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MARIA ESTELA GUEDES
Foto: José Emílio-Nelson |
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Ainda que o não queiramos
admitir, a Guiné-Bissau tem poucos políticos e muitos
oportunistas, ou políticos de ocasião.
Didinho |
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O chão é o seu partido |
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In:
http://www.incomunidade.com/v51/art.php?art=252 |
Três volumes intitulados O meu Partido é a
Guiné-Bissau, com cerca de mil e quinhentas páginas, no total, é a
obra que agora me chega às mãos e eu já conhecia fragmentariamente, da
Internet, em sites como Projecto Guiné-Bissau Contributo, em
http://www.didinho.org/ e até mesmo no TriploV, em cuja lista de autores
temos o prazer e a honra de contar com a colaboração episódica do Didinho.
Num momento em que se estabelece parceria do TriploV com a Associação 25
de Abril, no caso a propósito do nosso Projeto "Sarmento Pimentel", é
oportuno que eu faça uma pequena reflexão sobre a responsabilidade
política que nos advém de tais alianças. E o principal da reflexão gira em
torno de "nha tchon", "o meu chão", em tradução literal do guineense, que
em versão mais funda seria "a minha pátria". É esse o significado mais
impressivo do título de Didinho, ao recusar a efemeridade e fragmentação
de grupos ideológicos de tipo partidário. Ele ocupa-se da Guiné-Bissau,
preocupa-se com os guineenses e assume-se como independente de partidos, o
que não equivale, espero, a uma voz a pregar no deserto.
Comecemos entretanto pelo Didinho, que em
tempos já me pregou sustos valentes com justa causa, quando a ele me aliei
na divulgação de temas que na altura se carregavam de dinamite. Didinho é
o petit nom de Fernando Casimiro. É apenas assim, com um
diminutivo - em crioulo, julgo que se diz "nome de casa" -, que ele assina textos sobre a Guiné-Bissau tão importantes
como os do seu conterrâneo e ideal, Amílcar Cabral. E é só com esse
diminutivo que ele se apresenta a nós como uma das vozes mais persistentes
da oposição aos sucessivos e inglórios governos da Guiné-Bissau nos
últimos tempos. Não se tratando de oposição para efeitos narcísicos, como
tantas vezes vemos na Televisão. Pelo contrário, o Didinho
frequentemente apresenta soluções e modos de atuar, não se limita a
pavonear a cauda.
Características principais deste homem, a meus
olhos: a coragem, a temeridade, o desejo inquebrantável de oferecer o seu
contributo para a emergência de um país que ainda não corresponde ao
ideado, de nome Guiné-Bissau. Tarefa difícil, mesmo perigosa, pois o
Didinho sofre corte de palavra não só por parte do sistema político
guineense como por parte dos meios de comunicação portugueses, como ele
mesmo conta, por exempo no vol. II da sua obra. Todos o sabemos: o poder
pessoal é muito difícil de conquistar se somos uma voz a pregar no
deserto. Integrados numa instituição, a exemplo dos partidos, já não só é
mais fácil como o poder consegue às vezes escrever-se com maiúscula.
Justamente: o Didinho não quer esse tipo de alianças, prefere a sua
independência política, moral e intelectual, e é bem possível que só pela
minha mente passe a ideia de o ver como governante.
Numa notícia ligeira como esta, é impraticável
fazer o balanço da obra e sequer distinguir algumas linhas de ação mais
relevantes do que outras. Na maior parte, os artigos referem-se
diretamente às circunstâncias da governação guineense; começam pelo
Presidente Kumba Yalá, passam pelas situações atrozes dos princípios e fim
de Nino Vieira, para terminarem na atualidade. É indiscutível que Didinho
tem um rumo político, democrático, firmeza de caráter, cultura política e
sobretudo desejo de ação. Se tais qualidades e muitas outras tornam o
Homem incorruptível, quando alcança o Poder, eis uma dúvida minha.
