Falo de plantas e de animais

ELISA SCARPA


“Cansado de todos
aqueles que chegam
com palavras, palavras,
mas sem linguagem,
dirijo-me para a ilha
coberta de neve.
A natureza não conhece palavras.
As páginas em branco
dispersam-se em todas
as direcções.
Encontro vestígios de
cascos de corça na neve.
Linguagem, mas sem
palavras.”

Tomas Tranströmer (trad. de Luís Costa)

 


As ovelhas pastam nos campos
De futebol.
Quanto mais campos de futebol
Mais ovelhas.

Da alvura da erva
Que de alva nada tem
Se respira
Um verde odorífero
Limpo e aberto
Como o ar
Sobre o mar.

É o instinto das ovelhas
Que renasce.

Sinto nas gengivas
E nos dentes
Essa ânsia de erva
O vento bate-a
Desenha-a
Ora para um lado
Ora para o outro
E a minha cabeça
Segue-a
Primeiro
Com os ouvidos
Depois com as patas
Depois com a boca
A boca aberta
A amarfanhar
Esta
Erva verde
Fresca
Depradação
Magnífica!

Não é por fome
Que como
Que ouço
Este verde
Retouçante
Que a piso
Com os cascos
Que liberto a seiva
Antes de a mastigar
É uma ânsia
Ânsia de evoluir
Nesta cor verde

Como a erva
Do jardim da vizinha
As couves os lírios
As batatas as acuçenas
E em plena luz do dia

Como a erva
No jardim
E a ovelha
Animal
Simples
Que sou
Rumina!

Rumino, falo,
Quero falar sem falar,
Falo de plantas e de animais.
Arranco para uma tontina:
Quantas patas tem um cavalinho?
Quatro patas e um pintainho,
Para não estar sozinho,
Quantos olhos tem um cavalão?
Todos e um cão
Quantos pêlos tem um cavalo?
Vem daí, vem cá, contá-los
Um cavalo te dei
Um cavalo te tirei.
Diz lá quantos cavalos achei?
Não sei, quantos cavalos achei,
Falo de outras coisas…
Do conforto das camélias.
Os meus orgãos
Estão tapados pelos músculos
E pela pele.
Não quero ser clara.
Bebo em excesso
Não sei falar
A antártida está triste
Desfaz-se em lágrimas
Os rios sofrem de
Insuficiência circulatória
Acordo com uma
Muralha de betão
À frente,
São corpos.
_ Dizem-me que é difícil pensar
Quando se está morto!

Não quero ser clara,
Tenho o conforto das camélias
Cor de veludo
Suaves cândidas belas
_ Por hábito de as cheirar
Cresceu-me o nariz!
Tenho orgãos fixos
Coração vermelho
Rins em forma de feijão
Dores que não se podem anestesiar.
Conforto de camélias cor de veludo
Voluptuosas macias nacaradas
_ Por hábito de as lamber
Cresceu-me a língua!

Uso uma língua áspera
Que não sabe inventar lugares
E é um grande depósito
De imagens.

Conforto de camélias
Cor de veludo
Turbulentas, doces ansiosas
_ Por hábito de as ouvir
Cresceu-me a loucura!
Trago ao pescoço os órgãos genitais
Não sei falar
O meu estômago é um sítio
Cheio de rumores!
Vistosas vernuculares velhas
Tenho o conforto das camélias.
_ Por hábito de as tocar
Crescem-me os dedos!

Armada de forquilhas
Abro sulcos na terra
adormeço no solo húmido
Conforto de ser planta.
Acordei, com uma imagem que não sei ler:
Uma esfomeada com uma T-shirt
Do Calvin Klein
_ A piedade chegou mesmo a tempo
De lhe tapar o esqueleto!
Não quero ser clara,
A brutalidade é absolutamente clara!
Um jasmim
Ateou fogo às pétalas
Depois de a polícia o expoliar
(foi em 2010… Dezembro).
Planto-me e deixo de olhar.
Os campos de açucenas
Foram bombardeados.
Debito na terra
Um silêncio mais do que imperfeito.
As raízes secas procuram
A água sem som.
Estão desnutridas
As begónias e os cravos.
Enquanto os olhos
Não me crescem,
Não sinto o tempo.
O espaço perdeu
A pertinência,
Às Persa Parrotia
Crescem as folhas.
Escapo ao escuro
Nesta miragem
De encontrar
Um poço onde
As begónias
Possam beber água
Não envenenada.
Crescem outra vez
E outra vez
Centenas de violetas
Foram vendidas
Para serem putas e noivas
Com fome e sem rosto.
Encontro-me as folhas
No fundo do poço.
As folhas e as raízes
Secas
Sepultadas no sal.
Atam-se entre si
Os cíclames
Para conseguirem
Resistir à força
Da água e do vento.
Quando o poço
For o céu
Irão florescer
Tornar a ouvir
As nuvens.
Dizem-me que as tílias não
Comem à 15 dias.
E de viver tão apertados
Os cravos negros estão,
como os lírios negros são!
As nuvens mexem-se
Por dentro dos ramos.
Substituo o crescimento
Pela ausência.
As casas das peónias
Foram pilhadas.
E enquanto as copas
Das árvores
Rolam sobre o solo
As estrelícias e as glicínias
São obrigadas a matar os parentes e amigos
As folhas e as raízes… no mar…
_ Mas as tílias estavam tão doentes,
De uma certa forma, foi melhor
Terem morrido afogadas!
A esfomeda da t-shirt Calvin Klein
Acabou de morrer
A Câmara não conseguiu filmar
_ A piedade chegou a tempo de lhe tapar
O cadáver!
O jasmim,
Que não
Embarcou,
Olha-me.
E a seguir
Dá um tiro
Nos cornos!


Sétimo Encontro Triplov na Quinta do Frade

Casa das Monjas do Lumiar . Lisboa . 17 de novembro de 2018