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:::::::::::::::::::::::::::Maria Estela Guedes:::

DOIS CASOS SECRETOS EM CIÊNCIAS NATURAIS
Lisboa, 1994
(Trabalho apresentado para concurso a Assessor, no Museu Bocage. Distribuição restrita)

INDEX
Onde se apresenta o autor das cartas anónimas, Lineu mostra quem de facto era Vandelli, surge o nosso primeiro catálogo faunístico lineano, e se diz que amoR é o nome da rosa

Quem redigiu os documentos a que dei o título de Secreta carmina foi muito provavelmente um Principal da Ordem dos Franciscanos. Parte da sua obra escreveu-a numa cela do Convento de Jesus. Aí fundou uma academia, aí recebeu filósofos estrangeiros, e jovens da nobreza a quem deu aulas. Apenas por curiosidade, refiram-se dois títulos seus: Pastoral de 17 de Novembro de 1779, mandando fazer preces para obter chuva. E Advertências criticas e apologéticas sobre o Juízo que nas matérias do B. Raymundo Lullo formou o dr. Apolónio Filomuso, e comunicou ao público em a resposta ao "Retrato de morte-cor", que contra o autor do "Verdadeiro Método de Estudar" escreveu o reverendo D. Aletófilo Cândido de Lacerda.

Houve quem pedisse para Verney a pena habitual em tais casos. Pratinho trivial em suspeitos de heresia era a fogueira. O nosso franciscano tomou a defesa de Verney, na polémica gerada pelo "Verdadeiro Método de Estudar", pois ambos assentavam as pedras do edifício reformador.

Há quatro principais doutrinários da reforma: Padre Luís António Verney, Ribeiro Sanches, Francisco Xavier de Oliveira (Cavaleiro de Oliveira) e Frei Manuel do Cenáculo.

O primeiro morre na miséria, o segundo diz-se que também, mas não deve ser assim, pois foi médico da czarina Ana Ivanovna e dos exércitos imperiais. Os russos pagavam-lhe a aposentação, em Paris. O Cavaleiro de Oliveira foi queimado em boneco de lã no Rossio, em 1761, vinte anos depois de se ter exilado em Londres e na Alemanha. Quando lhe contaram que a sua efígie tinha ido parar à fogueira, comentou que nunca sentira tanto frio na sua vida.

O quarto continuou no Paço após a queda de Pombal, apesar de seu braço direito, suficientemente íntimo para andar de coche com ele. Fizera parte do Conselho de S.A.R., D. José I, fora incumbido de arranjar casamento aos netos e a D. Maria, era padrinho de crisma do príncipe D. José, e além disso saberia muito. Algumas das suas missões diplomáticas foram confidenciais.

Amigo e colaborador de Cenáculo era Frei José de Jesus Maria Mayne (Mayone), cujas colecções de história natural legaria à Academia das Ciências, transitando depois para a Escola Politécnica.

Quanto ao segundo título de Cenáculo, o Beato Raimundo Lúlio é um conhecido filósofo franciscano e alquimista da Idade Média, nascido em Palma de Maiorca. Começou por ser poeta erótico, e acabou lapidado pelos mouros, aos quais pregava a fé cristã. O lulismo ganha certo renovo em Portugal por acção de Frei Manuel do Cenáculo, adoçando-lhe o anti--escolasticismo. A reforma, para se impor, teve primeiro de expulsar os jesuítas. Seguiu-se a do seu "abominável filósofo", o inocente Aristóteles, pai do esprit de système. A guerra continuou, e não foi só de palavras, basta ver como acabam os reformadores; basta pensar que a reacção anti-pombalina acusa a Universidade de usar livros heréticos; que só os termos "química" e "física" já estarreciam os conservadores; que o Colégio dos Nobres não vinga; que de um tão enorme esforço financeiro e intelectual, só um prolongamento se impõe e alcança brilho, sob D. Maria I, a Academia Real das Ciências; que, mal D. José I se apaga, Pombal é escorraçado. Da reforma, sentimos hoje os efeitos, porque a estrutura da nossa Universidade ainda é a pombalina. A mudança foi um terramoto, passava-se da Idade Média cristã para a modernidade laica. Pensemos só nisto: antes dela, os estudantes só falavam latim nas aulas. Depois, começaram a falar a língua materna. Antes, as únicas criaturas que tinham experiência de laboratório (oficina) eram os alquimistas. Depois, Vandelli ensinou os alunos a fabricar um aeróstato, por duas vezes posto no ar. Antes, havia cadáveres de plantas estampados em papel. Depois, Vandelli ensinou a olhar para as plantas vivas, os jardins botânicos apareceram com esse fim pedagógico, e a ele se devem em grande parte. A reforma pombalina foi de arrasar. Por isso mesmo, arrasou e foi arrasada: na altura, eram tão poderosas e violentas as forças em confronto, que se anularam. Afogou-se assim em intrigas, ódios, repressão, injustiças, de um lado e do outro. Os Secreta carmina dão-nos a imagem dessa guerra latente, mantida até tarde nos bastidores. Façam-se as contas: 1772 é a data da reforma. Em 1803 ainda estes jubilados, reformadores e reformados andam à bulha.

Ao contrário de Verney, Cenáculo não excomungou de todo a escolástica. Dava porém mais atenção à História da Filosofia, como propedêutica ao estudo das diversas faculdades (disciplinas), no que viria a ser a principal linha de força das reformas. Na atitude pessoal, enquadrada no espírito das Luzes, nota-se o desejo de reformar a vida social do homem, nessa medida agindo como pedagogo e político. É o que se verifica também na reforma da Ordem franciscana, por ele empreendida: os frades, além das humanidades, passaram a aprender geometria, história natural, agricultura, física e geografia. A agricultura interessou-o muito, promoveu-a no Alentejo. Do mesmo modo, na Universidade, aos estudantes de Medicina exigia-se que soubessem, além do grego, escrever fluentemente em latim. E aos de Teologia, que tivessem umas noções de história natural.

Cenáculo estudou em Coimbra, onde depois deu aulas de Teologia. Foi confessor do príncipe D. José, filho de D. Maria I. Em 1768 é nomeado seu preceptor. D. José era o príncipe herdeiro, deixou o trono a seu irmão, D. João VI, ao morrer de varíola. O Príncipe do Brasil, cuja soturnidade Beckford lamentava, ao relatar a homenagem dos pescadores à rainha, por esta haver suprimido o imposto sobre o bacalhau. Este é ainda o "Príncipe Nosso Senhor" de quem Feijó dizia ser o indigno naturalista em Cabo Verde. Em termos oficiais, é ao seu serviço que estão todos os naturalistas, daí que por vezes digam enviar ao "Príncipe N. S." os produtos ultramarinos. Foi para seu recreio e ensino que D. José I mandou construir o Real Jardim Botânico da Ajuda, dirigido por Domenico Agostino Vandelli. Vandelli ouviu muita missinha e sermão do preceptor de D. José, quando planeava o Jardim da Ajuda, antes de em 1772 ser nomeado para Coimbra.

Frei Manuel é o frade que à evidência faltava no cenáculo de Feijão, amigo de João da Silva Feijó e de Alexandre Rodrigues Ferreira, conhecedor dos artigos secretos da sua comissão em Cabo Verde e no Brasil. Um erudito, mestre de eloquência, mais adepto de Sócrates que de Arístóteles, por consequência leitor de Platão, perito em grego, latim, siríaco e árabe, dominando ainda o russo, o alemão, o castelhano, o francês, o inglês e o italiano.

Dom Frei Manuel do Cenáculo de Vilas Boas (n. Lisboa. 1724; m. Évora, 1814) tem da filosofia a ideia de que deve ser um meio capaz de abarcar todas as áreas do saber, e é de facto como detentor de um aparelho intelectual omnicompreensivo que o vemos a alinhavar as tais "cartas anónimas", sem fins de publicação. Os Secreta carmina jamais poderiam ser publicados por ele, trata-se de critério (crítica) a uma carta particular de Brotero, enviada a alguém com os fascículos da Flora Lusitanica. Aventa Fernandes (1950) que ao ministro Rodrigo de Sousa Coutinho, e que tal carta terá sido copiada e posta a circular clandestinamente. Não vou contra, a espionagem e contra-espionagem são flagrantes. Já não me parece tão óbvio que se envie ao ministro um trabalho destinado a publicação. A menos que fosse intermediário. Quem virá mais tarde a ser acusado de obstruir a edição da Flora Lusitanica será o inevitável Vandelli. Como se lê nos Secreta carmina, em 1803 ainda Brotero não tinha acabado a Flora, encomendada em 1791. É dada à estampa em 1804, donde se pergunta: onde mora o tal adiamento?

