Este livro de José Manuel Anes é uma obra de circunstância, datada: corresponde ao historial da criação e desenvolvimento da Grande Loja Legal de Portugal/GLRP, em especial sob a sua presidência, como Grão-Mestre. Não fora a cisão entre os membros provocada pelo caso da Universidade Moderna, e certamente seria obra muito diversa. José Manuel Anes é um colaborador do TriploV, tem estado desde a primeira hora no colóquio internacional "Discursos e Práticas Alquímicas", no qual a sua participação documenta a base espiritual, filosófica e alquímica da Maçonaria, que suporta os rituais (1;2). O segundo volume da obra homónima, que reúne as comunicações, traz o seu nome como principal organizador (3). É nesta esfera intelectual, dominada pelo rito e pelo símbolo, que conhecemos melhor o autor.
"Maçonaria Regular" é um trabalho datado e circunstancial, por exemplo no esforço em mostrar que em Portugal e no estrangeiro a GLRP foi oficialmente reconhecida. Para este reconhecimento contribuiu decerto em muito o próprio José Manuel Anes. A sua tarefa foi em larga medida o restabelecimento de uma boa imagem para a Maçonaria que ele representa - e para a maçonaria em geral -, o que significa definição de uma estratégia, e acção diplomática em várias frentes, desde a presença nos mass media até à assinatura de protocolos com as obediências estrangeiras, recepção pelo Presidente da República e pelas demais instâncias governamentais e políticas.
Mas o que é afinal a "Maçonaria Regular"? Na Nota preliminar, podemos ler:
Em Maçonaria não basta dizermos que somos maçons ou que somos maçons regulares, é preciso que, como diz o ritual, 'os meus Irmãos me reconheçam como tal'.
Quererá isto dizer que maçons de outras obediências não têm os toques, sinais e palavras para se reconhecerem? Estes são aliás alguns elementos secretos da maçonaria em geral, partilhados pela Maçonaria Florestal Carbonária, em cujos rituais, publicados no TriploV (4), uma vez por outra nos são revelados alguns sinais, toques e palavras de passe, certamente não usados já, pois em geral não se divulga o que faz parte dos rituais e práticas em uso activo. Aliás, há sinais activos que se revelam, e constituem assinaturas, mediante as quais quer os IIr.'. quer os profanos podem reconhecer como maçons os seus autores. Essa é uma das vertentes do meu trabalho de investigação sobre o naturalismo: analisar palavras e sinais de reconhecimento dos maçons.
Na entrevista que lhe faz Júlio Sequeira, e temos em linha (5), José Manuel Anes dá outra definição de Maçonaria Regular:
Podemos dizer que a GLRP/GLLP é uma Obediência regular - i.e. trabalha à Glória do Grande Arquitecto do Universo - que promove, sob a égide dos princípios de Liberdade, Fraternidade, Solidariedade, Igualdade (de oportunidades, não igualitarismo) e Tolerância activa, através da sua técnica iniciática, a melhoria progressiva dos seus membros e, através da sua influência, a melhoria da Sociedade.
A Maçonaria Regular é agora aquela que exige aos candidatos a maçons a crença no Ente Supremo, o Grande Arquitecto do Universo - Deus. Há uns cem anos, a maçonaria portuguesa, seguindo as pisadas da francesa, deixou de trabalhar "À Glória do G.'.A.'.D.'.U.'.", passou a aceitar ateus (e mulheres?) nas suas fileiras. Então a Maçonaria Regular é aquela que obedece à loja-mãe inglesa, i.e., aquela que interdita o acesso de ateus às suas lojas.
Outras obediências, não sei se regulares se irregulares, como é o caso da Maçonaria Florestal Carbonária, também interditam o acesso de ateus, mas não o de mulheres. Para entrar na Maçonaria Florestal, basta ser livre e de bons costumes. Eis uma frase com sabor antigo, que se traduz por ser auto-suficiente - ter dinheiro para pagar as jóias, o vestuário, as quotas, etc. - e não ter cadastro na Polícia.
O livro de José Manuel Anes é útil, presta muita informação a maçons e quem queira saber, por exemplo, se o "exército" é perigoso. E o livro responde: à data de edição, em 2003, a Maçonaria Regular estava prestes a ultrapassar os efectivos do Grande Oriente Lusitano, com o seu Povo Maçónico de 900 homens. Outra resposta é esta: a maçonaria não actua como corpo, ela tem um ideário que naturalmente é perfilhado por todos os Irmãos. Na sua vida social e profissional, individualmente, o bom maçon realiza a sua grande obra, levando à prática e mantendo vivos os princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Exército e em guerra, que eu saiba, só existiu no passado com o ramo carbonário da Maçonaria Florestal. Neste momento, o guerreiro repousa, alcançados os objectivos da batalha. Não há nada a recear da maçonaria que não possa ser receado de outra associação qualquer, como um sindicato. E no entanto são muito diferentes: as lojas maçónicas são sociedades iniciáticas, secretas em parte da sua actuação, e rigorosamente secretas nos períodos em que tem havido perseguições.
A maçonaria não é uma religião, mas a sua instância é sacral - ela vive do rito e do símbolo. Por isso é um espaço do sagrado para onde pode eventualmente fluir o que no espaço das religiões está interdito, exactamente como na Maçonaria Regular. Na Maçonaria Florestal, o rito pode ser celebrado por mulheres e, não existindo clero, também não há exigência de celibato, quanto à participação masculina.