MARIA ESTELA GUEDES
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Em Portugal, temos notícia de sociedades secretas de jardineiros no passado, como tal designadas. São as sociedades keporáticas (do grego képouros, significando jardineiro), como informa Oliveira Marques, num dos volumes da sua obra maior sobre a Maçonaria em Portugal. À Sociedade dos Jardineiros, sediada em Coimbra, pertenceu Almeida Garrett, que deve ter sido, de resto, seu co-fundador. No presente, posso garantir que há carbonários em Portugal - ou pelo menos uma carbonária -, membro da Alta Venda que se localiza na Floresta Negra de Curitiba, Brasil. O bastante para não levarmos muito à letra a "Ordem desconhecida" que o autor fez questão de evidenciar no título da sua obra, nem a sugestão de que só houve jardineiros no passado, e só na Grã-Bretanha. Porém é facto que nem os membros conhecem as sociedades keporáticas. Todas as sociedades iniciáticas são secretas, e os seus historiadores iniciados fazem o que podem para criar obstáculos epistemológicos a quem muito seriamente gostaria de fazer História dessas interessantes sociedades. O caminho está semeado de dificuldades e cascas de banana mitológicas, nas quais alguns acreditam, mesmo depois de os seus mais verosímeis proprietários já há muito haverem relegado o Génesis e outra literatura bíblica para os confins do fabulário. Como em quase toda a literatura que se ocupa destes temas, um dos grandes problemas de Robert Cooper, que não vi solucionado, é o de saber se os maçons jardineiros pertencem ou não à maçonaria... Todo o livro é uma confrontação entre as duas ordens - Maçonaria Florestal ou da Madeira e Maçonaria da Pedra ou Alvenaria -, a testar se são irmãs, boas primas, ou de famílias diferentes, e parece que os maçons da madeira não são de facto maçons, ao passo que os maçons da Alvenaria são verdadeiros maçons... O problema é enorme, concordo, porque, não tendo interesse por aí além, gastam-se com ele tinteiro e gigabytes de paciência, sem chegar a lugar nenhum: as iniciações apresentam estrutura idêntica, os emblemas são idênticos, o funcionamento das lojas é idêntico, o telhamento é similar, até o glossário é em parte igual, para não dizer que não há diferença relevante entre GADU (Grande Arquitecto do Universo) e GJDU (Grande Jardineiro do Universo). Tudo é maçónico de um lado e do outro, mas os maçons têm sempre de comparar com a sua maçonaria a maçonaria alheia, como se não fosse a mesmíssima. Daí absurdos como o que passo a traduzir, página 52:
Estes jardineiros, antes de se terem convertido à maçonaria, faziam parte da loja maçónica Kilwinning Scot Arms. É pelo menos o que escreve o autor. Em Portugal temos uma adivinha cuja solução não é, mas devia ser "Maçon": Qual é a coisa, qual é ela, que, antes de ser, já o era? Outro obstáculo epistemológico, ou impedimento deliberado do acesso do investigador ao conhecimento objectivo destas sociedades, provém do desejo de legitimar uma loja numa genealogia. E surge de novo o absurdo. De um lado, o excessivo rigor com que alguns supostos historiadores das sociedades secretas assinalam a abertura de dada loja, vamos supor em 1601, e não em 1599 (diferença de século...), apesar de estar provado que ela existia já em 1599, porque só em 1601 aparecem documentos a assegurar a sua existência. Posta a data no seu histórico lugar, a seguir, na análise do ritual e da simbólica, não há pudor nenhum em declarar que Adão - mas não Eva, felizmente - foi o primeiro de todos os jardineiros, aquele sobre quem repousa a Tradição, exibida no desenho de aventais, écharpes, fitas e objectos afins. Jardineiros e carbonários pertencem à Maçonaria Florestal ou da Madeira. Em Portugal, tenho notícia dos jardineiros, desde a primeira leva de estudantes que frequentaram, na Universidade