NICOLAU SAIÃO
Entrevista a Nicolau Saião
Por Manuel Beirão, Joaquim Simões e Luís Miguel Barreiros
Perguntas de Manuel Beirão
“Escrita e o seu contrário”, o título do seu livro mais recente. Porquê este título, Nicolau?
NS – Porque, e isto creio que se dá com todos os autores, por cada poema que se faz, que nos chega, há outros que não se fazem, que como disse numa frase feliz Jules Morot, são só pensamento. Que esboçamos ou se iniciam ao correr dos minutos, dos fragmentos de tempo em que nos fixamos, mas que deixamos e, com frequência, nunca mais se encontram.
Os que se escrevem são, de facto, só uma pequena parte do universo em que vivemos mergulhados.
Onde e como se posicionou o seu reconhecimento do surrealismo. E qual o grau de permanência dele, no mundo actual?
Foi decerto na minha segunda infância, na casa situada perto daquela que agora habito tantos anos depois. Tanto quanto me lembro tive sempre a noção de que as coisas tinham uma aparência peculiar, uma surrealidade ínsita se assim me exprimo. Nunca modifiquei nada nas minhas concepções, nunca adaptei o meu pensamento a algo que de repente me apareceu. Diria com chiste, ou com verdade: ou se nasce surrealista ou não. E parece-me que isto será comum a todos os que vivem desta forma, que tenho por encantada. Por isso é que sei, sei intimamente, que os que dizem por exemplo “Agora vou-lhe mostrar algo da minha fase surrealista” não são mais que equivocados ou burlões deliberados. (Há mais desta gente do que aquilo que se pensa… o país e o mundo por extenso está repleto de pseudo surrealistas, em geral operadores oportunistas e pantomineiros que pensam poder enganar – ou enganam mesmo!) os incautos que pululam numa nação que vive nos antípodas da verdadeira cultura, pois Portugal, ao contrário por exemplo da Inglaterra ou da França, está-se rentando para a escrita e a poesia, pois vive na simulação e na mentira cultural: essas são, neles, apenas uma espécie de servas da ideologia e da propaganda com que tentam colonizar-nos. Ressalvo as pessoas e operadores sérios, que se veem em geral defenestrados pelos gandulos e vivem entravados ou com as dificuldades que se sentem. Mas devemos ainda referir, sem nos deixarmos intimidar: em certos lugares o surrealismo dá para tudo – gente que se apresenta como adepta do mundo surreal e, em simultâneo, se enreda no ultra-comunismo ou na beatice fideísta-marianista mais expressa e carola, ou que se enrola com o islamismo extremista. Ou que cobrem o seu cinismo egoísta com a capa do abjeccionismo para se permitirem as vivencias mais nefandas em que enleiam as suas pessoínhas oportunistas e claramente sociais-fascistas e adeptas dos seus métodos proverbiais – a calúnia, a censura a quem não alinhe nas suas propensões totalitárias, a intriga suja ou mesmo a difamação canalha.
Liberdade e realidade. Dois conceitos que se ligam?
Sim, ligam-se intimamente, em corpo e em alma como se usa dizer. Veja-se, no caso da escrita – a que se deu o nome de Literatura – ou da pintura, os grandes autores, os autores nobres por excelência, desde os mestres do passado até aos contemporâneos (de Virgílio a Vítor Hugo, de Rembrandt a Masson, de Radovan Ivsic a Octavio Paz, de Cervantes a Bulgakov), que elas são irmãs mágicas, magnificentes. Hoje, os que não perderam a lucidez e a honra de viver, sabem que uma implica a outra e que quando uma falta a outra está em vias de também se perder.
Passado e presente. Como situá-los e distingui-los?
Começo por lembrar ou relembrar a frase de António Maria Lisboa, “Ao caminharmos para o futuro é o passado que conquistamos”. Desta formulação solta-se de imediato a noção mais clara de que ambos estão inextricavelmente ligados. Dito isto, importa referir que o nosso tempo, mediante operadores de mente aberta e sem preconceitos – o que as igrejas tentam mais uma vez e como sempre obscurecer e anular – tem colocado em equação muitas descobertas que não podemos deixar de levar em conta, pese aos que a soldo dessas mesmas entidades, ou por fideísmo burlão pessoal, procuram que não se investigue, em vista de poderem continuar a perpetrar a mentira e a simulação em que se configuram há séculos. Investigadores como Giorgio Tsoukalos, Erich von Daniken, Robert Charroux e Mauro Biglino, entre outros operadores sérios e intemeratos, não podem desconhecer-se por quem está frente aos tempos a vir, mais livres e mais dignos de tempos verdadeiramente reais (surreais). Sem “abjeccionistas” cuja ética andava pelas sargetas, a celebrarem a leitura de dois dos mais nefandos e repelentes periódicos do social-fascismo cunhalista e estalinista, os tristemente célebres “O Diário” (onde perorava o adepto Miguel Urbano Rodrigues) e o “Avante”, folha irmã da outra e dependente do sinistro e totalitário PC a que muitos “surrealistas” se orgulhavam de pertencer! O reacionarismo liberticida desta gente que com o mais reverente descaramento se disfarça com os cravos vermelhos com que tentam burlar os ingénuos e os idiotas úteis.
