Se confrontarmos catálogos faunísticos (e distinguirmos as referências à existência de certos animais da sua efectiva colheita em dada ilha), vemos que há incoincidências. Por exemplo, Feijó, no séc. XVIII, referiu a existência de algum Flamengo nas salinas. Boyd Alexander (1898) viu colónias de Phoenicopterus ruber. A tratar-se de extinção, tinha de ser ao contrário: Feijó é que devia ter visto muitos e Alexander só um ou dois. Receio, de resto, que o termo extinção seja impróprio quando aplicado localmente a aves migradoras, que não nidificam nos ilhéus. Digamos assim que, se o flamingo abandonou definitivamente o arquipélago, não foi no séc. XVIII, sim já no séc. XIX. Ele frequentava-o no tempo de Feijó, simplesmente à data em que escreve (Abril de 1783), as colónias ainda não teriam chegado, já teriam partido, ou a seca tê-las-ia afastado provisoriamente das ilhas. Os flamingos chegam a fazer viagens de dez mil quilómetros, não têm dificuldade em fugir à crise, podem é tê-la para encontrar nichos substitutos.
Em 1955, a instâncias de F. Frade e R. de Naurois, começaram a sair decretos e portarias para salvaguarda das aves, em particular Falconiformes, as mais ameaçadas. Essas portarias previam ainda a protecção do M. coctei, algo póstuma. As colónias de aves marinhas, no Raso e no Branco, outrora grandes, têm vindo a sofrer baixas tão assustadoras que os mesmos autores propuseram que os ilhéus passassem à categoria de reserva integral. Todo o arquipélago tem vindo a empobrecer muito rapidamente, no que toca à diversidade biológica e ao número dos efectivos populacionais, por isso, nada mais lógico do que supor que fosse mais rico há duzentos anos, quando Feijó o explorava.
Até aqui, algumas baixas entram talvez no domínio da extinção. Mas já a circunstância de uma equipa de entomólogos não ter encontrado, em 1969, 1970 e 1972, um único exemplar de Homoptera nas ilhas de S. Vicente, Branco e Raso, não parece dever-se só a súbito extermínio, antes à seca que durava havia seis anos consecutivos, como informa I. Fernandes (1975). Se bem que a autora não interprete o fenómeno, se limite a falar da seca e depois a registá-lo como inusitado, é de crer que tais insectos ali existiam anteriormente, hão-de ter reaparecido, pois parte pelo menos da população, a que não sucumbiu, dá ideia de ter permanecido inactiva, em ovo, ou emigrado por qualquer meio para ilhas menos castigadas.
Casos de desaparecimento súbito de espécies não são raros. A Alauda rasae, confinada a cem hectares, pode baixar a tal ponto de efectivos durante as secas, que José Correia (interpretação minha, atendendo ao esforço dos Bannerman para entender o enigmático calendário fornecido por esse colector), não apanhou um único exemplar. No entanto a Calhandra-do-Raso foi reencontrada e neste momento ainda existe. Naurois (1969) dá-nos das flutuações populacionais da Alauda uma imagem significativa, bem como da vegetação do seu nicho ecológico:
Lorsque nous débarquâmes pour Ia première fois sur Raso, au début de janvier 1962, c' est un pullulement d' adultes et d' immatures qui nous attendait... Em même temps une végétation fraîche et relativement abondante recouvrait les sols fertiles. Lors de quatre autres visites effectuées au cours des années suivantes nous ne trouvâmes, au contraire, qu' une île desséchée d' où toute verdure avait à peu près disparu. II ne fallaít pas s' attendre, dans ces conditions, à découvrir une reproduction. II nous parut d' ailleurs que Ia population allait diminuant d' année en aunée: moins de 50 couples en octobre 1965, moins de 40 en mars 1968... L' écologie d' Alauda rasae est donc dominée par un fait d' importance majeure: Ia faiblesse des précipitations et plus encore leur irrégularité... En ces régions, en effet, les chutes de pluies n' affectent le plus souvent que des surfaces restreintes. C' est ainsi qu' en octobre 1965 et mars 1968, les montagnes occidentales de S. Nicolau étaient recouvertes d' un beau manteau vert tendre, alors que sur Raso, comme sur Branco et S. Vicente, l' aspect étaít celui d' une terre brulée.
O mesmo omítólogo, em 1969, não cita a Oceanodroma castro nem para o Raso nem para o Branco. Estava e está ameaçada, mas reapareceu (Frade, 1976). Ao contrário porém da residente Alauda, cujos sobreviventes parecem ocultar-se, a Oceanodroma castro, apesar de falsa migradora, tem possibilidade de mudar para outras ilhas.
Outro exemplo da inconstância no local das populações animais provém de Margarida Pinheiro, que tem estudado a herpetologia de Cabo Verde (1988):
Para além da extinção do M. coctei, do confinamento de Mabuya vaillanti na ilha de Santiago, M. stangeri spinalis parece estar hoje também confinada à ilha de Santiago, onde deve ser rara. É por isso necessário concluir que as populações de Sincídeos do arquipélago de Cabo Verde têm vindo nas últimas décadas a sofrer profundas modificações e algumas a reduzir a sua área de distribuição.
Nada impede de pensar que a redução dos efectivos e das áreas de distribuição não se vem verificando só nas últimas décadas, sim desde que o arquipélago, outrora deserto, foi colonizado pelo homem. Ou mesmo desde sempre. É sabido que Cabo Verde está sob o efeito de desertificação progressiva. Margarida Pinheiro, neste trabalho, é a primeira pessoa a referir a existência de Mabuya stangeri em Santiago e S. Nicolau, dizendo que a introdução deve ser recente. No tempo de Bocage, o desaparecimento do M. coctei de outras ilhas e a sua introdução no Raso e no Branco também devia ser recente.
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