Reformada, as aulas de Química, Zoologia, Física, Matemática, etc., ministradas pelos professores italianos convidados pelo marquês de Pombal a preencher esses lugares em Coimbra. Ao seu número pertencem homens como Álvares Maciel, iniciador do Tiradentes na Maçonaria, e José Bonifácio de Andrada e Silva, iniciador de D. Pedro, o que faz deste um imperador carbonário (1). Muito rapidamente acabei de identificar carbonários com jardineiros, e de facto é esse o meu entendimento do assunto: a maçonaria que assenta no reino vegetal e nos trabalhos da madeira (carvoeiros, lenhadores, jardineiros, rachadores, etc.) os seus ritos e simbólica é a Maçonaria Florestal ou Maçonaria da Madeira. A que funda na pedra e nos trabalhos de alvenaria ritos e simbólica é a Maçonaria da Pedra. Robert Cooper apresenta, entre as ilustrações que escolheu, vários emblemas que mostram à evidência, para lá de outros elementos mais conhecidos, a consanguinidade das relações entre jardineiros e carvoeiros. Pertencem ao livro em análise as imagens que mostro, à excepção do catálogo de navalhas de enxertar, coligido na Internet, e da fotografia do alfinete de ouro, acabada de tirar. Em todas as imagens vemos o "couteau de greffe", na tradução francesa, navalha de enxertar, na nossa língua. Parece que a navalha foi enxertada num emblema da Alvenaria, com os usuais compasso e esquadro. Mas pode ser o contrário: a Maçonaria da Pedra é que foi enxertada no emblema da Carbonária. Enxertar é uma operação agrícola que consiste em unir partes de vegetais oriundas de plantas distintas, resultando em uma só planta. Talvez seja este o enigma das duas distintas ordens de sociedades iniciáticas, enxertadas de modo a produzirem uma só planta, que nem é Madeira nem Pedra, sim Maçonaria apenas. Bem curiosa é a navalha de enxertar. Porquê um instrumento de enxertia e não, por exemplo, umas tesouras de poda? A poda é essencial para eliminar asperezas, excessos, ela faz parte do processo de aperfeiçoamento que vai da casca grossa à madeira aplainada. A enxertia, não. A enxertia não se refere a aperfeiçoamento, é criação, arte de gerar um terceiro a partir da união de dois diferentes. Por isso a enxertia é própria dos mestres, está na base de obras-primas na área, vamos dar um exemplo óbvio, o da vinha. As diversas castas são obras de arte, como são obras de arte uma catedral ou um castelo. Ora a arte pouco tem que ver com o natural. Jardineiros hábeis na enxertia também o são no cruzamento de espécies distintas de que resultam novas. Os membros das sociedades keporáticas incluíam jardineiros e horticultores de facto, e era hábito promoverem concursos de horticultura e floricultura. Permutavam sementes, dedicavam-se à experimentação, construíam jardins. Este é o espectro de vivências de naturalistas como Francis Bacon, entre os séculos XVI e XVII, que propunha, entre inúmeras outras maravilhas, novas técnicas de enxertia e obtenção de híbridos por cruzamento de espécies, mas também, no século seguinte, de homens como o Visconde de Barbacena, Vandelli e Lineu, permutando sementes e conhecimentos científicos, e, mais perto de nós, de cientistas como Gonçalo Sampaio e Fernando Frade. Este, embora zoólogo, promoveu concursos de floricultura e descreveu, na Serra de Monsanto, uma lista de flores fortemente acentuadas nos latinos nomes, junto ao miradouro de Salazar. Tal como S. Francisco, também ele falou às aves, garantindo que, pelo seu bico, é Deus que fala. Britiande, 21 de Abril de 2006 |
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O mesmo emblema, com a navalha de enxertia entre compasso e esquadro, aberta na mesma posição e ângulo do esquadro, num alfinete de ouro pertencente a Stella Carbono, inciada na Maçonaria Florestal Carbonária. |
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