Perguntas de Joaquim Simões
O termo “surrealismo”, provém do “sur-réalisme” francês que, à letra, seria traduzível como “sobre- realismo”. Notemos, porém, que o termo procura definir, segundo André Breton, uma atitude perante a realidade que ultrapasse o espartilho deformador do conhecimento do estrito racionalismo. Daí o diálogo com Freud, sobre o que de ignorado ou escondido subjaz à razão e que nos leva, em simultâneo, para aquém e para além dela, numa busca pela totalidade do horizonte humano. Assim, não seria preferível falarmos em “superrealismo”, no sentido de superação de um realismo primário e opressor?
Percebo o que quer dizer. Mas a expressão proverbial ficou assim configurada nos tempos, até por razões de facilidade de expressão. Eu diria que o que importa verdadeiramente, use-se esta ou a que sugere, é que o espírito seja esse e se ultrapasse o “realismo primário e opressor” como muito bem diz.
Como já deixei expresso, o surrealismo vive hoje – a exemplo aliás do que sempre sucedeu, em que fideístas e sociais-fascistas o tentaram macular ou agregar aos seus propósitos confusionistas, para sujar a Liberdade e a Poesia no mundo – sobre uma arrancada refalsa, em que meros intelectuais de pequena estatura e muita insídia o buscam maquilhar das mais infames maneiras. Repare-se o que, entre nós e em certos círculos, buscam fazer por exemplo a Cesariny (e falo neste porque é a seu propósito que a coisa é mais patente) tentando servir-se da sua figura (e até da sua poesia) para ocultarem que ele sempre foi um autor adversário de todos os totalitarismos e que o deixou expresso no que disse e fez. Ele teve sempre os olhos postos no futuro, em todo o futuro e também no futuro do surrealismo, que se encarna em seres e em autores no século – e esses simuladores buscam que ele seja apenas uma figura histórica, parado e inerte. O que eles visam, é evidente, é impedir a voz surreal de continuar a sua rota, ainda que finjam, sordidamente, que lhe têm amor e a festejem. Esses adeptos fingidos do Surrealismo são gente que devemos desmascarar com destemor e doa a quem doer!
Ainda na mesma linha de raciocínio, não se poderia dizer que esse superrealismo corresponde, afinal, à conduta verdadeiramente científica, uma vez que propõe uma constante investigação sobre os fundamentos de si própria e, concomitantemente, do real?
Claro que sim, concordo absolutamente com o que deixa adivinhar. A conduta verdadeiramente científica, para o citar, que por exemplo um Gaston Bachelard ou um Einstein, para referir apenas estes entre muitos mais, certificaram. Essa Ciência, tesouro do Homem e dos seus poderes mais lídimos, que alguns “anarquistas” que muito se comprazem em se irmanar com trotskistas (grupos que juntam entre nós, pouco estranhamente, adeptos estruturais em conjunto de Estaline e de Lenine) ou com sequazes de um grupo chamado Livre, um verdadeiro esfregão das “ideias” político-partidárias) por deficiente formação confundem com “utilização capciosa de resultantes”, no seu afã de analfabetizarem o ser humano e o limitarem. Não esqueçamos, aqui, a frase, o postulado duma declaração pretérita de surrealistas portugueses, que num comunicado escreveram com sageza “A Ciência é uma das moradas do cadáver-esquisito”.
Essa Ciência que, no seu ser mais exemplar e profundo como em Isaac Newton, corrobora e se irmana com a “Ars Aurea”, que é a de todos que sabem que a visão prometaica é própria do Homem liberto e criador.
Pelo que ficou referido antes, poderemos ainda afirmar que o surrealismo (ou superrealismo) é extensivo a todas as formas do conhecimento, sejam elas artísticas ou outras, enquanto base de toda a inovação e progresso, inclusive do próprio “realismo”?