Aceitou-se a palavra de Brotero ao depreciar Vandelli no ponto de vista científico. O que ele lhe crítica é o seguinte:

Vandellius, Beira meridionali Exfremaduraque obiter prospectis, quoddam Florae Lusilanicae Specimen evulgavit, in quo vix nonnula plantaram generica et trivialia Linneana nomina, secundum ejusdem Botanici sexuale systema digesta, reperiuntur; nulla locorum, in quibus ipsae occurrant, data noticia: quid de hoc pauperrimo opusculo sentiendum, judicent alii; illud tamen mihi nil adfuisse fateor. (Brotero, 1804)

Para já, Vandelli tem umas quatro floras, duas com título parecido mas não igual ao referido, e Brotero nem sequer deixa claro de qual delas está a falar. Para professor universitário, começa mal. Diz que Vandelli prospectou de passagem a Beira meridional e a Estremadura e que não indica os locais onde as plantas ocorrem. Não, não indica, porque, primeiro, ocorrem mas não são daí; segundo, Lusitânia bastava; terceiro, se Brotero pôde herborizar na Serra da Estrela e idênticos locais, foi por Vandelli ter sido a primeira pessoa em Portugal a promover o estudo das plantas e animais indígenas, e respectivas explorações. Que não usasse o sistema de classificação baseado no sexo das plantas, como Lineu ensinara, nem indicasse os vernáculos, é mentira. Ou calúnia, como se prefira. Que o opúsculo de Vandelli seja paupérrimo por ser um opúsculo, em comparação com os dois volumes da sua Flora Lusitanica (1804), é trocar qualidades por algarismos. Dei-me entretanto ao desenfado de passar os olhos por uma flora de Portugal dos nossos dias, e só peneirando-a sobram espécies de Brotero, donde a sua Flora é hoje tão folículo como qualquer outro catálogo do séc. XVIII ou mesmo do XIX. Fiquei até na ideia de que Link, se de política não percebia nada, de botânica ainda entendia alguma coisinha, pois, apesar do furto broteriano, sobejam dele mais espécies que do furtador.

A Florae, et Faunae Lusitanicae specimen, de Vandelli, apresentada em Coimbra em Abril de 1787, e publicada dez anos depois nas Memórias da Academia, é muito curiosa, abre boas perspectivas de trabalho, se alguém quiser pegar nela com esse fim. Há poucas descrições, limita-se quase só à lista de umas centenas de nomes científicos e vernáculos, reconhecíveis na sinonímia, donde não é incipiente. O seu interesse não está em tratar-se de uma flora mais uma fauna, sim no resultado do conceito que ele tinha de flora e fauna lusitânicas: as plantas e animais referidos não são apenas os indígenas, sim tudo aquilo que existia ao vivo em Portugal e de que ele tinha conhecimento. Explica na nota de abertura que as espécies assinaladas com asterisco são exóticas. Ele inclui a Numida meleagris, o Cyprinus auratus, uma quantidade de Passeres que devem ser sobretudo brasileiros, papagaios, araras, cisnes, o urubu, a zebra, o veado, o coati, a onça, macacos, etc.. Onde é que hoje, em Portugal, encontramos a zebra, o coati, a galinha do mato? Como é que foram transportados os peixes dourados, desde a China até Lisboa? Se ele menciona como exóticos os peixes da China, o coati e as onças, porque é que não menciona a Python sebae ou o Macroscincus coctei? Se ele menciona a zebra, porque é que não menciona a anaconda? Ele conhecia a anaconda, como conhecia o elefante. Pergunto de outra maneira: o que há de semelhante entre um rinoceronte e uma anaconda, para ele não os mencionar? O que há de semelhante entre um coati e uma ave-do-paraíso, para ele os dar como pertencendo à fauna exótica lusitânica?

Há um pormenor a notar que não é irrelevante: Vandelli começou a escrever uns trinta anos antes de Brotero, está mais próximo do que ele de Lineu, e além disso Brotero foi aluno de Buffon, que rejeitou a nomenclatura latina lineana. Dez anos de exploração no Brasil bastaram para Alexandre Rodrigues Ferreira, ao chegar a Lisboa, se ter sentido ultrapassado. Não podemos ler estes trabalhos só à luz do que mantêm de válido, nem só à do avanço científico que na época representaram em bloco, também à das diferenças de geração entre eles. Nesta perspectiva, é natural esperar que Brotero tenha contribuído com algo mais do que aquilo que em Lineu e em Vandelli encontramos. Hoje, qualquer assistente é capaz de saber mais de herpetologia do que Vandelli, o que nenhum mérito tem. Daqui a cem anos, quando alguém voltar os olhos para o séc. XX, esperemos que seja capaz de ler os textos à luz do que sabemos agora, e não à do que se saberá daqui a cem anos. No tempo de Brotero, é possível que já se considerasse pertinente identificar o local exacto de colheita, se bem que, cem anos mais tarde, o conceito de habitat seja ainda político-geográfico. Ou seja: ainda está para se implantar a biogeografia. Se consigo entender os naturalistas do séc. XVIII, o habitat interessava-lhes como espaço alienígena, território da diferença, produtor do que não existe no local onde vivemos. Imagino que o exótico tivesse para eles o poder de fascinação que hoje sentimos pelos extraterrestres. Vandelli fala do território das Conquistas, literalmente "território onde se conquista". E de facto conquistava-se o interior de África e Brasil. No séc. XIX, penso que já não interessa tanto a diferença, o exótico deixou de seduzir, ninguém fala em território das Conquistas, sim em Possessões portuguesas de África ou América. Conquistar e possuir são coisas completamente distintas. Quem conquista é o sedutor/seduzido. Quem possui é o dono. Se no séc. XVIII o habitat tem algo a ver com o espaço do desejo, no séc. XIX exprime-se como propriedade nacional.

E diz Brotero que Vandelli não menciona os locais de ocorrência? Como assim? O facto de se ter apanhado, no Jardim Botânico da Ajuda, o primeiro lagarto descrito como Euprepes coctei, tem algum interesse zoológico? Por força o Jardim Botânico tinha de ser a sua terra typica? E se terra typica significa só "local onde se capturou o exemplar que serviu de modelo à descrição", que importância zoogeográfica tem isso? O animal pode ter sido capturado nas margens do Ganges, terra natal da família, de onde o trouxeram de barco para Lisboa.

Qualquer pessoa vê logo que as terras atípicas de grande parte das espécies citadas por Vandelli são os jardins e parques portugueses, e isto é muito interessante: havia animais exóticos à solta em certos locais, e não me refiro só a faisões. No Jardim Botânico da Ajuda, não havia só árvores, plantas, e lagartos empalhados. Logo à entrada ficava o terrário, para estudo dos répteis e mamíferos vivos trazidos dos territórios das Conquistas; pelo jardim dentro, havia gaiolas com viveiros de aves ornamentais e não ornamentais. Alguns andariam à solta, uma vez que não era público, o portão estava fechado, e só por especial deferência e mediante retribuição ao porteiro, "les honnêtes gens" lá podiam entrar (Link, 1803).

O opúsculo de Vandelli é precioso, diz-nos que animais exóticos vivos podiam ser conhecidos no séc. XVIII em Portugal, mais de um século antes de aberto o Jardim Zoológico de Lisboa. Em fins do séc. XIX, ainda o nome de Bocage aparece em prospectos de futuros sócios-fundadores do Jardim Zoológico; Vandelli, no séc. XVIII, pelos vistos já tinha fundado o seu precursor.

Vejamos que espécies herpetológicas menciona ele nessa obra, o primeiro catálogo da fauna portuguesa em moldes lineanos que se publicou no nosso país. Na parte II. SERPENTES, vem a Coluber Berus (Vipera berus seoaneí) e as descrições de Coluber aspis (Vipera latastei latastei?) e de Amphisbaena Cinerea, o alicanço. O seu nome permanece ligado à última: Blanus cinereus (Vandelli).

Os nomes que ele refere são os do Systema Naturae. Não há aqui nenhum nomen nudum, nome despido de conteúdo biológico. Isto passa-se no séc. XVIII, o que pode acontecer é ele não dispor de meios para se aperceber de que alguns dos seus espécimes pertenciam a formas novas. Mesmo hoje, os herpetologistas têm dificuldade em distinguir certos táxones, e naquele tempo ainda não se lidava com variedades geográficas. Segundo o Prof. E.G. Crespo, a quem pedi conselho neste assunto, é possível, embora improvável, que Vandelli tenha citado a Vipera aspis, pois existe em Espanha e é muito difícil de distinguir de Vipera latastei latastei (Boscâ). O mais natural, entretanto, é tratar-se da segunda.

Vandelli não menciona a Testudo coriacea (Dermochelys coriacea), tartaruga-lira de que foi capturado um espécime na costa de Peniche, rara, muito mal conhecida na sua época, e cuja descrição, publicada em Pádua em 1761 (vide bibliografia), enviara a Lineu. Este inclui-a no Systema Naturae (Tomo I, pág 350, 1766, verificado in loco pelo seu inimigo Bettencourt-Ferreira, em 1911), dando o seu a seu dono: Testudo coriacea Vandelli. O espécime de Peniche era dos maiores conhecidos, pesava mais de quatrocentos quilos. Esta espécie tem passado como pertencendo a Lineu. Em 1980, Fretey & Bour, em "Redécouverte du type de Dermochelys coriacea" (Boll. zool., 47), repuseram definitivamente a verdade dos factos, atribuindo a Vandelli (1761) a genuína autoria da espécie.

A Rana rubeta era conhecida antigamente por "rubeta"' ou "rã das moitas", e considerada venenosa; do lat. rubetum, silvado. Repare-se ainda que Vandelli menciona um Scincidae e um Gekkonidae, mas não conhece ainda o vernáculo "osga".

A Rana temporaria existe na Península Ibérica. A forma que mais se lhe assemelha em Portugal é Rana iberica (Boulenger), devendo ser esta a citada por Vandelli, na opinião do Professor E.G. Crespo.

Na Faune de France, Angel (1946) cita a Lacerta agilis Lineu. Lacerta vulgaris L. equivale hoje a Triturus vulgaris, de acordo com a sinonínia do mesmo autor para este tritão. Existem em França, pelo menos.

