MARIA ESTELA GUEDES
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Mais um livro de António de Macedo acaba de sair, Esoterismo da Bíblia (Ésquilo, 2006). De novo uma obra muito cuidada e fundamentada, própria da maior autoridade portuguesa sobre o assunto, segundo creio. E não, não se trata de um padre, como alguns julgam, atentando distraidamente na palavra "Bíblia". Uma breve navegação pelo Google desvendará aos internautas os segredos maiores e menores de António de Macedo, ficcionista, e um dos nossos directores de cinema mais conhecidos, entre outros heroísmos curriculares. Obra extensa, nela se desenvolvem estes principais temas: classificação cronológica dos livros bíblicos, hermenêutica, mistérios e mitologemas da Bíblia, e tradicionalismo esotérico cristão. Padre, o autor? Mas justamente: se algum padre escrevesse o que escreve António de Macedo, seria corrido dos quadros da Igreja, uma vez que a Inquisição acabou nos tempos do Marquês de Pombal. Publicasse ele os seus livros sobre esoterismo no tempo dela e os inquisidores far-lhe-iam a cama numa crepitante fogueira. Ele não é padre, é um alquimístico - ou apenas um sábio. A Igreja católica entende o cristianismo como religião revelada, sem véus, sem mistérios, portanto os textos fundadores também estão desprovidos de significações que exijam, para serem compreendidas, de conhecimentos esotéricos. Defender que há necessidade de iniciação porque existe um cristianismo esotérico, com mistérios e textos de mensagem velada, seria uma heresia. Aliás, António de Macedo não diz que é preciso ser iniciado para compreender a Bíblia, sim que existiu um cristianismo iniciático, diverso daquele que prega a Igreja católica. Seria ou é, ainda hoje, uma heresia para a Igreja, não sei. Não pretendo com isto denunciar António de Macedo a nenhum Tribunal do Santo Ofício, sim contribuir para divulgar a sua obra, por merecer leitura a revelação e explanação desse outro cristianismo, muito diferente daquele a que nos habituámos. O conhecimento não ocupa lugar, é de conhecimento que falamos, ou, melhor dizendo, de outro conhecimento, o que pressupõe pluralidade. Temos estado demasiado habituados a supor que dadas instituições detêm o exclusivo do conhecimento - a universidade, detentora do conhecimento científico, considerado o único verdadeiro; a Igreja católica, detentora do conhecimento cristão, considerado o cristianismo a única religião verdadeira - e falta-nos por isso abertura de espírito para admitir que há muitos conhecimentos, muitas vias de acesso a ele, e que todos são igualmente válidos, uma vez que nenhum se pode arrogar a pretensão de ser dono da Verdade. Quando tal pretensão se patenteia de forma física - ao dar corpo à repressão, à exclusão social, à perseguição política - então estamos face a manobras oportunistas de manipulação dos indivíduos, através da transmissão de valores que se exige eles reproduzam. O quadro não se cinge ao aparelho repressivo de um Estado, partido ou agremiação, em geral parte da célula-base, a família. A família é um aparelho de reprodução de valores, no qual com dificuldade se aceita a diferença. Um artista numa honesta família pouca dada a actividades intelectuais, por exemplo, tende a ser rejeitado, porque não reproduz o sistema de valores vigente, entendendo-se, no caso específico, que os valores vigentes nessa família são os da pouca instrução, e correlata falta de apetência pela cultura. Existisse A Verdade, como O Livro, e poderíamos queimar não só a biblioteca de Alexandria, como todas as que existem no planeta, incluídas as virtuais, pois bastaria, para suprir as necessidades de espírito do Homem, esse Livro, ou essa Verdade. Felizmente, não parece que exista tal foco de poder, capaz de tudo destruir. O que existe é propaganda, vontade de controlo por esta ou aquela instância, quando se apresenta como detentora dessa tal Verdade ou desse tal conhecimento único, excluidor de outros. António de Macedo tem conhecimento, e por isso o seu poder pessoal, sobre os textos bíblicos. A Bíblia não é monopólio de nenhuma associação religiosa em especial, e este livro à evidência manifesta as lacunas que existem na interpretação católica, excluidora do mistério e de tudo o que ele comporta, enquanto via iniciática. |
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TEXTOS DACONTRACAPA António de Macedo in Preâmbulo |
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