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SEGUNDO DIA - Do “Livro dos Mortos” |
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Na véspera de eu ser iniciada Receando qualquer percalço físico A mim mesma repetia A tão nítida chapa fernandina À mingua de modelo verdadeiro: Neófito, não há morte! Sim, porque o carvão não é inofensivo Faz fagulhas, o lume crepita a vermelho e azul Sobre o veludo negro da morte E o sangue mostra os dentes, seja em fio ou borbotões Enfim, pensava, à falta de outro conforto Que o neófito não morria, e não morre realmente, Apesar de, defunto, Ir vogando entre flores num caixão cheio de luzes Como dos barcos ao longe Dos barcos ao longe carregados de flores Fala esse outro lampião, Camilo Pessanha. Na véspera de eu ser iniciada, temia, Para enganar o terror, sujar a melhor roupa A cavar a minha própria sepultura Em terra húmida, de lama esverdeada, E a nela me deitar ao comprido, como quem à cama regressa Depois de nela ter nascido. Sim, porque não é fútil o carvão Ele queima e deita faúlhas E no petiscar vermelho e azul da sua chama Dormem lobos maus de negro sorriso. E então eu pensava, nesse verdadeiro raciocínio Saído como poucos do húmus de Fernando Pessoa Que a morte iniciática não era morte Como realmente não é Apesar de temer que ela me arreganhasse os dentes Ao cavar por minhas próprias mãos a cova onde me deitaria Assim a rachadora rachando lenha para se queimar O lume acende com achas de cedro O incorruptível - apesar de falso - Cupressus lusitanica Negra lama lume lento lábios frios Ei-la, gélida, que com mão escanzelada me levanta E só dentes e perna de pau avisa: Neófita, levas uma punhalada Se não morres! E como foi estranho e espantoso, Lilith das calças frouxas Representar afinal o papel de Lucy no "Ofício das Trevas" Ali jazendo, com a lápide pesada contra o coração A respirar com dor, ouvindo Morta jazida num berço a vogar no Nilo O rio que é essa fita de água estendida no deserto Entre duas tiras verdes de tamareira Phoenix - será Phoenix? - talvez seja, mas não a reclinata Ali deitada, a Fénix, no negro de uma obra alheia, ouvia O hino a Osíris, Sol que se despede e ao outro dia regressa, Os membros decepados e arremessados para todos os Vales e climas Assim a minha alma estagnava na língua dos mistérios E morria como Osíris, tão estranho, tão estranho não poder invocar Nem pai nem mãe de carne, o Sol pesava de encontro ao coração Muito mais que ligeira pena de avestruz Na balança de Anúbis Eu era aquela morta em absoluto falecida Que noutro mundo tão recuado para fora deste Comezinho mundo de fetos E urtigas confessava Lucy também se confessa em negativo, Lilith, não, eu não matei Não, eu não dormi com a mulher do meu primo Nego, eu não suspirei pelo filho do teu genro Como outrora, a químico, a escrita trespassada para outro lado Do papel se chamava negativo Nego o que na igreja se afirma Ao contrário, renego a mentira, não quero a hipocrisia Nunca se cruzam as mãos, nunca Tudo ao contrário, como na confissão E então a lua de chifres na frente Aqueles dois cornos imensos A enrolarem-se de luz nas sombras da Floresta Negra Curitibana Ladrava de noite entre as hastes esguias das acácias Manchadas de branco como caiadas Para curar as feridas Minha Mãe, a Lua, meu Pai, o Sol, Como podia eu morrer à vossa frente, Nestes paramentos negros de cima a baixo A noite - a Noite era eu, ali despida, E o balandrau atirado Para o céu, fazendo nuvens, eu, morta, Enterrada até às últimas letras De uma estrofe interminável Eterna Lua Diuturnamente assassinada Como Hiram o foi um dia E todas as noites ressurrecta Dessa morte que para o neófito inexiste Minha Lua Lua ó Lua quem és, Lua? Lua, Lua sou eu. |
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