LUÍS DE BARREIROS TAVARES
Org. e notas
Sete poemas inéditos de Manoel Tavares Rodrigues-Leal
Do caderno Evocação de uma Mulher em Visita
Manoel Tavares Rodrigues-Leal (Lisboa, 1941-2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até ao 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. O seu último emprego foi na Biblioteca Nacional, onde trabalhou durante longos anos (“a minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro, A Duração da Eternidade”). Publicou, a partir de 2007, cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram muito trágicas, morrendo absolutamente só.
“Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.”
De um poema de Herberto Helder in A Colher na Boca, 1961
“Olhos nos olhos, no ar fresco,
comecemos também este jogo:
juntos,
vamos respirar o véu
que nos oculta um do outro”
Do poema “Longes”, de Paul Celan – Trad. João Barrento
I
Malogrado se te aguardo.
Ó espelhos de água magoada.
O canto é ermo, se o guardo.
E o não lavro, árduo.
s/data [1975?]
II
O que não digo, nem coeso canto jaz
na paisagem límpida do dia.
Que paz peço, se me apraz,
se o dia se desdiz e quem lúcido a iludia.
Lx. 27-10-73 – 31-10-75 […]
III
(Alheio o rosto ao frio fluir)
Alheio o rosto ao frio fluir
do dia ao frio mármore das mãos
pousadas no sítio mais secreto do teu corpo. E ouso olhar-te
(alheio?) e gravemente imaginar
a longínqua praia que a luz do teu perfil fere ou perfaz
e se malogrou. […?] amor.
Lx. 30-3-73 – “[…?]” (indicação de palavra ilegível)
IV
(Que mistério ou milagre encerra a brancura das minhas mãos:)
Que mistério ou milagre encerra a brancura das minhas mãos:
se pousam no anel de fogo do teu corpo, não repousam.
Se erram exangues por sua aérea área, o fulgor da chama extingue-se.
Da chama inexorável do teu corpo o seco sopro que as minhas mãos
nos corredores obscuros e iníquos da casa seu núbil Outono ousam.
Lx. 2-8-73 – 29-10-75 […]
V
(Escassa água de viver)
Escassa água de viver.
Como se propaga a água
em os corredores do Verão,
água, mágoa, paixão.
Lx. 26-7-78
VI
Verão inscrito: vossa mão
Senhor solene
Senhor, não me abençoa…
s/d [1978]
……
VII
O rumor da casa é antigo, mãe.
Como tu povoas seu espaço exangue. Com tua
bela mão nua, anulas o medo cego da infância.
Assim como envelheces, envelhece a casa também.
Ó mãe, como o tempo profana as águas da memória…
Lx. 6-8-78 – poema também publicado na revista “Mirada Janela Cultural”
Nota sobre o poema VI
As palavras estão rasuradas no manuscrito, mas legíveis. Falta o “V” de “Verão”. Parece o início de um poema que foi interrompido e, passada uma década, é retomado mas não concluído. Tudo escrito numa linha, como uma inscrição, mas em datas diferentes. Porque nos pareceu aproveitável, apesar das hesitações do autor, decidimos constituir um poema em três versos. O primeiro tem a caligrafia de 1973/75/78, como os restantes poemas. Os outros dois versos têm a caligrafia de 1986 (na página há uma data de revisão de 86).
Evocação de uma Mulher em Visita na revista Caliban
https://revistacaliban.net/evoca%C3%A7%C3%A3o-de-uma-mulher-em-visita-3e6267aeb855
LBT