Embora não tenha encontrado equivalência para Lacerta aquatica, por estar ao pé dos outros anfíbios, e por a salamandra preta ser "o mais aquático dos urodelos portugueses" (Crespo, 1971), ponho por aproximação que se trate de Pleurodeles waltl.

Em itálico, menciono os nomes actuais, correspondentes às espécies provavelmente registadas por Vandelli. Na maior parte, encontrei-os nas didascálias de E. G. Crespo (1971: 1972).

AMPHIBIA

I. REPTILES

Testudo mydas - tartaruga. Chelonia mydas (Linnaeus)

T. orbicularis - cágado. Emys orbicularis Linnaeus

Rana bufo - sapo. Bufo bufo spinosus Daudin

R. rubeta. Bufo bufo spinosus Daudin

R. temporaria. Rana iberica Boulenger

R. esculenta - rã. Rana perezi Seoane

R. arborea. Hyla arborea molleri Bedriaga

Lacerta agilis - lagarto. Lacerta lepida lepida Daudin

L. viridis - sardão. Lacerta schreiberi (Bedriaga)

L. algira. Psammodromus algirus algirus (Linnaeus)

L. seps. Chalcides chalcides striatus (Cuvier)

L. gecko. Tarentola mauritanica mauritanica (Linnaeus)

L. marmorata. Triturus marmoratus marmoratus (Latreille)

L. vulgaris. Triturus boscai (Lataste)

L. aquatica. Pleurodeles waltl Michahelles

L. salamandra - salamandra. Salamandra salamandra gallaica Seoane

Para voltar aos Secreta carmina, o fraseado é por vezes sibilino. Que Brotero era maçon, parece não sofrer dúvidas, Oliveira Marques inclui-o, embora com elas, no seu Dicionário da Maçonaria Portuguesa. E entretanto descobri um artigo de Palhinha (1945) acerca de Vandelli, a defender o valor científico da sua obra, e a lamentar toda a injustiça com que foi tratado, no qual leio entretanto silêncios pitorescos: por um instante, ao lembrar o que Link escreveu, há uma centelha de suspeita na sua mente acerca de Brotero, mas logo a deixa apagar-se. Palhinha sente admiração pelo botânico português. Será só isso, porém, o que o impede de ler mais atentamente o alemão? Outro silêncio diz respeito às cartas de Lineu para Vandelli, incluídas por este na sua Flora Lusitanicae et Brasiliensis Specimen (1788). Palhinha informa que o sueco chama ao italiano a Fénix da sua pátria. É um grande elogio, mas há mais e diferentes. Não é preciso saber muito latim para perceber que Lineu diz ter recebido a "divina obra" de Vandelli (accepit Tuum divinum opus), que ficou estupefacto por este não só ter conseguido ver o exterior, como ir além do vestíbulo e iluminar os mais divinos mistérios do Sacrário da Natureza, e que devorou dos pés à cabeça as Dissertationes Tres (1758), oferecidas pelo celebérrimo autor. Esta tripla obra trata de águas medicinais, de insectos, zoófitos marinhos, da reprodução de anelídeos terrestres e da ténia dos cães. A carta é dirigida ao Viro Amplissimo, & Celeberrimo D. D. Dominico Vandellio:

accepit Tuum, Vir Celeberrime, vere divinum opus, s: Dissertationes tres; ut Tabulas inspexi, seposui negotia omnia, nec prius acquiescere potui, quam totum librum a capite ad calcem devorarem. Stupefactus vidi Te gentis Tuae Phoenicem, non contentum exteriori Naturae cortice, non in vestibulo ejus haerere, sed introspicere, in divina secreta descendere, & quae in interiori Naturae Sacrario clausa fuere, in apricum educere. (Lineu, 3 de Fevereiro de 1759).

Aos vinte e tal anos, Vandelli era celebérrimo na Europa e é o próprio Lineu quem no-lo diz. Vale, & me porro ama, despede-se nesta e noutras cartas. "Adeus, e acima de tudo, ama-me". Noutro nível, estes homens viviam de facto no território das conquistas, muito diverso do das possessões. A diferença é que um habitat está lá em cima, algures, na sétima esfera, o outro cá em baixo, na caverna.

Porque é que Palhinha ficou só à entrada do sacrário, e não o abriu? Avento: para poupar Brotero, e também por obediência à regra do silêncio. A linguagem destas cartas não aponta só a ciência profana, e o nome de Ruy Telles Palhinha figura nas histórias da maçonaria portuguesa (Carvalho, 1993).

A Brotero é atribuído pelo franciscano um "Enthusiasmo" nada contagiante; ora "entusiastas" era o nome exprobatório que os católicos davam a uma ramificação protestante, o pietismo alemão. Por debaixo do termo "Reforma" não há só o ensino, há também o luteranismo e o jansenismo, e aproveito para dizer que um dos factores mais determinantes para o declínio da escolástica foi a defesa da livre interpretação da Bíblia, empreendida pela Reforma. O livre arbítrio, com a valorização do juízo individual, desferiu um golpe ao magister dixit: o aprendiz passou a ter voto na matéria. Era no professor que os estudantes votavam, Cenáculo refere-se a esse sufrágio, censurando os que por isso aprovavam os reprovandos. A filosofia hermética sempre foi mais longe do que isso, ao prescrever não só a liberdade, como a impossibilidade absoluta de acesso ao conhecimento a não ser pela descodificação pessoal dos símbolos. A simbólica é universal, mas a sua interpretação é caso estritamente subjectivo (que diz respeito ao sujeito da gnose), afectivo, mesmo amoroso.

Com Cenáculo estamos na presença do catolicismo puro, apostólico e romano. Frei Manuel foi Qualificador do Santo Ofício e presidiu à Real Mesa Censória. Não havia papelinho, publicável ou impublicável, para publicar ou para manter sob a etiqueta Top Secret, que lhe não fosse ter às mãos. O seu nome não figura nem como inquisidor nem como pregador nas notícias dos autos celebrados pela Inquisição, porque estava só ligado às escolas e ao ensino. Em todo o caso, pertence à família. A Inquisição era um dispositivo da Contra-Reforma, destinado a combater o protestantismo, o judaísmo, o islamismo, o ateísmo e as heterodoxias, ou seja, quanto andava a corroer a dominância católica nos países europeus com essa tradição religiosa. Donde presumo que Cenáculo não tivesse contactos nem com a maçonaria nem com os jacobinos. E talvez me engane, só um maçon não teria denunciado Brotero. Cenáculo sabia que ele era pedreiro-livre, este homem sabia tudo, tanto talvez como Pina Manique.

Aos oitenta e tal anos (morre com noventa), quando os franceses lhe batem à porta, em Évora, para saquear o paço episcopal, ao que lhe perguntava "Quem vive?", ele responde: "E pergunta a força à fraqueza Quem vive? Pois quem há-de viver? Vive a força".

Certos autores, ao contarem esta história, interpretam-na como declaração de um vencido perante a força das armas. Tal leitura é inaceitável, como é inaceitável ver-se apenas orgulho pela origem humilde, ao falar da cicatriz na cara, com que o pai, ferreiro, por acidente o marcara. Cenáculo era demasiado culto para proferir banalidades. De resto, se Loison se rendeu ao arcebispo de Évora, é porque a frase significa o contrário do que parece. Aos quase cem anos, este homem andou à pancada com os soldados espanhóis, que também lhe saquearam o paço, rasgaram livros e manuscritos, pilharam as pratas e jóias da Mitra, e até o anel episcopal lhe levaram.

A esta força interior, que domina a matéria fraca, davam os filósofos herméticos o nome de aço. Vandelli (1797) falou dela, ao escrever esta nota físico-química:

Transmutar o ferro em perfeito aço

Na decomposição da água em Gás inflamável, as lâminas ou pregos de ferro contidos no tubo de ferro em brasa, no qual se faz a dita decomposição, se transmutam em aço perfeito; mas com a continuação, este mesmo aço se muda em etíope vegetal.

Não sei o que os químicos de hoje dirão desta experiência, deve corresponder aos factos. Para mim, entretanto, tal como a anterior, intitulada Método de fixar o Mercúrio, trata-se também de linguagem hermética. Para já, Mercúrio é Hermes, um deus-menino alado, gémeo de Eros. E a experiência volta a ser feita com pregos. Pregos, muitos pregos de ferro, há demasiados pregos, pregadores, ferros e ferreiros nesta história. É com pregos que se fixa o elemento volátil? Porquê "pregos" e não "pedaços de ferro" ou quaisquer outros objectos de ferro? Posso dar uma resposta, mas continua a ser símbolo: Cristo foi pregado com pregos na cruz. E libertou-se deles como a Fénix. Nesta época, parte da simbólica alquimista é cristã. A Fénix é muitas vezes substituída pela imagem da ressurreição de Cristo.

Outra experiência ensina a dar mais força à pólvora. Já na abertura da Flora, et Fauna, há referências ao chalybs. aço, ao gás inflamável e à pólvora. Diria que Vandelli exorta os companheiros a reforçarem o espírito de resistência, de modo a poderem elevar-se gradualmente no céu, como o hidrogénio. Estas imagens alquímicas não são tradicionais; para além de saber decompor a água em oxigénio e hidrogénio, de utilizar o último em algo que já é conquista tecnológica do espaço, Vandelli leu os diálogos platónicos.

