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O GAIO MÉTODO
Maria Estela Guedes* & Nuno Marques Peiriço**
IN: Actas do Congresso Luso-Brasileiro "Portugal-Brasil: Memórias e Imaginários", volume II, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 489-501, 2000
O GAIO MÉTODO
d. Errata

Maria Estela interpretou o caso do bloco de cobre como chamariz para obrigar o Poder a enviar naturalistas para as colónias - no lugar onde aparecera uma pepita tão grande, por força tinham de existir minas fabulosas. Como sugere o Intendente Câmara (Mendonça), não era boa política a de cultivar cana sacarina no recôncavo baiano, quando, a avaliar pelo imenso bloco, debaixo dos pés de cana deviam correr inesgotáveis filões de cobre. Na verdade, debaixo dos pés de cana o que existe é uma terra chamada maçapé, negra e untuosa, muito rica em húmus, excelente para o cultivo da cana, como a descreve José da Silva Lisboa.

Basta reparar nos manuscritos inseridos na bibliografia, para se notar que as nomeações para a exploração da inexistente mina de cobre da Cachoeira só podem significar que a expressão mina de cobre é um código. Se investigamos os designados, o que nos aparece são pessoas como José da Silva Lisboa, um dos patriarcas da independência do Brasil, o Intendente Câmara, irmão de um dos implicados na Inconfidência Mineira, ou Francisco Agostinho Gomes, conectado com a Inconfidência Baiana.

Eu, Maria Estela, persisto nesta exegese - era preciso enviar técnicos para o Brasil, que assegurassem a autonomia fabril, comercial, política, etc. do novo país. Os três documentos fundamentais para compreender a história são a memória de Vandelli de 1782 e duas cartas anexas, uma para Martinho de Melo e Castro e outra para a Rainha, com o mesmo conteúdo - solicitar autorização para reger todos os anos no Real Jardim Botânico da Ajuda um curso de História Natural Económica, aplicado à agricultura, às artes, à medicina e ao comércio. Foi aqui que os naturalistas se treinaram. Partiram em 1783 para as colónias, logo após a recepção do bloco, quando o projecto de os enviar para procederem ao levantamento dos recursos naturais datava da reforma da Universidade, uns dez anos antes, e sempre fora adiado. Por isso os naturalistas que partiram não eram os indigitados no primitivo projecto. Um dos que devia ter partido era o próprio Vandelli.

Os naturalistas do século XVIII eram todos brasileiros, todos eles desejosos de independência. O real interesse na sua partida devia-se à necessidade de os integrar como peritos nos grupos independentistas, caso de Maciel, aliado de Tiradentes, que devia fabricar pólvora para a guerra que decerto se travaria com os portugueses da metrópole (Guedes, 1998a). O engodo da riqueza é ofuscante, e viu-se que funcionou, dobrando quem tinha os olhos postos na independência dos Estados Unidos da América, sabia que os naturalistas a tinham fomentado, não tendo por isso interesse em lançar achas à fogueira que já ardia no Brasil.

Eu, Maria Estela, declaro no entanto mea culpa, por ter deixado escapar nos panfletos distribuídos aos visitantes da CulturaNatura um erro de interpretação. Consistiu ele em considerar que a vítima da paródia do bloco de cobre era o ministro da Marinha, Martinho de Melo e Castro, a cujas ordens vão obedecer os naturalistas - Feijó em Cabo Verde, Ferreira no Brasil, Galvão da Silva no Brasil e em Moçambique, Donati em Angola. Com que fundamento o avaliei assim? Nenhum, eis o pior dos erros. A respeito de Martinho de Melo, julgava eu já saber tudo, quando na minha cabeça não havia conceitos, só preconceitos. Porque era padre, tinha para mim que era um santo, incapaz de uma maldade. Porque sucedera a Pombal, tinha para mim que a sua política era oposta à de Pombal. Porque exercia o seu ministério durante a viradeira, tinha para mim que era o braço direito de Pina Manique, no ódio deste às Luzes naturalísticas ou maçónicas. Em resumo, era um reaccionário da pior espécie, donde a necessidade de o convencer, atirando-lhe à cabeça com nada menos que um bloco de cobre que se diz pesar à volta de uma tonelada.

Leituras recentes, entre elas o livro de Fernandes Loja e a releitura do Diário de William Beckford, obrigaram-me a reconhecer a triste figura que fiz: a viradeira está a ser reavaliada pelos historiadores, que a não pintam como movimento retrógrado, sim como continuação natural da política pombalina; Martinho de Melo era um admirador de Pombal e continuou a sua obra, e aqui repita-se que a data do bloco é a da morte de Pombal. O ministro fora julgado pelos seus crimes, condenado à morte, com pena comutada para desterro a trinta léguas da Corte. Martinho de Melo era um homem suficientemente ilustrado e progressista para ter ajudado Beckford, caído em desgraça social por homossexualidade. Finalmente, referindo-se aos naturalistas ou maçons, escreve o autor de uma carta da época (Loja): ele é um dos deles. Isto é, Martinho de Melo e Castro não foi aliado de Pina Manique, pelo contrário.

Feita esta errata, resta que Vandelli não é o principal responsável pelo caso do bloco de cobre, limitou-se a ser cúmplice de Martinho de Melo e Castro. E então a cabeça à qual se arremessa o bloco não é a do ministro, sim as duas, coroadas, que vêm mencionadas na inscrição em latim, de uma forma tão equívoca que se podia ler imperadores onde se escreve imperantibus. D. Maria I e D. Pedro III não foram imperadores. O primeiro Imperador do Brasil é o seu neto, D. Pedro I do Brasil, IV de Portugal.

 
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