No meio de tanta ideia lançada à arena pública
pelo Didinho, chamo uma à tona, não só por abrir o conjunto dos três
livros, como por eu lhe ser bastante sensível. É o apelo, aliás desafio
que faz à Comunidade Europeia para que, sem indevida ingerência em
assuntos privados dos países, tome posição quanto ao futuro da
Guné-Bissau, pois é inútil pregarem-se e defenderem-se ideias de governo
quando não há modo de governar, quando não há condições económicas para
fazer eleições, quando nem sequer há cadernos eleitorais atualizados a
semanas do sempre sebastiânico ato eleitoral.
O que faz correr o Didinho? Ambição política
pessoal? É certo que ele faz parte de um núcleo de potenciais quadros
superiores na diáspora - vive em Portugal - cuja ação seria benéfica na
Guiné, caso regressassem ao seu, ou nosso "tchon", para assumir o "mana" e
o "nossa Guiné-Bissau" que o fraterno autor me atribuiu nas dedicatórias.
Mas ambição é algo que remete para uma superfície, um horizonte no qual
pode ou não existir um ponto de acesso, mas além do qual não há mais nada.
O que move fica aquém, num impulso inicial, com raízes no fundo de nós e
não pendentes de outras plantas, como acontece com certas epífitas. E é neste ponto
que a minha reflexão toma vulto, ao atentar na densidade emocional da
expressão "nha tchon", a minha terra, aquela em que criei raízes, aquele
chão que, além de dar comida, também alimenta a nossa capacidade de
sonhar, idear e projetar.
É na infância e adolescência que criamos um
mundo de afetos ligados aos pais, parentes e amigos, aos lugares, com os
seus tempos da chuva e seco, com as suas cronologias de sábado e domingo,
Natal e Carnaval, às coisas que a percepção sensorial assimila, como o
sabor dos mangos e chabéu, a contemplação dos rápidos e extasiantes
crepúsculos, o aroma do capim molhado pelas primeiras chuvas do ano, a
quentura da mancarra torrada na esquina por Nha Francisca. Tudo isso nos
acompanha ao longo da vida e constitui o nosso lastro emocional. Se
estamos longe, queremos voltar. Na idade adulta já não criamos paraísos, a
noção de pátria dimensiona-se em espaços mentais carentes de afetividade.
Pátria com sentido de “paraíso onde vivem o pai e a mãe” só existe no
imaginário de infância.
Eu admiro o Didinho, aliás Fernando Jorge Gomes
da Fonseca Casimiro, nascido em Bissau em 1961. Admiro e temo por ele,
porque sempre o vejo a lutar pelo nosso "tchon", que é mais do
que pátria e
país. Admiro-o porque a sua tarefa é hercúlea; temo porque os obstáculos
a vencer podem ser-lhe fatais.
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DIDINHO O meu
Partido é a Guiné-Bissau Colectânea de Textos Editoriais 2016,
Euedito, 3 vols Contacto:
geral@euedito.com |
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Maria Estela Guedes
(1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov
Membro da Associação Portuguesa de Escritores,
da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.
LIVROS
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979; “SO2” .
Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler
Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”,
Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial
Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa,
1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria
Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À
Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de
Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu
Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários :
Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em
colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora,
1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”.
Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas
Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis
Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007;
“Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na
Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”.
Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed.
Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas
modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.
“Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao
rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010;
"Arboreto». São Paulo, Arte-Livros, 2011; "Risco da terra", Lisboa,
Apenas Livros, 2011; "Brasil", São Paulo, Arte-Livros, 2012; "Um
bilhete para o Teatro do Céu", Lisboa, Apenas Livros, 2013;
Folhas de Flandres, Lisboa, Apenas Livros, 2014; dir. CadeRnos
SuRRealismo Sempre, na Apenas Livros. Nessa coleção, "Surrealismo
incertae sedis, 2015".
ALGUNS COLECTIVOS
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de
Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom
homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte.
“O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual.
Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”.
Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.
Entrada sobre a Carbonária no Dicionário Histórico das Ordens e
Instituições Afins em Portugal, Lisboa, Gradiva Editora, 2010; «A
minha vida vista do papel», in Ana Maria Haddad Baptista & Rosemary
Roggero, Tempo-Memória na Educação. São Paulo, 2014.
TEATRO
Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação
de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de
Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de
Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando
Alvarez e interpretação de Maria Vieira.
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