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Estela Guedes:

Diário de Lilith

 

 

 

Terceiro dia - A tempestade

Na vertiginosa corrente do Estige
Dança o barco rabelo.
De mãos dadas, Lilith e Oski III,
Expulsos do Paraíso,
Perscrutam o negrume da noite
Na amurada do navio.
Se Paraíso é este mundo de mierda
De que nos expulsam, Dante Portela,
Então alegremo-nos
Por os anjos de las tinieblas
Nos abrirem as portas do Inferno.  
Por cima das nossas cabeças
Em labaredas
A noite de uva mourisca rebenta
Numa chuvada de vinho fino.
Douro, quantos corpos conservas ainda
No leito do teu cemitério?
O relâmpago racha a noite
Em duas metades
O trovão é meeedooonho.
O céu de Galileu Galilei vai-se partir.
E o outro?
O outro céu, o Céu de Dante,
O céu onde mora Beatriz?
Dá-me a tua mão, Oscar Alighieri.
Ouves, Tritão?  
Perdeu-se no negrume o teu amigo,
Ou quiçá trocou-te por outra amante virtual …
Oski III! Oski III! Oski III!

Telín , Telin las Campanas
que anucian la nueva aurora.
Telín, Telin los cristales,
los metales y piedrillas:

en mi corazón vacio
suenan esas campanillas,
Telin, Telin los sonidos
de un río lleno de peces.

¿Como podría cambiar
a Telina por Anika?
Si ya pudise volar
a Lisboa volaría.

con el corazón latiendo
por la Estrela prometida.

Já Caronte perde o leme do navio
Já o mastro foi estilhaçado
E o vento levou com ele as latinas velas.
Olha a minha casa, olha para o que resta
Da minha pátria mental:
Um rio e barcos rabelos
Quando outrora cavalgámos oceanos!
Chegámos à Índia em caravelas
Ao Japão, ao Brasil
Navegámos na epopeia de Camões
E alcançámos o teu Rio de la Plata!
Oski III, o Inferno em que vives
Não é de todo estranho ao de Lilith.
O exílio na pátria, porque não temos para onde fugir de nós,
O rosto encoberto pelo nevoeiro
De quem sonha para além do argentino ou do português.  
Fazemos opções que exigem de nós
Coração de aço
Tomates e passarinha de ferro.
Sem nenhuma preparação
Para santos, mártires nem guerreiros,
E ainda menos para animais domésticos,
Os guardiães do status mandam-nos para o Inferno.  
Uuuuuuuuuuuuuffffffffffffffffff!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Taf-taf-taf, batem as vagas contra o cavername
Do navio.
Leva-me pela mão para a outra margem,
Aquela a que Caronte não aporta,
Leva-me até às portas da Aurora,
Dante Portela.  
Tritão, não sofras.
Bem sei, custa-te abrir os olhos
Na noite ferida pela radiação da tempestade.
Os carnívoros peixes aumentam de tamanho
E os dentes todos da boca ameaçam
Retalhar-nos a carne.
O medo e a repulsa crispam-te
Num botão de asco
O ânus e a vagina.

Tu, que do coração conheces o abismo
Tu, que da alma sabes quão violenta é a tempestade,
Oscar Alighieri,
Mostra-me o caminho.
Que o tornado abandone o coração
Apertado,
Que a serena alba
Nos toque a cabeça
Com os róseos dedos de Homero.
São falsas todas as iniciações excepto a da tempestade
Na alma, Oski III.
Só entrando na alma
Morremos de pavor e o dominamos,
Saindo do Orco com uma lâmpada
Nos dentes
E uma espada de fogo nos braços.
A vontade de tudo arrasar
Porque somos nós o raio e o trovão
Somos nós o Douro agitado
Entre dois planos de água
Transtornada.
Mas não baixemos a cabeça
A quem nos expulsa,
Não aceitemos sem rebelião.
Podemos não deixar pedra sobre pedra
Da casa onde agonizamos,
Nem um caco
Dos sentimentos hipócritas
De quem mais sente a volúpia
De mandar-te fazer isto e aquilo……………………
Os novos senhores de Torquemada
Que tudo censuram e controlam
Julgando apenas conversar.
As máquinas de infinita reprodução
Das imagens-modelo.

Arrrrrrrrrfffffffffff!!!!!!!!!
Nenhum deus, Dante Portela,
Merece de nós bovina submissão!
A violência verbal a vergastar a barca
Das emoções.
Tudo o verbo dobra à sua passagem.
Um tigre nos dentes arreganhados para a vítima:
- Vai-te! Mão que me amarras aos rochedos
Para que os monstros do mar venham e
Te devorem pénis, testículos e vagina!
Lilith, o que fazes? Anjo, o que fazes?
Varres o convés dos mortos
Com uma rajada inclemente
De palavras?
E a palavra salva?
Descarrega a tua fúria sobre o rio
Este Douro mais perigoso que um leão.
Mede forças com ele, Lilith,
Um braço-de-ferro com a gorda mãe
Predadora, lança-lhe um bafo de ódio e destrói
Essa matéria que sangra de vício
O vício de modelar à sua imagem e semelhança,
De frear, de pôr arreios e esporas
Em cima do cavalo alado.
Esta onda de Torquemada.
Pégaso não pode acorrentar-se
À vida mesquinha, sem Deus nem alma,
A pátria não pode ser desfigurada.

Volvió a alumbrar en la noche
la estrella que ayer perdí
cuando soplaron los vientos
que la alejaron de mí.

Adonde se fué mi estrella
eso preguntaba yó...
hacia que islas ignoradas
donde reina sobre el Sol.

Que equivocado que estaba
el que desaparecí fuí yó
sin darme cuenta en instantes
mi sonido se extinguió.

Mi estrella estaba alumbrando
ahí cerquita nomás,
titilando entre mis sueños
y esperando el despertar.

Ya tritao desperto
de su yerro y se arrojó
a bailar la danza loca
titulada lo fugas,

pues lo fugas es eterno
cuando se quiere demás.

Dá-me a tua mão, Dante Portela.
Leva Lilith ao Inferno, mostra-lhe
A grande dor.
Leva-a ao Paraíso,
Mostra-lhe a alegria.
Repõe os feitos nos incorrectos lugares
Se necessário.
Qualquer ser livre tem direito ao erro. 
Tudo é plágio e falso e horrendo e vazio,
Oscar Alighieri, naquilo a que outros chamam Paraíso.
Eis que da bruma irrompe a Aurora
Dos róseos dedos, Homero Camões.
Dá a mão a Lilith, leva-a pela margem de
Uma bucólica ribeira
Encantada pelo chilreio de Orfeu.
E depois ressuscita como Osíris entre os papiros nilóticos
Da única iniciação original e verdadeira - a poética.  

 
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