Também morreu com oitenta e tal anos. Para a falta de higiene, imundície que inundava as capitais (em Paris, havia transportes pagos para atravessar a rua), doenças que grassavam, sobretudo os flagelos da varíola, purgantes e sangrias para todos os humores, é espantoso como estes alquimistas se aguentavam muito para lá das médias de sobrevivência actual. Sabiam de medicina.

Bibliófilo, bibliotecário, poeta satírico, criador de sociedades, Frei Manuel do Cenáculo guardava religiosamente a correspondência alheia, coleccionava manuscritos e livros raros, obras de arte, com os quais dotou várias instituições.

Dedicou-se também à arqueologia, em Beja descobriu uma célebre estátua de Cybele. Criou escolas no paço episcopal de Beja e Évora, custeadas pela Mitra, onde se ensinavam línguas vivas.

Os seus títulos de referência são as Memórias Históricas do Ministério do Púlpito (1770) e os Cuidados Literários do Prelado de Beja (1791), onde faz história da literatura e se dedica à reforma da sermonística: combate ao gongorismo, defesa da simplicidade, clareza e harmonia clássicas, e atenção às coisas práticas e quotidianas, segundo a tendência racionalista das Luzes. E apelo a que se voltasse às fontes, ao texto original das Sagradas Escrituras, esquecido e adulterado pelos milhares de comentários produzidos pela escolástica.

Em 1750 fora enviado a Roma, viagem que lhe permitiu entrar em contacto com vários centros iluministas, dos quais recebeu a teoria subjacente às reformas: fusão da ciência e da filosofia com a política e a pedagogia, aproximação ao real, esta resultante em parte da influência da física de Newton, outro alquimista moderno.

Obteve cargos importantes do Marquês de Pombal e, por mediação do próprio D. José I, é eleito bispo de Beja. Criara a biblioteca do Convento de Jesus, origem da biblioteca da Academia Real das Ciências, de que foi sócio. Graças a ele, torna-se pública a biblioteca da Real Mesa Censória, origem da actual Biblioteca Nacional. Em 1802 é eleito arcebispo de Évora, onde vem a morrer em 1814. Para Évora transporta Frei Manuel do Cenáculo grande cópia de livros, manuscritos e obras de arte, com os quais funda a Biblioteca Pública de Évora, na qual ainda hoje se conserva o seu espólio, constituído por mais de cinco mil cartas recebidas, dos letrados, filósofos e ilustres do seu tempo, bem como as cópias das respostas.

Foi da Biblioteca Pública de Évora que Abílio Fernandes, em 1950, recebeu a Iª e IIª, datadas de 1803. Rascunhos de documentos que terão sido entregues a Domingos Vandelli. Tenho motivos estilísticos para supor outra coisa: estes textos podem ter sido lidos numa reunião, presidida por Vandelli, talvez na Academia Real das Ciências. Trata-se de comunicações a fazer oralmente. Frei Manuel deve ter vindo a Lisboa de propósito para uma reunião. A Iª redigiu-a em Évora, sem conhecer ainda a carta de Brotero. A IIª já a escreveu em Lisboa. Nas comunicações orais, não assinamos, a nossa presença física dispensa outras marcas de autor. Só assinamos quando não estamos presentes com o texto.

Frei Manuel do Cenáculo redige com fúria o critério ao que chama a Tremenda de monsieur Brotero. Não conhecendo este táxone literário, achei por bem investigar. Descobri que tremenda é um bocado de toucinho que os beneditinos e monges de S. Bernardo costumavam comer a certa hora, e também o nome da distribuição do dito pitéu, acompanhada por cânticos que despertavam os frades do seu sono. A cerimónia era nocturna.

Sob Pombal, a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos desaparece, tal como é abolida a exigência de certificado de sangue limpo aos que pretendiam certos cargos ou iam desempenhar certas funções. E já não estamos sequer no tempo de Pombal, sim em 1803, mas a ira é tremenda, tem memória diabólica. E a verdade histórica é esta: a Inquisição, em Portugal, durou trezentos e tal anos, só acaba em 1821, com o liberalismo. O último auto-de-fé data de 1794. Ao todo, desde o primeiro, em 1540, sairam a morrer ou penitenciadas com a deportação, chicoteamento e outros castigos, nas quatro cidades em que sediava a Inquisição (Coimbra, Lisboa, Évora e Goa), 31.349 pessoas: homens, mulheres, adolescentes, pretos, brancos, feiticeiros, judeus, árabes, ateus, ciganos, maçons, protestantes, etc, etc, mas sobretudo padres e freiras.

Quando se diz "sair" quer dizer sair em auto-de-fé: antes da fogueira ou de castigo mais leve, os relaxados eram exibidos e vexados numa procissão, enroupados com vestimentas especiais, e obrigados a transportar objectos emblemáticos. O espectáculo era público como o circo romano, e dignavam-se assistir a ele os reis e a corte.

Passemos os olhos pelo que ainda acontecia no século das Luzes da Razão, talvez fique mais claro o motivo de tanta fuga a Roma, de tanta aproximação ao Amor, da criação da Igreja Invisível, do Colégio dos Invisíveis, de tanto segredo, tanta espionagem, tanta sociedade secreta e iniciática: era o meio de as pessoas, em especial livres-pensadores, se protegerem do despotismo religioso e político, e também de o combaterem.

(1731) Saíram três clérigos, um por benzer uma mulher e lhe tirar do braço uma cadeia de ouro, dizendo que nela estava o Diabo, outro por benzer com palavras supersticiosas e fazer que o Diabo, com quem tinha pacto, viesse à sua presença em figura de cágado, e o outro por solicitar mulheres.

(1739) Saiu a morrer o bacharel António José da Silva, autor dos quatro tomos das Óperas Portuguesas, e sua mulher, de 27 anos de idade, foi penitenciada.

(1760) Uma das mulheres relaxadas pediu três vezes mesa no auto, mas não lhe sendo possível adivinhar o que devia confessar, morreu queimada pelas 10 horas da noite.

(1761) Saiu a queimar vivo, por herege, o Malagrida, que todos sabem estar doido. Foi queimado em estátua o Cavaleiro de Oliveira. Era homem de grande instrução e fazia honra à sua pátria.

(1765) Sairam cinco frades, um por inocente e quatro para as galés por testemunhas falsas. Sairam mais sete clérigos, um por publicar as santidades da sua confessada, três por sentirem mal do Santo Ofício, um por exercer ordens que não tinha e dois por judaísmo e ateísmo. Saiu uma freira por impostora.

(1774) Saiu a morrer uma feiticeira, levando carocha. Um clérigo e um pai e filho de 23 anos e um heresiarca, que levou rótulo. Sairam penitenciados dois franceses e um suíço por pedreiros-livres.

(1794) Saiu uma mulher por se fingir santa, foi a açoitar e degradada. (Mendonça & Moreira, 1980)

Voltando à "Tremenda": a injúria "marrano" só por inversão designava os cristãos-novos, pois nem judeus nem muçulmanos comem carne de porco. As acusações de Cenáculo, sobre o crime contra o Divino, acrescentadas ao diagnóstico de "grossura de sangue", para o qual receita diluentes, sugerem por que motivo Brotero fugiu para França: seria marrano (tal como Ribeiro Sanches, tal como António José da Silva, O Judeu), com provável simpatia pelo protestantismo, na sua vertente pietista alemã, a cuja linguagem Cenáculo também alude, ao dizer com sarcasmo que o alemão era a língua dos Videntes, Reformados e Reformadores. Não nos deixemos iludir: ele está a falar da Reforma luterana e não da reforma pombalina.

O arcebispo de Évora perdeu as estribeiras com o botânico. Porque é que a sua cólera vai ao passado desenterrar expressões tão ofensivas, mais próprias de um Inquisidor-geral que de um reformador universitário? Pois, precisamente: porque a carta de Brotero arrasa a reforma da Universidade, rebaixa os lentes, chama incompetentes a Vandelli e Alexandre Rodrigues Ferreira, deste diz que nem as plantas da sua terra conhece, calunia certo Pedreiro, diz que se mata a trabalhar com as aulas e lhe falta o tempo para herborizar, que o Reformada Reitor não se digna entrar no Jardim, que os prémios são atribuídos aos professores medíocres, que estes são tão ignorantes que, nas aulas, ou é uma risota ou já fecharam, que a Universidade não passa de um colégio de estudos menores (aos médios pertencia a Aula do Comércio), que o governo não lhe dava dinheiro para o Jardim Botânico, que perdeu trezentas plantas exóticas por falta de estufa, por aí adiante, já os lemos.

Ora o máximo responsável pelas reformas fora o autor dos Secreta carmina, donde é este o principal alvejado por Brotero. Frei Manuel do Cenáculo foi nomeado, pelo Marquês de Pombal, presidente da Junta de Providência Literária, organismo que superintendeu a todas as reformas e publicou os Estatutos da Universidade, que ele não se esquece de invocar. Além de reformador teórico, Cenáculo foi também o máximo reformador executivo.

E o mudo e calado Vandelli? Qualquer pessoa de juízo, entre Cenáculo e Brotero, pediria socorro a Napoleão Bonaparte. A Junot, a Saint-Hilaire, ou até a Lacepède. Lá se pede, lá se vai para a Terceira.