Sim! Subscrevo palavra por palavra a sua afirmação. Desiludam-se os que tentam estabelecer o surrealismo como mera excrescência do seu limitado “pensamento” e das suas acções. Por muito atravancadores que eles sejam, por mais que tentem sufocar as vozes, incómodas para a sua protérvia porque desmascaradoras, como sucede entre nós, o próprio realismo (na verdade um realismo total, logo surrealista) será cada vez mais luminoso e efectivo. Com efeito, o mundo futuro ou será surrealista ou perecerá. Surrealista ou seja: que repele a bizarria, que é verdadeiramente justo nos seus postulados e verdadeiramente racional, o racionalismo aberto da viagem em todas as direcções. E que sabe reconhecer, e reconhece, tanto a Razão autêntica dos “operadores p’lo fogo” como a dos povos, ditos “primitivos”, por aqueles que os escravizaram no passar dos séculos.
Por fim: entender o surrealismo como um movimento artístico, histórica e culturalmente datado, que privilegia e choca pelo bizarro, não constitui indício de menoridade intelectual com disfarçadas aspirações políticas? Não será o combate à mediocridade de quaisquer formas políticas totalitárias a tarefa maior do surrealismo?
Evidentemente que sim. É isso exactamente. Menoridade intelectual, mental, de caracter. E combater essas formas políticas totalitárias, nomeadamente a mais manipuladora, mentirosa e mesmo criminosa (a que se camufla no marxismo cultural, pretexto apenas para mais ardilosamente tentarem estabelecer a fórmula mais acabada do reaccionarismo fingidamente “progressista” é a tarefa primacial do surrealismo. Essa gente que a tudo recorre, mesmo agregar-se aos pervertidos da ICAR ou doutra “religião” qualquer como ultimamente acontece, em que próceres “comunistas” se unem (como sucedeu pouco tempo atrás, em que uma delegação comunista – onde estava o peculiar marxiano-surrealista Michel Lowy – foi acordar com o sinistramente consabido papa Bergóglio, com shake-hands mútuos à mistura, a colaboração de uns com a outra)! Espectáculo deprimente – mas inteiramente de esperar!
Digamos decididamente: o “surrealismo” que se cobre com a substância marxiana a pouco e pouco irá desaparecendo e os seus próceres irão sendo cifrados como aquilo que realmente são: mero rebotalho “artístico”, sem poder verdadeiramente criador, simples fórmula artificial e burlona para baralhar as gentes. O verdadeiro surrealismo – libertário, desempoeirado e original, é o do tempo a vir! Permanecerá, irmanado ao futuro, que outros tanto desejaram solapar.
Perguntas de Luís Barreiros
Considerando a sua premiada obra surrealista que tanto tem enriquecido o panorama literário português, como vê a intersecção entre os ideais surrealistas de liberdade, amor e subversão e o cenário atual da política portuguesa, notavelmente marcado por escândalos de corrupção? De que maneira acredita que o surrealismo pode contribuir para uma reflexão crítica ou mesmo para a denúncia dessas dinâmicas corruptas no seio da política nacional?
Começo por dizer, caro amigo, que a sua frase inicial é gentileza que deve agradecer-se. Na verdade, a minha obra não interessa nem desperta emoções intelectuais no geral da nação aparentemente culta ou que deveria sê-lo. Como aliás muito do que se vai fazendo, forjando de válido, num país que só pela rama é “civilizado” (da verdadeira civilização, não da que permitiu aos impérios que escravizassem e roubassem uma grande fatia do mundo). E a inteligentsia actual, que em grande parte é controlada pelas universidades – que é, de facto, um dos lugares onde mais se exerce o conformismo e a grandeza da reacção, ultimamente tomada pelo politicamente correcto e pelo wokismo, corrobora o facto, com as ligeiras excepções que sempre conseguem ir existindo…
Dito isto, atente-se no facto de que Portugal, pátria infeliz sobre quase todas as outras, ou melhor, povo infelicitado pela protérvia pseudo-progressista que ostenta cravos para melhor nos burlar com os sucessivos Precs em que se mergulha o geral dos partidos que nos têm anquilosado, é claramente uma nação onde as suas estranhas elites políticas são constituídas por um ror de ladrões, de cleptocratas que qualificam como “fascistas” todos e quaisquer que os desmascarem. E os seus apaniguados, na realidade tão velhacos como os do topo, marginalizam, perseguem com dichotes obscenos e calúnias ou mesmo com difamações não sancionadas por um sistema judicial que lhes faz o jogo infame, todos os que se rebelam contra este ambiente pútrido. Ou censuram os que não se curvam ante a sua falta de hombridade, de decência ou de simples vergonha na cara. Dou como exemplo o que se passou comigo, censurado vilmente por me indignar com os que, dizendo-se ou fingindo-se democratas, afinal fazem o mesmo que se fazia nos tempos salazaristas ou, mais brutalmente, nos tempos estalinistas e derivados. Servindo-se de sequazes do mais baixo cariz, verdadeiros trapos da acção civil em que se repoltreiam e espanejam.
