I. E o pensamento resulta de impulsos electroquímicos.
0. Sai-se de casa para a rua, sai-se da rua para a cidade. De Lisboa saí para o País. Sai-se para a ninfa Europa, para o arcano Mundo. Um dia saímos para Júpiter e tomamo-nos cosmopolitas. Eu sou cidadã do Cosmos. o + 1. Pego num microscópio electrónico para perceber a palpitação mais íntima das moléculas de maçã. Daí vai-se ao ADN . Eu amo a Pátria, eu estremeço o meu país. Tenho porém alguém à minha espera em Titânia de Saturno. + 1. Sou ,uma criatura dócil, aprendo Álgebra e Latim. Conheço alguma cousa da evolução do Português. Mas sei também que as baleias, as abelhas e as formigas comunicam entre si. Tenho a minha identidade, a consciência da língua onde nasci. Sei porém que acima dela há a consciência colectiva de uma biblioteca. E sei que o computador está a caminho de se tornar consciência do U niverso . É por via disto que o meu amor segue ca minho além Pátria.
+ I. Histórica e solenemente tomo posse de toda esta terra. Cygné: O autor dela + I. Eu sou feérico como a neblina, mara vilha maior de toda a idade. Mais milagroso sou que S. Silvestre. Eu sou bestial. Você, não. Você é apenas um terráqueo competente.
- 0. Até a lagartixa é um proficiente fenó meno da aviação.
Apenas por ser, sou a mais extravagante máquina da criação. Emancipei-me da Natureza, não obe deço à lei natural. A tal ponto me cativa a indústria que seria incapaz de inventar hoje o arco e a flecha. De resto, a caça pertence ao passado, criamos gado de aviário. O frio não me faz diferença, inventei o vestuário. Eu sou uma maravilha, sim senhor. Apesar da minha imperfeição. Porque só eu sei, entre toda a forma viva da natureza, só eu sei que quero ca minhar para a perfeição. Eu, um ser humano. Eu, cérebro autómato de poeta. Eu, que sou o resultado de um bilião ou mais de bibliotecas. :o. O passado é uma noite corrente sem princípio. Nem o futuro terá fim. A proposição final é uma conversa. Só a causa tem a ver com a evolução. + n. Massa acinzentada e branca, gelatinosa, atrás da testa. Sou percorrido por uma floresta de lianas entrançadas. Sulcam-me estradas mil em cir cunvoluções. Sou mole, peso apenas alguns gramas. Mole e viscoso, matéria orgânica frágil e secreta. A mais dramática congeminação do Universo conhecido: eu, um cérebro poeta. Há brancos e negros, árabes e judeus. Há homens e mulheres. Há muitas idades e muitos profetas. Fases e estações, há também meses do ano. Há galos e romanos, gigantes e pigmeus. Bra qui e dolicocéfalos. Há espanhóis, guineenses e portugueses. Ele há tanta diversidade na educação e na tureza! Mas há-de haver, e só por isso o meu amor ultrapassa os portugueses, há-de haver também extraterrestres! Sou uma cidade. Tenho neurónios que a man têm viva e iluminada. Células foto-eléctricas fiscali zam o trânsito nas estradas. Disponho de canais de alimentação que levam água e luz, televisão e rádio a todo o lado. O telefone permite-me falar com a minha irmã que mora em Bóreas. Penso por impulsos electroquímicos. Por detrás da minha testa há uma organização mais eficaz que a dos mais modernos exércitos. Sou feito de matéria estática, outra tenho em movimento. E o movimento transforma tudo . Mudo tudo porque transporto energia. Sou, sem dúvida, a mais poderosa máquina conhecida! E pensar que se assim sou é porque acabo de comer um bife! Não escrevo só para ti, não me dirijo só aos meus leitores! Eu converso quimicamente com a terra, o trigo, o pão na mesa e as estrelas. Comunico quimicamente com esse pão da vida que é candelabro a iluminar a minha cena.
|