pelos cantos”, sugerindo que sementeira deve ser feita a partir do início de novembro. É que, para além da produção, a terra beneficia do chamado composto verde, uma vez que, pelo menos 20% do azoto fixado pelas raízes da leguminosa, fica a nitrificar o solo, favorecendo os outros cultivos.

Quanto à sua constituição física, não é demais referir que as faveiras são providas de caules fortes de secção quadrangular que podem atingir 1,80 metros de altura, com folhas alternadas verde acinzentadas compostas e paripinuladas. As flores, agrupadas de 5 a 8 com corola papilionácea, brancas ou cremes têm uma mancha escura nas pétalas. Embora hermafroditas e auto-férteis, libertam um odor característico que atrai os insetos polinizadores. As vagens são alongadas tendo na sua parte interna um revestimento branco esponjoso e feltrado para proteger as sementes. Cada fava pode pesar até dois gramas e o seu poder germinativo, ou dormência, dura quatro ou mais anos.

Há inúmeras variedades de Vicia faba mas quero fazer uma ligeira referência à variedade equina que, em Portugal chamamos fava-ratinha. As suas sementes são redondas e mais pequenas não excedendo 0,8 g de peso unitário. Tradicionalmente têm sido utilizadas na Europa para as rações animais. Todavia, hoje começa a ser fortemente estimulada a sua sementeira com destino ao consumo humano (“À la découverte de la Féverole” publicada pela Terres Oléo Pro – fileira francesa dos óleos e proteínas vegetais)

Principais constituintes das favas: hidratos de carbono (58%), proteína (26%), cálcio, potássio, fósforo, magnésio, caroteno, vitaminas B1, B2 e C.

Para além do sua função alimentar que pode substituir com vantagem a soja de produção transgénica, aponta-se algumas propriedades terapêuticas das favas, a saber: antioxidantes, digestivas, anti-inflamatórias, diuréticas, expectorantes, anti tumorais, prevenindo o envelhecimento precoce e fortalecendo o sistema imunitário.

A parte interna das vagens é usada para eliminar verrugas. Dizem que se forem esfregadas várias vezes, as verrugas acabam por desaparecer.

Menciona-se, não obstante, um inconveniente importante relacionado com pessoas alérgicas ao “favismo”. Tal alergia, proveniente de substâncias presentes nas flores das favas, pode desencadear desordens do metabolismo e provocar anemia.

Finalmente, mais um aviso! A fava constitui de facto uma excelente opção de sementeira pois não necessita de terreno muito estrumado e dá boa produção se beneficiar de sol e chuva primaveril. Contudo, se repetirmos o cultivo sempre na mesma parcela, acaba por despoletar o aparecimento de uma planta parasita (Orobanche crenata), conhecida como rabo-de-raposa, que paulatinamente esgota o solo.


Miguel Boieiro