157. Vai-se embora a onda. FM. Ou reflui pelo corpus? Este estúdio de exteriores... É uma vaga. Amarga. É uma voz que lacera por dentro de tão longe. Ou é uma cruz que dança? Seráfica. Fala-se do movimento das quatro citações, das quatro melancolias e dos quatro pontos capitais. O ponto carece de dimensões. Rosa erótica entre colapsos. A neurastenia das noites ocultas pelo dia. Tudo o que me dá a graça sem ter graça nenhuma. A ironia. So alone. Lou Reed. So alone. Ressoa em mim a voz do Eterno e Mundo. E como vozeiam dentro da cabeça as vozes do Imundo e Terno! Como vozeiam as vozes intrusas, estranhas e alteradas! E a de Narciso, a mais amada! 158. É uma cósmica conversação poliglota dentro de casa. Até fiquei surda de repente despois de um urro! Estas vozes psicóticas e desdentadas! Hei-de-les dar atenção? Que desconcerto vai por esse estúdio do som e das antigas palavras! A quem devia eu dar atenção? A quem beijar os pés em obediência? A quem presentar armas, equívocas condolências? A que vassalos havia você de prestar juramento de vassalagem? 159. Abro uma diminutiva caixa de surpresas e a tua voz fala de lá naturalmente. Ó admirável mundo novo! Ó admirável progresso do nosso tempo! Ó maravilha fatal da electricidade! 160. Portas sucessivas num corredor sem fim. Cada uma tem um número e o teu é o último. Faço contas pelos dedos, chegarei lá, lá mais para o fim dos tempos. Abres em mim mais portas do que aquelas que são próprias para sair. 161. Eco é um livro de contas, com muitos, mais ou menos, sinais de acrescentar e subtrair. Que não trairei o desejo. Isso, nunca. 162. Ouvi dizer que na Ásia oferecem Narcisos como voto de felicidades para o Ano Novo. Toda a paisagem debruçada com a flor no espelho d'água! 163. Eu chego a amar-me como um pintarroxo pousado num fio telefónico! Só te não beijo as mãos de máquina por se tratar de culinária futurista! Que ele há tanta colher! Mas por que fantesia terão criado o Movimento de Salvação Turista? 164. Ontem o meu pensamento era lindo como um filme a cores. Vi-o sem me cansar eras a fio. E eu que me julgava abstémia! Tenho sacrificado a beleza à estética. Era um filme de transparentes transcrições musicais. Assim: ver passar azul suave por um quente hibisco... Ver passar um bando de lilases, e um cinéfilo latir à porta do Hades em vez de um cinocéfalo. Ontem o meu pensamento era mais enigmático que um canário herético. Hoje sinto cada vez mais austeridade. 164.a. Quereis queijo ou pão-de-ló? A minh'alma debrua os queijos a cetim. Enquanto um pão-de-ló emerge da ardente voltagem da cozinha. Sobe em risos e cascatas de canela pelas morenas encostas da panela. Quereis apenas pão-pão, queijo-queijo? Juro que também eu. 165. Dois de mim e dois de vós não é exactamente igual a quatro textos. Menos por menos dá mais. 166. E les que vinham sahindo! E eles, os lobos, que haviam chegado! Com uma cria para o dia mais amaro. 167. Ontem o meu pensamento era mais lindo que um relicário austral. É preciso fugir para zonas neutras, distrair. Preciso de me distrair tanto quanto às vezes me concentro. Escapar de mim, fugir. Escondo-me atrás dos salgueiros no meio dos bosques, de onde possa apenas cifrar. Que nunca o chiffre foi corno de gallo, meu amigo! Corno é corno, em bom português. Chiffre é número, em bom francês. Ontem eu pensava por imagens caleidoscópicas. Amanhã cantarei com avareza de usurário. Corpo somando e comparando os juros, Alma a corrigir os dados aritméticos. E por cima das contas o espírito santo dá cabo de tudo. 168. Vos estis sal terrae. Et ego sum in judicium meum. 169. Ei-los, os lopos, os linces e os cinocéfalos que vêm vindo. E chega o Lopes de boquilha. 170. Comprei uma t-shirt com Tigre dourado ao peito. No Verão passado andei de Serpente. A verdade porém é que sou Porco. 171. Todas as cousas têm duas faces radicalmente oponíveis, tal como os computadores operam em sistemas binários e o polegar põe à minha frente um regimento de mamíferos. 172. Entre duas catástrofes, o Sentido põe-se em marcha numa tarte de maçã. Sinto cada vez mais em perigo. Entre dois colapsos, precisamente ao meio. Basta um desequilíbrio para a queda. Até onde se cai na noiva, Zé Ernesto? Quantos anos-luz de profundidade tem a cauda do seu vestido? Olha, a noiva está além, na antiga constelação do Cão. Cais nela, subindo. São treze degraus zodiacais até encontrares essa cadela. 173. Na Sé de Lamek... Lamek?! Mas que Tippa intrometida! Lamekum?! Küon? Canis? O cão e o cisne, cygne, je cygne... Que nome queres tu que assine? Tenho sinceramente muito medo do que tu dizes. Penso que só te falta um pé de gal... Na Sé de Lamego, emendo. O mundo refaz-se neste locus propício à oração. É também por causa da perigosa proximidade de certas letras que só escrevo em teclado nacional. Que já olvidei. Mal me lembro da Avé Maria. Fórmulas mágicas e números do destino diluem-se na fria penumbra das catedrais de Dezembro. Ecos dos meus antepassados ressoam pelas abóbadas profundas de Lamego. |