Organizada por dois portugueses, uma antologia de poemas pertencentes a autores de nacionalidades várias, em que se manifestam duas identidades trans-territoriais: a língua portuguesa e a música jazz. São responsáveis pela antologia e pelos textos de apresentação dos poetas, José Duarte e Ricardo António Alves. Arriscou na obra, dispendiosa nas suas mais de quatrocentas páginas, uma editora com peso na cultura portuguesa, já com cinquenta anos de idade, a Almedina.
José Duarte é um dinossauro da Rádio, que justamente toda a vida tem dedicado à divulgação do jazz em Portugal. Não terá sido tarefa simples, no começo, e disso dá conta a exiguidade do seu mais célebre programa, aliás um programa fundador na Rádio portuguesa, para usar a linguagem do mito, que é sempre fundador e narrativa exemplar. "Cinco minutos de jazz!" Só cinco minutos, mais do que isso podia incomodar... Outro programa de José Duarte que permanece na memória das coisas boas da cultura áudio foi "A menina dança?"
Ora a quantidade de discos, CDs, livros, etc., que no curso de uma longa carreira vão juntando pessoas como José Duarte, Aníbal Cabrita, José Nuno Martins, João David Nunes, e mesmo um Fialho Gouveia, falecido hoje, dia 2 de Outubro de 2004, levanta questões patrimoniais. São acervos importantes que é necessário preservar para a História da cultura, aquela em que nos formámos. José Duarte doou o seu acervo à Universidade de Aveiro, para incentivar a criação de um Centro de Estudos de Jazz. São mais de 4000 CDs e 2000 LPs, além de cerca de 800 livros, manuscritos, cassettes áudio, filmes, fotografias, posters e cartazes.
Noutros sectores, levantam problemas igualmente os acervos de críticos, artistas, etc.. Não é possível guardar tudo, a Terra não pode ser transformada num museu, mas há prioridades a requererem atenção antes que seja demasiado tarde. Parte do espólio de Ernesto de Sousa também aguarda colocação num centro que promova o estudo da História do cinema e outros áudio-visuais, e ao mesmo tempo estimule a criação intermédia. Um passo importante nesse sentido é já a BES - Bolsa de Estudo Ernesto de Sousa (http://www.triplov.com/ernesto/bes/index.htm).
"Poezz" é um acervo também, uma colecção de textos em que se fixou algo vindo do jazz. Nada de índice de autores de poemas nem de explicações, salvo uma página à entrada, a justificar o que não precisa de justificações: coligiram-se poemas que referem a música, mais especialmente tal tipo de música, porque sim. Em 460 páginas há decerto uma centena de autores com poemas representados, desde a vanguarda, Manuel Bandeira e José de Almada Negreiros, etc., até aos jovens poetas da nossa contemporaneidade. E nada de hierarquias nem de distinções entre poesia erudita e poesia popular: Djavan ombreia com Herberto Helder, do mesmo modo que a referência directa ao jazz, de Levi Condinho, ombreia com a não expressa de Manuel Rui.
É, em suma, uma bela antologia, na aliança entre duas artes gémeas, se não forem elas as duas faces de um mesmo Jano: poesia e música.