FERNANDO BOTTO SEMEDO, HOMEM DE PALAVRA

Como diz Casimiro de Brito, em carta de apreço que também publicamos, Fernando Botto Semedo trata das palavras como se fossem o que são: animais frágeis e intactos mas fecundos como o pão.

De facto, o mundo do poeta é a poesia, esta o seu alimento diário. Num universo centrado nas palavras, estas ganham peso de realidade, exactamente aquele peso que a palavra perdeu no mundo da intelectualidade ocidental, não certamente por culpa de Nietszche, nem do cristianismo, nem das ideologias positivistas, nem dos políticos, mas talvez por todos virmos de há séculos a desvalorizar a ascendência espiritual do homem por preferirmos assentar o nosso imaginário progresso e avanço civilizacional no esqueleto dos símios. Mais perto estaríamos no entanto das gralhas, que ao menos falam, mesmo estando caladas.

Se bem que nos dois últimos livros o poeta se aproxime de Deus, resta saber que Deus é o dele. Não decerto o que se vai calando em textos em que o Verbo não é reconhecido sequer pela Igreja. É um Deus criança, mas não o Deus-Menino. Um Deus criança como o poeta, um ser novo que se adivinha - só no nosso mundo ocidental de intelectos científicos, porque basta pensar na guerra santa para verificarmos que a Palavra não morreu em todo o Livro nem em todos os estratos sociais que dão substância à expressão Povo do Livro - a família dos muçulmanos, judeus e cristãos.

Não diria que Fernando Botto Semedo é uma das testemunhas de que o religioso regressa, pois nem o religioso partiu em absoluto nem a religiosidade é marca muito significativa em obras como Vintém das Escolas. Digo porém que pesam mais do que antes as palavras, digo que se reconstituem em espessura, digo mais claramente que a poesia revela o desejo de que haja homens de palavra - em suma, em tempos de mentira e falsidade à escala planetária, é justo exigir que quem fala use palavras portadoras de verdade.

Maria Estela Guedes