Cenáculo acusa Brotero de não ter capacidade especulativa como o autor da memória sobre os prejuízos das sepulturas nos Templos. "Especulação" é termo que requer duas palavras. Vem de speculum, espelho, pois era com espelhos de metal que os magos observavam os corpos celestes. Por isso mesmo o speculum instaura duplo código: de um lado temos o objecto, de outro a sua imagem reflectida, a reflexão filosófica. De um lado a realidade, de outro a consciência dela. A alquimia funde duas atitudes: a operativa e a especulativa. No séc. XVII a alquimia operativa, oficinal, executada com as mãos, cede o passo à especulativa, a que usava a terminologia de laboratório para aludir à verdadeira missão do alquimista: a transmutaçãc espiritual. Concebia-se o homem como chumbo ou ferro, susceptível de mutação em ouro ou aço pelo sacrifício e prática da virtude. Esta mesma ideia, de que a matéria-prima é o próprio alquimista, subjaz à pedra filosofal: se o pedreiro afeiçoar a pedra bruta que é, realizará a Opus Magna, transmutando-se em "sophos", gema do Templo. Esse é o sentido da palavra "sofia" na basílica de Santa Sophia, em Bizâncio-Constantinopla, cidade de alquimistas e segundo centro espiritual da cristandade. Segunda Roma, capital do Império Romano do Oriente, que ainda hoje os cristãos ortodoxos chamam Constantinopla, recusando o nome Istambul, criado por muçulmanos. No séc. XVIII, a vacina contra a varíola chega a França vinda da Turquia, há muitos contactos com o Médio Oriente. O alquimista é o peregrino por excelência. A maior parte deles viajou pelo Egipto, Marrocos e Ásia Menor, alguns alcançaram a China, sua pátria mais antiga e oriental. Trata-se de viagens simbólicas pesar de reais, caminha-se na direcção da Luz, do Sol nascente. Bizâncio era escala obrigatória. Santa Sophia é a Amada, a Divina Sapiência que Vandelli alcançara, na opinião de Lineu, e leva este a pedir, como todos os philos: "Ama-me".

"Só se conhece o que se ama", dizia Goethe, alquimista e pietista. Para inteligir, é preciso ter amor ao conhecimento. Neste amor pela Sofia há muito de neo-platonismo, o que é natural: quando numa época se rejeita certo padrão de referência, elege-se o parente mais próximo. O iluminismo rejeitou Aristóteles, portanto é Platão quem vai servir de modelo a alguns. Ora Platão é um dos grandes filósofos do amor, mas é preciso cuidado com a fórmula "amor platónico", porque nenhum dos amores gregos (erotike, philia, mania, etc.), corresponde exactamente ao que hoje se entende por amor, e ainda menos por amor platónico. Amor não correspondido, que se contenta com suspirar? Platão não conhecia aquilo que vulgarmente se designa por amor platónico.

Temos de chegar ao romantismo, na época de Napoleão, para encontrarmos o "nosso" amor, correspondido ou mais geralmente impossível (o possível só dá romance de segunda categoria, o impossível é mais empolgante), que pressupõe direito da mulher à escolha, à conquista e ao desejo. No tempo de Platão, a mulher tinha tantos direitos como os escravos, não saía do gineceu. Consta que no Concílio de Niceia (séc. IV), ainda os Padres da Igreja discutem se a mulher tem alma ou não, inclinando-se para a negativa. Como é que se pode conceber a existência do amor antes de resolvido esse problema essencial?

No tempo de Platão, excepcionalmente, e não por norma, a erotike pode abarcar um jovem e um adulto, entendendo alguns que isso fazia parte da relação natural entre mestre e discípulo. Acredito que assim fosse, porque não é por isso que Meleto acusa Sócrates de corromper a juventude, sim por não venerar os deuses da cidade, levando os discípulos a procederem como ele. E acusa-o ainda de venerar novos deuses. Refere-se ao daymon com que Sócrates justificava os seus pensamentos e actos. A palavra daymon, de que provirá "demónio", está na origem da expressão zombeteira "espírito santo de orelha". Equivale à inspiração divina.

O nosso amor é uma espécie recém-formada, Denis de Rougemont defende a tese de que ele é uma criação do cristianismo no Ocidente: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei a vós".

N' "O Banquete", Platão dá de Eros a imagem de um poderoso daymon, força espiritual que vai ascendendo gradualmente do baixo ao alto, do sensível ao inteligível, até alcançar o conhecimento divino. "Cenáculo" é um criptónimo, como "Brotero". O livro de Platão tem aquele nome por se tratar de diálogos travados durante um simpósio, uma ceia, em que participam várias pessoas que vão dando a sua explicação do que é o amor, e assim surgem a erotike, a philia, etc.. Um dos interlocutores é Sócrates. "Cenáculo" também significa ceia, simpósio, e Última Ceia em especial.

Os três grandes pilares da filosofia ocidental são Platão (Sócrates é conhecido sobretudo através dele) e Aristóteles, ora um, ora outro, mutados no curso do tempo por factores a eles alheios, como o cristianismo. Se S. Tomás de Aquino foi o expoente do aristotelismo, Santo Agostinho será a fonte próxima em que muitos bebem Platão. O amor neo-platónico que transparece na carta de Lineu é a philia, ligada ao companheirismo, à beleza e ao conhecimento. É um amor intelectual, cujo valor mais alto se encerra na própria palavra filosofia, amor à sabedoria. Nada tem a ver com posse, sim com desejo. N' "O Banquete", Sócrates demonstra que amamos o que nos falta e não o que possuímos. Quer dizer que quanto mais desejamos, mais pobres somos. "Eros é pobre, a indigência é a sua eterna companheira", diz Diotima ao filósofo que foi condenado a morte, aquele de quem a pitonisa de Delfos, industriada pelo daymon de Apolo, dissera ser o mais sábio dos homens.

Parte destas concepções está na base das doutrinas paracléticas, exemplifica-se no nome Poverello do patrono dos franciscanos, S. Francisco de Assis, que se considerava um pobre de espírito: "Abençoados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus". Pobre de daymon é o que sente falta dele, é o que muito o deseja e ama. E por isso mete pés ao caminho em peregrinações que lhe permitam abastecer-se de cada vez mais espírito. Gradualmente, degrau a degrau, grão a grão, ou gral a gral, vai-se enriquecendo. Estas peregrinações não se fazem na horizontal, uma viagem a Santiago de Compostela equivale a subir uma escala/escada para a Via Láctea. Nas mitríacas, o iniciado subia uma escada com sete degraus, cada um de seu metal, a começar no chumbo e a acabar no ouro. A cada metal correspondia um astro, vamos supor que o primeiro seria Vénus e Sol o último. O Sol é o astro divino por excelência, a flama do espírito que se reergue da própria morte como a Fénix sua homóloga, como todos os deuses solares: Krishna, Osíris ou Cristo. Lineu declara que Vandelli chegou lá, à divina sophia neo-platónica. Mas Vandelli, como Newton, é um alquimista moderno: não subiu escadas, ele mandou um aeróstato para a Estrada de Santiago.

No séc. XVIII, com iluministas como Vandelli, a alquimia operativa é substituída pela ciência experimental. Este homem é um Invisível típico, sofre em silêncio, não perde a paciência, não injuria os inimigos, não deixa rasto biográfico de paixões em escritos como os de Cenáculo e Brotero. Nem retratos se conhecem dele, é um homem sem rosto, apagado diante da Opus, muito extensa, e que conserva aspectos válidos. Simplesmente, caiu sobre ele um manto de lama tão espesso, que ninguém se deu ainda ao cuidado de o traduzir para o estudar. Também este destino é típico, quase todos os alquimistas foram vítimas de perseguição ou morte violenta.

Da correspondência existente no arquivo histórico do Museu Bocage, a ele dirigida, deduz-se que Domingos Vandelli deve ter obras publicadas no estrangeiro, posteriores às que sairam em Itália, antes da vinda para Portugal. Em seu nome ou talvez sob criptónimo. Os que lhe escreviam latinizam o nome, como era hábito na época, caso de Magellano, João Jacinto de Magalhães, físico iluminista que estudou em Inglaterra, e era sócio da Royal Society. À semelhança de Lineu, endereçam as cartas ao Claríssimo ou Sapientissimo Celeberrimoque Viro Dominico Vandelli, o que não deixa dúvidas sobre a sua superlativa celebridade nos centros iluministas /iluminados europeus, e grande admiração que sentiam pela sua superlativa sabedoria. Falam muito de banhos e termas, ele escreveu sobre águas minerais, em Pádua e Lisboa. Pelo meio de quanto ainda não decifrei, as declarações de amor sucedem-se, qual delas mais neo-platónica: "Ama-me metade do que te amo, e acredita em igual estima eterna", é o que por exemplo lhe confia Brambilla.

Gouan, professor de medicina em Montpellier, deseja tomar Vandelli por correspondente, já que é o único substituto do defunto Lineu. Obviamente, é no seu coração que Vandelli substituirá o naturalista sueco:

Linneus, avec qui j' étais lié d' une amitié três étroite, m' avait souvent parlé de vous et m' avait inspiré avec raison Ia plus grande envie de vous connaître et Ia plus parfaite estime. II est mort, et je cherche à Ie remplacer dans mon coeur par des amis célebres tels que vous, promettant de faire de ma part ce que je pourrai pour mériter Ia vôtre.

