e) Otropel dos homes


78. Cavalgas uma noção imponderável. Aguda é a situação da nossa idade. Quantos gês de gravidade mede vocelência? 

79. A quem falo assim trocado? Dou uma volta sobre o eixo e a todos leixo a última sílaba de um mesmo recado: ahahah... al... al... ih... ih... ih...

Que i é o meu nome central e imaginário.

E eles, os homees, que haviam chegado! E les que vinham sahindo!

Todos muito bem aperaltados.

O João e o José. O Alano, o João e o José. O Vândalo, o Alano, o João e o José. Vinha ainda o camarada Visigodo.

E vinha uma lancha em África.

 

80. São os meus números. Os meus nomes todos. São os nomes dos meus homes. Meus noves, de quem falei?

A máquina enguiça e eu aparo-le o jogo. Reconversão dos pecados e de tôdala errância. A máquina enguia, a coluna respia e eu tenho fio.

Tenho frio.

 

81. Já ontem tivera, a esta mesma hora. Hora de chuva, de noite e ventosa.

A emissão radiofónica acabou. E tu dizes adeus entre fragores de terramoto.

 

82. A cadela suspira enquanto dorme. Sonha e estremece, calmo-a com festas. A Vanessa é uma cadela e tem maus sonhos como toda a gente.

 

83. Quando a máquina do possível se destrava podemos sofrer um acidente de verdade. Num mar de sargaços que sobrevoam pássaros.

 

84. O cavalo estanca o salto, suspende-se no ar.

Minha respiração lenta.

O barco detém-se na linha do horizonte.

Esta relação benta.

A ave fica presa do seu voo na nuvem de cinzento caro.

Só as mãos se agitam, ágeis.

A vida pára como um filme em câmara lentamente escura.

A alma olha para o corpo, à procura.

 

85. Vive-se cada vez mais devagar. Na aparência. A luz é tão rápida! Olhar e basta para me teleportar para outro lado. Que o seu olhar bastava.

Vive-se cada vez mais em silêncio.

 

86. Atrás do hibisco escondi a ferida na garganta. As liras penduradas nos salgueiros, ah, a minh'alma desconhece a fortuna da alegria, não pode já cantar! Num rio caudaloso juntaram-se as minhas mágoas às ágoas que dos olhos caíram té os secar. Rebrilham como pedras preguiçosas quando te miras na Lua e eu te invoco, invoco-te perdidamente entre loureiros e jacintos a ecoar!

 

87. Tinha frio. Vesti o casaco.

Já ontem vestira, a esta mesma horda. É tã fácil contar as vinte e quatro hordas que pastaram!

Tinha frio, vesti o casaco.

Meu amôr, vesti o casaco!....

De ti para ti a mente avança e recua como um cavalo. De azul cinzento, claro.

De ti para mim o amor avança e recua: és um cavalo!

De onde viemos? As crinas fagueiras e uma venda nos olhos? O vento nos cornos? Meu amor, sou um cavalo.

 

88. Sou um cavalo naquele momento. Em que é preciso domá-lo. Naquele momento em que se pergunta para quê, se queríamos era vê-lo à rédea solta. Numa fracção de segundo podemos passar para o outro lado. Naquele momento. Em que o perigo vem de dentro e cada um se vê diante de si.

Não haver diante nem instante: cair em si, tomar sentido nas cousas. Cair dentro de si. E ouvir desvairadamente pela primeira vez.

Ou pela última.

Naquele momento em que se chora ou ri mais do que nunca sem qualquer intermediário.

Naquele momento.

 

89. Por artes da medicina nuclear o céu abre-se numa intervenção sígnica. A quantos passarinhos lerás as entranhas para saberes novas do meu amado?

Naquele momento em que se é passarinho sem cessar de ser cavalo.

O céu rasga-se numa ferida sobre os varandins do infinito.

Meu amor, és o cavalo.

 

90. Esse é o momento das rodovias plásmicas.

Memento.

É preciso decidir a excesso de velocidade.

Memento.

Quando a cabeça dança num tridente de prata.

Memento.

Sobre a minha cabaça, Alma avança, esplêndida e nua.

Memento.

 

91. Aquele instante em que nos pomos a ouvir o crescimento de uma planta, a lentíssima gestação de um mineral. Dar atenção, funda, centradamente. Dar atenção à órbita de Vénus, à lábil delicadeza dos trabalhos manuais.

É preciso que me concentre sobretudo nos elementos que rejeito e substituo.

Projecto-me além, num alvo cuja única dimensão é o comprimento. E a linha passa por ti.

Fazes parte do meu conjunto de números racionais.

Avanço e recuo. Tenho medo, mas avanço. Recuo e avanço, és o cavalo.

 

92. Ele queria cair na noiva da mais alta torre. A nova, porém, subira aos céus.

 

93. E passa o perigo, o batalhão repousa. Passa o perigo e o meu coração avança e recua e avança montando o Cavalo.

 

94. O meu casaco, que já ontem vestira. A esta mesma hora. Quando Alma procura.

De onde viemos com a pedra em flor?

A felicidade inunda-me numa doença. É o que significa a Besta Imunda?

É isso o que diz a Fera Emoldurada?

Tenho medo de vir a ter muita saúde.

Por menos têm outros a medo.

 

95. Se te descrevesse que só depois de feito o cesto entendo a sua arquitectura!... E tudo bate certo como um programa executado só em linguagem digital.

 

96. Quem pode domá-los, aos louros cavalos que saltam barreiras no ignoto hipódromo interior?

Nas vibrantes correntes de ar passa como um raio um cavalinho de sal.

Dou-lhe às vezes um torrão natal de açúcar.

 

97. Eu stou possuída pela Onda da Meia-Noute!

Eu stou possuída do Demónio.

Eu stou possuída pelo Espírito das Grandes Naus!

Eu stou possuída do Demónio.

Eu stou possuída pela Alma de Outras Heras!

Eu stou possuída do Demónio.

Eu stou possuída pela espada do Grão-de-Bico!

Eu stou possuída do Demónio.

Há em mim quem me estrague a escrita!

Há-de haver quem Ave.


 

98. Não aguentava ficar calada mais tempo.

Sinto profundamente ter descalçado esta marmota!

 

99. Temos medo da felicidade como se ela tivera alguma cousa a ver isso.

 

100. Dizia: de onde viemos com a pedra em flôr?

Meu amôr, de onde viemos?

Não sei em que ponto estou.


TEMOS AQUI A SENTINELA EM SENTIDO 

MAS SÓ DEPOIS DA PUBLICIDADE

Maria José Mauperrin, Café Concerto


101. Penso cada vez mais devagar.

Posso cada vez mais abruptamente.

Faço cada vez mais eco.

 

102. Criar é seleccionar combinar seleccionar átomos mui simplesmente.

Crio para bem mais longe do que penso e quero, na verdade. E o teu rosto lá dentro, eterno.