Macroscincus coctei (Duméril & Bibron, 1839) foi uma das mais célebres espécies de animais na zoologia do século XIX, ligando-se em Portugal ao nome de José Vicente Barbosa du Bocage (1823-1907). A descoberta deste Scincidae, decorrente da política europeia em África, relaciona-se com a escravatura, guerras várias, fenómenos culturais de sinal contrário. reflectindo mais de duzentos anos de convulsões. Dos ilhéus Branco e Raso, em Cabo Verde, minúsculos, desabitados, áridos, grandiosos na massa vulcânica, mas desnudos de árvores e humildes na vegetação, vai parar à corte de D. Maria I, assistindo, se assim se pode dizer, a um maquiavélico processo de intriga, cujos métodos lembram os do Santo Oficio, destinado a lançar em desgraça um dos mestres italianos outrora chamados por Sebastião José a leccionar em Coimbra, no âmbito da expulsão dos jesuítas e subsequente reforma da Universidade.
Desde a primeira captura registada, atribuída por Bocage a João da Silva Feijó, em finais do séc. XVIII, e a descrição de Duméril e Bibron, em 1839, que o classificaram como Euprepes coctei, viveu meio século de eclipse, dele se conhecendo apenas o exemplar tipo. Mais quase quarenta anos continuou obscuro, até Bocage, em 1873, receber três espécimes vivos do ilhéu Branco, acontecimento tão exaltante que o consdera uma "ressurreição da espécie".
Nos quarenta anos seguintes, o animal tornou-se uma celebridade na Europa, objecto de captura intensiva por solicitação dos museus e jardins zoológicos mais importantes. Cerca de 1915, deixou de ser encontrado, daí que começasse a mergulhar aos poucos no esquecimento. Nos nossos dias, dir-se-ia i ressuscitar pela segunda vez, estimulando paleontólogos como Schleich a pesquisas no terreno, a fim de se certificar da sobrevivência ou extinção, e outros, como o evolucionista Greer, a aprofundar-lhe as relações filogenéticas, e a dar uma explicação dos problemas que levanta, ainda não de todo esclarecidos.
Eis as particularidades da espécie, apontadas quer por cabo-verdianos e naturalistas que a observaram nos ilhéus, quer pelos biólogos que a estudaram em cativeiro, denunciadoras da confusão que instaura:
a) Considerada exclusiva dos ilhéus Branco e Raso, de clima desértico, sujeitos a secas que podem durar sete anos consecutivos;
b) Gigantismo: dito o maior Scincidae da Macaronésia e o segundo maior do mundo;
c) Dentição profundamente modificada na direcção do herbivorismo;
d) A cauda é preênsil, própria dos animais arborícolas; a autotomia e regeneração desse apêndice foi comprovada em quase todos os animais estudados;
e) Gordo, pesado, os movimentos são pouco ágeis;
f) Dieta exclusivamente vegetariana, e mais frugívora do que herbívora; aceita todo o tipo de alimento vegetal, incluindo sopas de pão;
g) Estudos recentes de ovos e de esqueletos de aves pelágicas encontrados em Santa Luzia, e ilhéus Branco e Raso, não revelaram marcas de dentes que provassem terem sido predados outrora pelos Macroscincus coctei;
h) Segundo os mesmos recentes estudos, foram encontrados ossos de lagartos, mesmo um monte deles, no que se pensa ter sido ninho de Falconiformes; não porém de M. coctei; deste não foram encontrados esqueletos, peles nem excrementos, nenhum vestígio do animal foi detectado nos ilhéus;
i) Vários M. coctei foram enxotados dos buracos usados como ninho por aves pelágicas, quando se procedia a explorações ornitológicas;
j) Alimentava-se de insectos, plantas, sementes, ovos e crias de Procellariiformes, e foi visto a comer uma cagarra ainda viva;
k) A pupila é perfeitamente circular, própria da generalidade dos sáurios diurnos;
l) Observaram-no a apanhar sol em cima das rochas;
m) A sua actividade vai de vesperal a nocturna, mantendo-se escondido durante o dia e preferindo alimentar-se de noite;
n) Exclusivamente activo na época das chuvas;
o) Foi visto em actividade em tempo seco ou de seca.