Henricus Grant, ao convidá-lo para editar uma obra conjunta, dá-nos conta dos trabalhos sobre águas medicinais que em parte mereceram a Vandelli a notoriedade que gozava na Europa. Agradeço ao Prof. João Beato a amabilidade com que se prestou a traduzir a carta:

Ao Preclaríssimo e Celebérrimo
Senhor Domingos Vandelli
Cumprimenta Henrique Grant,
Membro do Conselho Régio de Sua Majestade,
Conselheiro, Médico e Professor de Viena

Na verdade, li outrora, com admiração, ó ilustríssimo e doutíssimo Vandelli, a apologia que escreveste, num estilo cheio de vigor, e acabo de ler agora, com prazer, as tuas dissertações sobre as termas de Ápono e as análises que cuidadosa e muito sabiamente empreendeste. Com efeito, não só percorreste as termas da região de Pádua, mas também redigiste uma Biblioteca Hidrográfica, de forma que quase só tu, no grande trabalho que tomei a meu cargo, me ocupes e fale apenas contigo, apesar de desconhecido e separado por enorme distância. Agora é-me extremamente agradável conviver contigo, quanto mais o não seria, se assim também o entendesses, se partilhasses os meus gostos e fornecesses a estes um novo alimento. Na verdade, podes fornecê-lo, se quiseres partilhar comigo, por meio de carta, as águas medicinais de Portugal, quer sejam utilizadas na bebida quer no banho, e Iodas aquelas águas hispânicas que podes vir a conhecer nos seus lugares de origem e, predominantemente, se possível, também nas edições dos autores que as descreveram e assim recompensar e enriquecer com elas, não só a minha pessoa, mas também a minha obra, de tal forma que, não apenas num só mas em muitos lugares, não somente eu mas também tu nos vejamos publicados, e os vindouros olhem com admiração o mais estudioso de todas as coisas naturais. Eu, entretanto, desejo-te são e salvo e, nestas condições, espero poder relacionar-me contigo de igual para igual. Adeus.

Viena, Áustria, 13 de Maio de 1771

Quando Grant diz quem é o homem mais estudioso das coisas naturais, refere-se, entre outras, às seguintes publicações de Vandelli: Dissertationes Três: I - De Aponi Thermis; II - De Nonnullis Insectis Terrestribus et Zoophytis Marinis; III - De Vermium Terrae Reproductione, atque Taenia Canis (1758), Tratactatus de Thermis Agri Patavini: Accessit Bibliotheca Hidrographica (1761), Dell' Acqua di Brandola Dissertatione (1763) e Analisi d' Alcune Acque Medicinali dei Modonese (1769).

Publicadas em Pádua e Modena, estas obras são desconhecidas em Portugal. Aliás, se as pude compilar (vide Bibliografia) em dicionários e enciclopédias portugueses, quer dizer que estas obras são conhecidas. Vários historiadores da ciência têm-nas silenciado, o que é muito diferente, Dá ideia de que para fazer de Brotero uma personalidade científica, quando, como diz Alexandre Rodrigues Ferreira nos Secreta carmina, Brotero já devia ter paralisia de espírito para não se envergonhar de o não reconhecerem os herbolários do seu tempo, foi preciso ocultar a obra de Vandelli nas mais fundas escuridões dos infernos. Acredito que nem todos saibam que estão a ocultar, que se limitem a deixar-se vogar ao sabor da corrente pró-broteriana. Não tira porém que ocultem.

Tinha eu há muito um artigo de Pires de Lima (1946) que não me ocorreu ler, por se intitular Brotero e a arborização de Cabo Verde, e não me interessar nem Brotero nem o que poderia ele dizer das árvores que não existem em Cabo Verde. Vai-se a ver, o mínimo que se podia exigir é que o artigo se intitulasse Vandelli e a arborização de Cabo Verde. Em 1828, a pedido do governo, Brotero redige um ofício em que preconiza a plantação de certas árvores no arquipélago, para obviar à sua consabida nudez florestal. Tal pedido já em tempos fora feito a Vandelli, que propusera a plantação de várias espécies, sobretudo pinheiros, segundo informa Brotero, que mais acrescenta não ter tido nenhum êxito a experiência sugerida pelo seu antecessor. Posto isto, fica-se na expectativa de uma solução mais brilhante, própria de um homem inteligente como ele. Ele, Brotero, autor da Flora Lusitanica. Vã esperança. Apesar de insistir no completo insucesso de Vandelli, não só não propõe nenhuma outra medida (encomendar ao já defunto Frei Manuel do Cenáculo umas preces para que chovesse, verbi gratia), nem sequer a substituição dos pinheiros por espécies mais aclimatáveis, como pega no ofício de Vandelli, de que constava uma lista de arbustos e árvores de Cabo Verde, mais outra lista, a dos pinheiros e outras espécies a plantar como experiência, e dá dele segunda dose ao governo. Nem sequer esteve para se maçar a iludir esta tremenda de Re Rustica que é declarar um fracasso a ideia de Vandelli e assim mesmo pespegar com ela na secretária dos ministros. Num rasgo de génio, meteu num envelope os documentos do antecessor, achados no arquivo do Jardim da Ajuda, e aí vão eles direitinhos para o governo. E por cima de tanta falta de siso, Pires de Lima intitula o artigo de maneira tal que, só quem já está muito desconfiado do que alude a monsieur Brotero, vai averiguar se por acaso o artiguinho não esconde trabalho de Vandelli. E averigua o que suspeitara: quem quiser saber alguma coisa de Vandelli terá de ler tudo o que escreveu Brotero e tudo o que sobre Brotero tem sido escrito. As paternidades nem sempre são legítimas, e há discípulos que tanto desejam substituir-se ao Pai, que nem sabem raptar os melhores filhos. Tudo serve, mesmo os reconhecidamente indesenvolvíveis Pinus cabo-verdianos. Alexandre Rodrigues Ferreira podia não ser um sofos em Botânica, mas da sofia broteriana percebia alguma coisa. Imagine-se o que o brasileiro não terá sofrido quando Brotero foi nomeado director da Ajuda. E seria realmente Alexandre um alcoólico? A fonte desta informação é Brotero (Pires de Lima & Santos Júnior, 1944).

No que respeita às ciências, desde a segunda metade do séc. XVIII até finais do séc. XIX, deve haver muito mais furto do que o visível, muito mais logro do que transparece. Vandelli tem certa responsabilidade nisso, era modesto e invisível em demasia. Verdade se diga que no tempo de Lineu ainda os autores não se apegavam ao nome das suas espécies como meio de transporte para a eternidade, que os meios de transporte dos filósofos herméticos são mais mercurianos do que taxonómicos, e que os códigos de nomenclatura, com a sua ética própria, ainda não existiam. São muito recentes, e não raro institucionalizam pais ilegítimos. Para todos os efeitos legais, a tartaruga-lira pertencia a Lineu, apesar de Lineu ter deixado claro que a Testudo coriacea era de Vandelli. Mas é claro também que nem todos os que consultam o Systema Naturae sabem latim. O abandono dessa língua no discurso científico criou um corte epistemológico, com todas as consequências imagináveis para o que hoje sabemos do séc. XVIII e anteriores.

Vandelli, dizia, foi demasiado desprendido. Chegou a deixar que um seu aluno, Manuel Dias Baptista, publicasse antes dele uns rudimentos de fauna conimbricense, com nomenclatura binominal, em que figura o seu Blanus cinereus. Loucuras destas só se concebem num século de pioneirismo taxonómico e em sofos de que há coisas mais importantes na vida do que deixar o nome ligado ao de um animal. No séc. XIX, haverá guerras por causa disso, e em relação até a colectores. Tivesse ele só um centímetro do sentido oportunista de Brotero, só um centésimo do narcisismo de Brotero, só um miligrama da maldade de Brotero, e nem um terço do que aconteceu lhe teria acontecido. Mas Vandelli era um homem sábio, e a sabedoria, tal como a grande inteligência, são desvantagens. Incontinências sociais. A Sócrates, que também padeceu desse mal, propuseram-lhe em pleno tribunal um modo de salvar a vida: deixar de filosofar. "Até ao fim dos meus dias continuarei pensando", foi a sua opção. Pensou mais um ano, no ano do julgamento estavam interditas as penas de morte. Levantada a interdição, agradeceu o copo de cicuta, as mãos não lhe tremeram ao levá-Io à boca. Antes de morrer ainda se lembrou de dizer aos discípulos que toda a noite o haviam acompanhado: "Não se esqueçam de pagar a Asclépius o galo que lhe prometi". Só se entende isto como ironia, Asclépius é o deus da medicina, Sócrates sabia que ia morrer. Goethe pediu mais luz, Fernando Pessoa, os óculos. Valeu-lhe um grande amigo, Platão, ou nem o nome lhe conheceríamos hoje.

A Vandelli, valeu-lhe também a amizade de alguns biólogos, que lhe dedicaram certas espécies. Shaw, por exemplo, dedicou-lhe uma espécie de peixe, Vandellius. Lineu dedicou-lhe o dragoeiro, Cuvier e Valenciennes, a Vandellia, peixe salmoniforme do Amazonas.

Este homem, de quem corre ter sido professor do Colégio dos Nobres, substituído pela Escola Politécnica, onde depois existiu a Faculdade de Ciências, não tem um único livro na Biblioteca Geral. Na do Jardim Botânico há três apenas. Nas Memórias da Academia, pródigas em elogios fúnebres, ninguém lhe redigiu o necrológio. Provavelmente o filho, Alexandre, preferiu o silêncio à injustiça. E acabou por se exilar no Brasil, se bem que se prefira entender que fugiu por razões políticas, pois, anos volvidos sobre a morte do pai, já não o molestariam os atentados contra a sua memória. Os atentados irritam quem escreve estas linhas duzentos anos depois, e nada tem a ver com a botânica nem com a família.

