Morreu, como antevisto em "A morte sem mestre",
perguntando eu a mim mesma, quando acabei a leitura desse seu último
livro: que podes tu escrever a seguir? E no entanto acredito que ele terá
deixado um último punhado de poemas para publicar, e que esse punhado de
poemas ainda terá algo de novo, algo capaz de nos surpreender.
O
percurso de vida traçado nos poemas, ou de livro a livro, cronologicamente
falando, vai da vida à morte, sim. Tem um ponto altíssimo em O amor em
visita, a celebrar a sua explosiva e arrebatada juventude, e nos
últimos, sem perder a capacidade explosiva, mergulha num mundo negro,
antecipador da morte, mundo de obra ao negro, a contrastar com a
obra ao rubro que foi título do meu segundo livro sobre ele.
Nesta segunda fase, notei como os seus admiradores se espantaram com a
aparente falta de qualidade dos livros, porque a Poesia, poesia sobretudo
romântica, e herbertiana, essa da juventude e idade maior, nos habituou a uma beleza
musical e a uma seleção de vocabulário incompatíveis com o andamento
furioso da prosa, rude, mal educada, dos últimos anos. Não podemos conter a
poesia em frascos de farmácia, devidamente rotulados. As últimas obras são tão boas como as primeiras, simplesmente são um reverso de
medalha, escritas por um autor zangado, dececionado com o rumo que tomaram
as coisas públicas. Eis uma temática arredia das obras anteriores que, se
agora se apresentou, é por ser tão significativa que os textos passaram a
situar-se além do bom gosto, além do bom senso.
O Herberto
deixou-nos muitos poemas, por isso não nos deixou. Tenho pena que já não
haja muita matéria inédita dele para publicar. Só nesse ponto a sua
partida é uma perda. Também é uma perda o seu silêncio, é verdade. O
silêncio pode conter carga crítica maior do que um grito arremessado à cara
de alguém. Noutros pontos de vista, não, o Herberto Helder é um poeta
muito grande, que vai ficar connosco para sempre.
Esperemos que
este governo que agora temos se lembre de que Herberto Helder
merece algum preito de homenagem. Atenção, senhores políticos: haja algum
respeito por um dos grandes poetas do nosso tempo e dos maiores da língua portuguesa! De certeza que
ele não aceitaria pompas e circunstância, mas há formas diplomáticas de o
Estado lhe tirar o chapéu.
Maria Estela Guedes . Odivelas . 23 de
março de 2015 |
Maria Estela Guedes
(1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov
Membro da Associação Portuguesa de Escritores,
da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.
LIVROS
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979; “SO2” .
Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler
Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”,
Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial
Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa,
1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria
Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À
Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de
Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu
Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários :
Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em
colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora,
1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”.
Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas
Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis
Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007;
“Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na
Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”.
Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed.
Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas
modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.
“Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao
rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010;
"Arboreto». São Paulo, Arte-Livros, 2011; "Risco da terra", Lisboa,
Apenas Livros, 2011; "Brasil", São Paulo, Arte-Livros, 2012; "Um
bilhete para o Teatro do Céu", Lisboa, Apenas Livros, 2013;
Folhas de Flandres, Lisboa, Apenas Livros, 2014.
ALGUNS COLECTIVOS
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de
Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom
homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte.
“O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual.
Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”.
Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.
Entrada sobre a Carbonária no Dicionário Histórico das Ordens e
Instituições Afins em Portugal, Lisboa, Gradiva Editora, 2010; «A
minha vida vista do papel», in Ana Maria Haddad Baptista & Rosemary
Roggero, Tempo-Memória na Educação. São Paulo, 2014.
TEATRO
Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação
de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de
Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de
Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando
Alvarez e interpretação de Maria Vieira.
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