De momento não vejo que o surrealismo esteja muito votado para essa tarefa higienizante e demopédica, uma vez que entre nós está quase absolutamente colonizado pelo marxismo cultural ou por adeptos dos grupos que o transformaram num “surrealismo aparente”, de facto uma actividade só marginalmente libertária, onde só vozes sem grande poder falam alto e claro, solapadas que estão geralmente pelos donos do sistema “cultural”.
A meu ver, só o desenrolar dos anos, se os canalhas que dominam não continuarem a mandar excremencialmente, trarão outro ambiente, mais limpo e mais liberto, de novo verdadeiramente criativo. Agora, entretanto, estamos ainda no tempo em que vigoram os sem ética mensurável, os que, como disse um dia Cesariny numa frase altamente justa e definidora “confundiram sempre a Operação do Sol com um broche em Setúbal”.
A psicanálise, e mais recentemente a neuropsicanálise, têm desempenhado papéis fundamentais no entendimento do subconsciente. A psicanálise teve o seu impacto nas origens do movimento surrealista. Na sua perspectiva, de que forma a incorporação destas disciplinas na prática surrealista contemporânea pode enriquecer a criação literária e artística, fomentando uma maior introspecção e exploração dos recantos mais profundos da mente humana?
Enriquece na medida em que o conhecimento, antecâmara da possível sabedoria, é sempre transformador e benéfico, na procura de mais luz e mais exactidão. Ponhamos um exemplo prático: como é que pode arrogar-se da prática surreal um individuo que seja, de facto, um manietado pela beatice, pela superstição fideísta ou pelas filosofias dum, digamos, jdanovista conceptual?
O que ali deixa perguntado foi o que sempre tentaram fazer os surrealistas autênticos, que buscaram as paragens onde se exercia o humor – negro ou azul… – a procura de novos continentes interiores, as praias desconhecidas a que Péret aludiu num texto daquele tempo. Ou seja, com distanciamento do já visto, do já feito por antigos cultores, cultivando sem parts pris uma originalidade, uma espontaneidade fundacional e sem peias redutoras.
O surrealismo tem, historicamente, flertado com o esotérico e o extraordinário, estabelecendo pontes entre o real e o imaginário. Neste contexto, como interpreta a relação entre o surrealismo enquanto expressão literária e fenómenos marginais como a fenomenologia OVNI, especialmente à luz de uma era global marcada por tensões geopolíticas crescentes e o espectro de uma terceira guerra mundial? Considera que o apocalipse, tema recorrente na literatura bíblica, pode encontrar um novo significado ou representação dentro do surrealismo contemporâneo, oferecendo uma lente através da qual possamos refletir sobre os nossos temores e esperanças coletivas?
O que dantes, por desconhecimento do vulgo e ocultação dos mandantes era do espaço marginal, hoje é já do campo onde a investigação séria se exerce. Assim, por exemplo, não mais é possível considerar a fenomenologia OVNI como simples má observação, confusa ou atrabiliária, de gentes ou de entidades. Os próprios governantes dos países avançados, tecnológica ou cientificamente, já não conseguem tapar o sol com a peneira das suas simulações. A própria ICAR, que sempre viveu de mentiras, de falsas interpolações e de repressões, já não sabe nem pode continuar a pôr-se fora da cena geral. As observações consistentes são já tantas e de tal pertinência que mesmo os mentirosos consumados têm de se retirar prudentemente, sob pena de se verem totalmente infirmados e contrariados com sucesso.
No que respeita ao Apocalipse, uma Terceira Guerra Mundial que seria a hecatombe definitiva, tenho-a como inevitável se duas acções não se cumprirem: se verdadeiros bandidos políticos, como o tristemente célebre Putin e seus fantoches não se neutralizarem definitivamente. E se os radicais islâmicos, que perseguem aturadamente a aquisição da força nuclear, não forem impedidos de aceder a ela. Esse é o duplo e verdadeiro perigo que o mundo corre. O caso do Ocidente ser incapaz de justeza, é apenas, devido a conjuntura muito própria, apenas obra da contra-propaganda dos sectores fanaticamente “comunistas”, que vivem imersos na deformação ideológica que existiu na URSS e no Leste crapuloso e que, por incapacidade ou deformação pessoal de caracter, não conseguem digerir.
O que certos grupos de adeptos esotéricos referem, com razoável informação, não o abordaremos aqui, pois é algo que nos escapa ou sobre os quais projectaremos um véu de sigilo, não de nossa lavra mas de liminar e simples sensatez proveitosa.
ns