Onde foste, Lilith?
Deixaste-me tão à distância
que só com binóculos te consigo vislumbrar.
Voltas, em passo de tele-objectiva,
lento zoom desde os Infernos
erguida por tremenda grua
tal o teu peso de chumbo,
a gemer e a perguntar:
- Escrever para quê? A quem interessa um discurso
centrado no sujeito, movido pela emoção,
conduzido pela busca de uma perdida ou inconquistada identidade?
Aos que amam? Interessa aos que amam? Interessa aos que
fazem política
e agora, por exemplo, entre Israel, Líbano, Síria e Iraque,
arrasam quantos sujeitos podem
sem destrinça de identidade nacional,
etária, civil, nem sexual?
Interessa cultivar estas maçãs?
Pergunto, eu, a Serpente,
eu, o Demónio entrelaçado nas árvores da vida e da ciência,
pergunto se interessa preservar a identidade de coisas como
serpentes e maçãs,
se interessa alguma coisa respeitar
sujeitos como Eva e Adão,
ou, mais importante, se interessa respeitar os direitos de autor
dos seus criadores.
Devem ter sido vários, não é verdade?
Sim, querem que seja Deus o Criador e não uma pessoa humana?
Pois também pode ser isso, um colectivo de deuses a escrever os
textos bíblicos. Que valor merece o monoteísmo?
Perguntas, Lilith, que valor tem o monoteísmo?
Porque é que o monoteísmo há-de ser mais verdadeiro
que Hollywood
ou que a Ilha dos Amores?
O amor não passa de química, baba-se a ciência em toda a sua
cagante sapiência.
Como se o amor fosse apenas cama, suor, maus cheiros,
o corpo esmagado debaixo de outro, a perna em má posição
chiça!, um lamento de dor,
a carne alienígena enterrada na nossa
a exalar cheiros a dente podre para dentro dos nossos sentimentos,
a emoção a desviar-se para longe da repugnância,
desvia-te que me estás a sufocar.......................................
Como se o Amor fosse isso mais os seus resultados
sintéticos:
embriões a quererem ser gente, aborto,
doenças,
a questão social a rodear as consequências
num abraço de reprodução fatal,
não dos indivíduos, sim
dos esquemas ideológicos, dos paradigmas,
dos preconceitos,
dos valores ao nível da cama, do estômago,
da conta bancária, e da reiteradamente
infinita transmissão dos genes.
É isso, o amor? Carne e transa, comércio
de material genético?
E o outro, o Amor?
O amor de quem escreve e nunca viu
aquele a quem escreve
o amor de quem tecla e nunca
percebeu as feromonas de quem
lhe responde?
O amor de quem reza e sabe que Deus não tem face
Deus não é representável
Deus não tem imagem com a qual
se possa adormecer e acordar,
Deus que se deseja
quando a crença é um suporte
de consciência inutilizável,
quando a fé recua para os confins
do Nada - o bastião de reserva fica sendo o desejo.
Por isso, Lilith, quero livrar-me da dor
sem ir parar ao Nirvana......................................................
Esse amor que não tem olhos
ou tem,
mas não vê o evidente, sim o que demora mais além……..
Esse amor, Oski III, que não sente perfumes,
ou sente apenas os cheiros metálicos do computador…..
Esse amor que dizes sentir, Tritão, pela tua deusa,
e que deusa é ela, que já me esqueci?
Que importa? Esse amor sem quem e sem porquê
que mexe contigo, seja ela ou não a tua Deusa,
na distante corrente, esse amor
que desencadeia em ti o motor da escrita
e te eleva do abismo como um facho encandeante
para anunciares que após a tragédia
virá a aurora banhar-nos numa bênção de renovo,
esse amor é mais violento e criador
que o caldo de substâncias bioquímicas a que a ciência
reduz o amor
e do qual resulta apenas ou Nada ou reprodução.
Reprodução infinita das imagens,
Walter Benjamin
Más nada decidirá tampoco con respecto a aquello que buscan desesperados los poetas: una aurora, la aurora primigenia en donde nada tiene ya un "telos", una finalidad, ni ninguna ética un "arjhe" (un arquetipo) pues quizás al mortal solo le quede a aquello de repetir con Rilke - o con Eckardt - "la roza florece sin porqué".
Una estrella que marque otra vez una madrugada. Pero para ello necesitamos no dormir y “ver” allí donde crece “el peligro” porque solo “allí crece también la salvación”.
Oscar Portela
Os vivos fazem muito barulho, Dante Portela.
Atroa o seu zuuuuuuuuuuuuuuum-zuuuuuuuummmmmmmmmmmm,
a respeito de tudo e de nada
a respeito do que julgam conhecer e não conhecem,
como o Amor.........................................................................
Os vivos são o perigo
quando as nossas almas vogam
trânsfugas
de um para outro lado do rio,
depois de pago a Caronte o devido óbolo.
Os vivos não conhecem o valor do silêncio,
nem conheceriam se tivessem lido Hölderlin,
os vivos são o perigo.
Os vivos deviam estar no Inferno por falarem de mais e
sempre no mesmo registo
de máquinas de calcular,
por não saberem estar calados um momento,
nem quando as rosas pesadas de orvalho
abrem as persianas da aurora.
Os vivos deviam purgar-se entre Inferno e Céu
por só desejarem que os próximos em tudo os imitem, desde o vestir ao cagar,
como se fossem modelos – de virtude, disto e daquilo -,
ideais mais do que platónicos na caverna de frívolos paradigmas.
Os vivos não respeitam o silêncio do ouro,
não conhecem as rosas de névoa,
confundem com diálogo a sua incontinência verbal,
e apesar disso, Dante Portela, gabam-se de ter casa no Monte do Paraíso!
Nós, os poetas, vivemos no abismo do Inferno!
A alma que aqui em baixo foi frustrada
não encontrará repouso, nem no Orco,
mas se no teclado lograr o que mais amo
e santifico, a Poesia,
então sorrirei satisfeito
pois, um dia apenas que seja,
terei vivido com os deuses - e isso basta.
(mais ou menos Hölderlin, escrevendo às Parcas).
Basta um minuto com os deuses, Hölderlin Portela,
para ganhar a vida
basta ter por momentos enlaçado
a Poesia.
Sinto o coração mais pequeno do que uma abelha
ao ver-vos, de mão dada, a caminho da aurora,
Lilith e Oski III,
de mão dada, seguis, silenciosamente,
pelas esferas e círculos dos sucessivos
céus da Divina Comédia,
essa alma pátria que vos é exílio,
tropeçando em vírgulas, Donatis, puntos de interrogação
invertidos no início das frases, Vandellis,
Romeus,
e uma esplendorosa criança amada
à distância, sem o apelo das químicas substâncias,
uma criança feita de luz e rosas,
chamada, a Toda-Nova, como o Amor,
ou Deus – sem nome, nome simbólico nem heterónimos -,
Inominada. |