Porquê tanta perseguição? Porque há cotovelos sensíveis, que não suportam espelhos da verdade a reclamarem que a mais bela é Branca de Neve. Vandelli foi um guru europeu, um sophos que atraiu o amor de muitos philos. Filia é a palavra de ordem entre os intelectuais do séc. XVIII, haja em vista a epígrafe grega nas comunicações Iª e IIª, de Frei Manuel do Cenáculo. O radical está presente nos criptónimos, em topónimos como Filadélfia, cidade criada certamente por membros da Ordem dos Filadelfos. Abade Correia da Serra era sócio da Academia das Ciências de Filadélfia. Seria então um maçon filadelfo. Vandelli foi salvo do desterro pelo presidente da Royal Society of London. Filós de outra ordem.

Das 20 cartas de Lineu para Vandelli, a única passagem que raros referem é aquela em que manifesta o desejo de ver publicada uma flora portuguesa, Porque, diz ele, a Europa já foi toda palmilhada pelos botânicos, restando só explorar esta terra felicíssima, a índia lusitana. Dado o fraco trabalho de Grisley e Tournefort, era bom que alguém os superasse. Ironiza até, ao dizer que os trabalhos de Grisley e Tournefort são sibilinos, mais parecendo ter sido redigidos por Édipo, portanto Édipo que os entenda.

Conhece-se Édipo de Freud, e não há dúvida de que na fábula antivandéllica há duzentos e tal anos de complexo edipiano. Mas Lineu ainda não conhecia Freud, só a Esfinge. Um monstro com corpo de leão, asas de águia e cabeça feminina assolava as imediações de Tebas, devorando os que não solucionavam os seus enigmas. Só quem os decifrasse a destruiria. Um deles era este: "Qual é a coisa, qual é ela, que de manhã anda a quatro, ao meio-dia anda a dois, e à noite anda a três?"

O monstro chama-se Brotero, foi Édipo quem o matou, e a resposta à adivinha é Vandelli.

Postquam tota Europa calcata est a Botanicorum pedibus, restat etiamnum solo Lusitania, quae India Europaea dicenda, & felicissima Terra. Habemus tantum Grisley Viridarium Lusitanicum, miserrimum opus, cujus plantas Oedipus fit, qui intelligat. Alit ista Terra quamplurrimas rarissimas plantas, uti constat ex numerosis istis. Tournefortii Lusitanicis in Institutionibus R. herbariae nominatis, sed nullibi descriptis, aut delineatis; adeoque etiamnum novis, quam nemo nisi alter Oedipus intelligat: Anne ullus fit in toto Regno pulcherrimo, qui possit Orbi Litterato dare genuinam Floram Regionis? Bone Deus! quam pulchrum, & desideratum opus praestaret ille, qui ejusmodi Floram fisteret? (Lineu, in Vandelli, 1788)

Vandelli não conhecia o sistema lineano? O que é então seu Fasciculus Plantarum cum Novis Generibus et Speciebus (1771)? Vandelli não tem uma flora lusitana? O que é então o seu Viridarium Grisley Lusitanicum, Linneanis, Nominibus Illustratum, de 1789? Trinta e três anos antes de Brotero parir a sua Flora, já Vandelli divulgava em Portugal a nova classificação. Vinte anos antes do doloroso parto de Brotero, já Vandelli classara (como eles dizem) um elenco de 1618 táxones lineaníssimos, a partir do Viridário de Grisley. Quis assassinar o Pai ou não quis? Há ou não há aqui um complexo de Brotero? Que o Eros dos brotos precisasse de divã, foi lá com ele. Que todos tenham de sonhar com isso, é outra dialéctica.

Falava entretanto do Viridário de Grisley, criticado por Lineu. Por ser esfíngico, não lineano, deficientemente ilustrado, Vandelli reformulou-o. A abri-lo, vem a acta da Academia Real das Ciências, de 16 de Novembro de 1788, assinada por Abade Correia da Serra, na qual se aprovou a edição:

Tendo sido apresentada à Academia pelo seu sócio Domingos Vandelli uma cópia do Viridário Lusitânico de Grisley, com grande trabalho e diligência reduzido às espécies lineanas; e atendendo a que este livro foi até agora o único de Botânica que sobre Portugal houvesse; e a ser originalmente obscuro e confuso, como também extremamente raro; determina que se imprima com as novas ilustrações, à sua custa, e debaixo do seu privilégio. (Vandelli, 1789)

Na Flora Lusitanica et Brasiliensis (1788), além das vinte cartas de Lineu, Vandelli incluiu duas do filho de Lineu e duas de António de Haen. Deviam ser traduzidas e comentadaas, são importantes para a história da ciência. A grande preocupação destes homens gira em torno dos produtos medicinais. Discutem os fungos, os vermes, os invertebrados marinhos, muitas espécies animais e vegetais. Haen envia a Vandelli o tomo VII da sua "Rat. Med. Omnia", fala de um escândalo que envolve sábios do seu tempo: Benvenuti, Valcarenghi e Hirzel. Julgo perceber que Haen foi vítima de calúnias por ter utilizado a vacina contra a varíola, doença que então matava em grande escala. Tanto ele como Lineu se referem à Cicutae como remédio para chagas, pústulas, cancros e afins. Lineu alude a Ângelo Donati e ao seu companheiro Roque, donde se depreende que, antes de vir para Portugal, Donati viajou pelo Egipto e Arábia, tendo sido coligidas por ele algumas plantas descritas no Systema Naturae. O sueco lamenta a sua morte em Angola. Em relação às reformas da Universidade, elogia o Marquês de Pombal. No seu horto em Upsala, estudava plantas do Brasil, de S. Tomé e de outras partes, cujas sementes Vandelli lhe enviava. É a partir delas que publica as diagnoses no Systema Naturae. Uma das que mais admiração lhe causou foi a Dracaena Vandellii, o dragoeiro, que aliás suscitou uma das críticas dos portugueses a Vandelli: este teria sido responsável pela inundação dos jardins com estas árvores, ao considerá-los ornamentais. O dragoeiro é de facto uma árvore belíssima, por que motivo não havia de ser usada com esse fim? Vamos criticar quem semeou Lisboa de jacarandás, Tipuana tipu, tamareiras e outras palmeiras? Do ponto de vista da flora, Lisboa é uma cidade exótica, e esse é um dos seus encantos.

Lineu relacionou-se de perto com Portugal e as nossas colónias, através de Vandelli, seu principal interlocutor científico. Durante todo o ano de 1767, esteve doente, na secretária acumularam-se as cartas dos eruditos. Quando começa a convalescer, a pessoa a quem logo deseja saudar, aquela a quem escreve antes de todas as relíquias (restantes), é Vandelli:

Toto hoc anno morbis laboravi, & nunc primum convalescere incipio, dum video totam mensam repletam Iitteris eruditorum; primum itaque meum erit te salutare, quam prae reliquis multum facio.

No fim da vida, o sueco fica paralítico, sofre com o silêncio do português. O filho escreve a perguntar a Vandelli se está zangado, pois as suas cartas davam imensa alegria ao pai. Vandelli responde imediatamente e pela carta seguinte vê-se que Lineu se sentiu feliz.

A informação que estas cartas contêm foi pelos vistos sonegada. Ignoro se na época havia naturalizações (1), mas veio Portugal em 1765, morreu em Portugal em 1816, a maior parte da sua obra desenvolveu-se em Portugal, teve quatro filhos portugueses, além disso a ciência não tem terra typica, é universal. Por consequência, a Domingos Vandel ou Bandeles, como o povo dizia, há que devolver o que lhe pertence por direito próprio. O que em primeiro lugar lhe pertence é o mérito de ser o fundador em Portugal dos estudos botânicos e zoológicos modernos. Em segundo, é a nacionalidade portuguesa. Ele é tão português como Bocage, Verney, e até Camões, que se diz ser galego, ou Gil Vicente, estudado em Espanha na literatura espanhola.

À revelia da atitude dominante, que o apaga dos registos da nossa história (2), de longe em longe lá aparece um livre-pensador, como Sequeira (1886), a dar o seu a seu dono:

Vandelli, o grande sábio que fez de Portugal a sua pátria bem amada e pela qual sofreu inúmeras amarguras, nos seus trabalhos sobre a zoologia portuguesa descreveu algumas espécies de répteis, entre as quais uma nova, Blanus cinerea (Amphisbaena).

Mas a complexidade de estudos a que se dedicou, pretendendo abranger ao mesmo tempo todos os variados ramos da grande escala zoológica, e as poucas viagens que fez pelo país, especialmente pelo norte, tornam a lista legada por este benemérito bastante incompleta.

São, porém, estes seus primeiros trabalhos dignos de menção e do máximo elogio, em lugar das acres censuras que temos visto no estrangeiro macular a memória do ilustre naturalista. Atenta a época em que viveu, Vandelli possuía conhecimentos excepcionais e legou-nos trabalhos do maior merecimento, pelos quais lhe devemos a mais profunda gratidão.

Almaça (1993) também se distancia da tradição, ao comentar o Diccionario dos termos technicos de Historia Natural (1788), que Vandelli publicara para tornar mais fácil a consulta e compreensão do Systema Naturae:

A ideia de Vandelli sobre o ensino da Zoologia ia muito mais longe do que a simples enumeração e ordenação das espécies: era uma verdadeira disciplina de Zoologia aplicada, ao nível da época evidentemente. Assim, definia a sua intenção da seguinte forma: O estudo da Zoologia não consiste em um simples conhecimento dos nomes de cada animal; mas é necessário saber quanto for possível a sua anatomia, seu modo de viver, e multiplicar; e saber aumentar, e curar, e sustentar os que são necessários na economia; procurar descobrir os usos daqueles que ainda não conhecemos imediatamente, ou extingui-los se são nocivos, ou defender-se deles.

O português Vandelli foi um cientista em moldes modernos, mesmo avançado. Além de ter publicado os primeiros catálogos lineanos da flora e fauna portuguesas, fez observações fenológicas para Lineu, tem artigos sobre teratologia, água termais, receitava-as e obtinha curas com elas, o que significa que foi médico e não "físico": não se limitava a falar em latim macarrónico com os pacientes, e a prescrever os purgantes, sanguessugas e sangrias da praxe. Salvaguardando as distâncias cronológicas, os seus trabalhos fisiocráticos são idênticos à ciência aplicada dos nossos dias.

Cenáculo sente respeito por ele. O que não acontece com Brotero. Para o franciscano, Brotero era só um "philos", não tinha categoria de "sophos". Faltava-lhe capacidade especulativa para erguer a botânica ao nível de filosofia. A alquimia também tinha o nome de Agricultura Celeste, Linguagem das Aves, e não era S. Francisco de Assis que falava com os passarinhos? Falava, o Poverello conhecia a linguagem das aves, e além, disso era pedreiro.

Frei Manuel do Cenáculo diz que também vai escrever o critério em Alemão, língua Oriental dos Videntes, Reformadores e Reformados, equivalente europeia da Kabala. Até que ponto o sarcasmo contido nesta frase se afasta da verdade? Além de pátria do pietismo, na Alemanha renasce a Fraternidade Rosa-Cruz, em certa altura ligada à maçonaria. A influência dos rosacrúcios fez-se sentir em toda a Europa:

à Londres notamment l'influence de ceux-ci fut considérable. L'alchimie était alors à son apogée et les adeptes jouèrent un rôle important dans Ia fondation de ce grand corps savant qu'est Ia Royal Society. (Naudon, 1963)

Várias academias científicas começaram por ser sociedades iniciáticas, Vandelli foi sócio-fundador da Academia Real das Ciências, e, se não era sócio da Royal Society of London, era amigo do seu presidente, Sir Joseph Banks, que por ele intercedeu, salvando-o do exílio na ilha Terceira. Além de outras, era membro ainda da Academia Real das Ciências de Upsala e correspondente da Sociedade das Artes de Londres. Correspondeu-se com Magellano (Joaquim Magalhães), sócio da Royal Society. Sócios da Royal Society foram outros fundadores da Academia: D. João Carlos de Bragança, duque de Lafões, seu primeiro presidente, e o Abade Correia da Serra, secretário, que além isso foi sócio ainda da Linnean Society, cujo ritual de assembleias (só em certo calendário, só em noites de lua cheia) faz pensar igualmente numa sociedade iniciática.

Inicialmente, que terá sido de facto a Academia das Ciências? A sua padroeira é Isabel, a do milagre das Rosas, Abelha vinda do Reino de Ys. "A rosa dá o mel às abelhas", reza uma obra alquímica intitulada Rosarium Philosophorum. Rosário é um conjunto de rosas. D. Dinis e Santa Isabel acolhem em Portugal a teoria da Terceira Idade, de Joachim dei Fiore, cuja evolução vem a dar o mito do Quinto Império, o do Paracleto, e que nos Açores ainda hoje é o importante culto o Espírito Santo. As rosas da Rainha Santa são as dos rosacrúcios, não é por acaso que os fundadores da Academia a escolhem para protectora. Na época das Luzes da Razão, em que boa parte da ciência se desvincula da teologia, é mesmo ateísta, escolhe-se a Rainha Santa Isabel para padroeira? O que é que realmente foi escolhido? Diria que a Rosa e a Abelha.

Como a generalidade das academias, a das Ciências de Lisboa albergou de início uma sociedade secreta, destinada a proteger os livre-pensadores. Parte dos sócios eram maçons, rosacrúcios, jacobinos. Muito ocultamente, desenvolvia-se nela o embrião do liberalismo. Mais tarde, puderam os confrades nostrar em plena luz o que de facto os agremiara:

E meio século depois a Academia das Ciências de Lisboa, herdeira do sábio Frei José Maria de Jesus Mayne, era instalada no histórico Convento dos Cardais, pela mão de Frei Francisco de S. Luís, lente de Salamanca, amigo número 14 do Sinédrio (3), medalha de oiro da própria Academia. Os académicos, porém, não traziam com eles polvilhos, nem sequer o chapéu do cardeal que os instalara: todos usavam o contraditório chapéu alto jacobino. (Pereira Forjaz, 1961).

Alexandre Rodrigues Ferreira foi director interino do Jardim Botânico da Ajuda, quando voltou do Brasil, porque nessa data Vandelli devia estar no estrangeiro em missão diplomática. É ocioso ligá-lo muito à direcção do Jardim Botânico da Ajuda, pois começamos a ver que ocupações mais importantes lhe consumiram o tempo. Os naturalistas ultramarinos correspondiam-se com Júlio Mattiazzi e não com ele, isto dá a ideia de que quem na prática geria essa instituição palaciana era Mattiazzi. Em 1789 e 1807, Vandelli foi cônsul-geral de Portugal na Noruega e Dinamarca. Um dos mais influentes membros europeus da Rosa Cruz de Ouro, Grão-Mestre da Ordem, foi o príncipe Charles de Hesse-Cassel, cunhado do rei Cristiano VII da Noruega, e depois genro do rei Frederico VI da Noruega e da Dinamarca. Quem escolheu Vandelli para cônsul nesses países? O próprio príncipe Charles de Hesse-Cassel ou a Royal Society of London? (4)

A franco-maçonaria apoiou a Revolução Francesa. Há mesmo quem diga que as palavras de ordem Liberdade, Igualdade e Fraternidade dela provêm, o que só pode ser verdade quanto ao primeiro e último termos: qualquer sociedade iniciática promove a diferença, tem numerus clausus, porque "muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos". Domingos Vandelli foi salvo pela Royal Society of London por provavelmente ser rosacrúcio. E era pessoa de altíssima reputação europeia este Comendador da Ordem de Cristo que, como todos os maçons, recebeu Junot como enviado dos libertadores. Logo que, pela Convenção de Sintra, os franceses foram autorizados a sair de Portugal com o seu saque, incluindo o saque pessoal de Junot, o país fica a ser governado por quem já antes o governava: os ingleses.

Soult comete enormes desmandos em Portugal, enviando para o cárcere do Santo Ofício inúmeras pessoas, entre elas maçons. Os ingleses não gostaram, tomando essa atitude como ataque directo à maçonaria. Na noite de 10 para 11 de Setembro de 1810, correndo a notícia de que caíra a praça de armas de Almeida, e que havia traidores entre os liberais portugueses, os governadores mandam prender uma série de notáveis: Domingos Vandelli e seu filho Alexandre, o comerciante Jácome Ratton, o pintor Domingos Pellegrini, juristas, religiosos e militares. Estas pessoas foram embarcadas na fragata Amazonas e levadas para os Açores. Ficou o caso conhecido por "Setembrizada" e causou celeuma, dada a sua arbitrariedade. E por muito que os deportados reclamassem que queriam ser acusados de alguma coisa para em tribunal se defenderem, a verdade é que o governo se acobardou de o fazer, sabendo que o resultado seria um triunfo dos liberais. É nesta situação que os ingleses intervêm, tentando que alguns presos passem a Inglaterra (Saraiva, 1986).

No caso de Vandelli, intervém a Royal Society. Vandelli, em minha opinião, não estava neste partido nem naquele, com franceses nem ingleses, sim num organismo supra-nacional e supra-partidário, implantado já nas duas Américas, designado por Colégio dos Invisíveis. Antiga Mística Ordem Rosae Crucis, ou a sigla internacional AMORC. Se quiser tirar a cruz e decifrar um enigma, fica com um anagrama muito conhecido dos Fiéis do Amor, equivalente a Igreja Insível, aquela que se opunha à do Santo Ofício.

Notas de 2008

(1) A propósito de Vandelli, Ratton diz que só os naturalizados podiam ocupar cargos políticos, por conseguinte Vandelli era cidadão português.

(2) Este livro tem 14 anos. Entretanto a situação mudou, graças também aos estrangeiros e em especial aos brasileiros, que têm vindo a divulgar a obra de Vandelli. Neste momento está aberta ao público, no Museu Nacional de História Natural, no Rio de Janeiro, a exposição "O gabinete transnatural de Domingos Vandelli" (Outubro de 2008), concebida por Paulo Bernaschina, do Jardim Botânico de Coimbra.

(3) O Sinédrio era uma estrutura carbonária.

(4) No currículo de Vandelli existem dados, como estes, que convinha averiguar, pois podem ser míticos, como as várias idades que lhe são atribuídas.

Maria Estela Guedes. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV. Alguns livros publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro; Eco/Pedras Rolantes; Crime no Museu de Philosophia Natural; Mário de Sá-Carneiro; A_maar_gato; Ofício das Trevas; À la Carbonara; Tríptico a solo. Espectáculos levados à cena: O Lagarto do Âmbar (Fundação Calouste Gulbenkian, 1987); A Boba (Teatro Experimental de Cascais, 2008). Aposentada no cargo de Assessor Principal, no Museu Bocage (Museu Nacional de História Natural - Universidade de Lisboa).