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O Prof. A.M.
Galopim de Carvalho e o seu Centro de Interpretação |
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Está a decorrer a III Feira de Minerais, Gemas e
Fósseis, no Museu do Quartzo - Centro de Interpretação Galopim de Carvalho, em Viseu. A partir da última paragem de
autocarros, pode-se ir a pé, é um belo passeio através do pinhal até ao
Monte de Santa Luzia, observando e mesmo recolhendo pedrinhas de quartzo,
que ainda revestem o terreno, dando à paisagem, de longe, a aparência de
neve. Se vai à Feira de S. Mateus, não deixe de visitar o Museu, um belo
edifício, de linhas simples, enquadrado num espaço natural magnífico,
entre lagoa e pinhal. Interiormente, como documentam as fotos, amavelmente
cedidas pela diretora, Engª Susana Andrade, é um museu eficiente,
preferencialmente voltado, com as suas máquinas de jogos pedagógicos e microscópios
assestados sobre a mais mínima aparência da bela rocha vítrea,
para a educação de crianças e jovens; apetrechado com o que há de mais
moderno em matéria de tecnologia audiovisual, convida a experimentar e a
indagar, no caso sobre o quartzo. E esta é a sua enorme originalidade: ao
contrário do museu de História Natural que habitualmente conhecemos,
não só em Portugal como noutros países, caracterizado pela amostragem da diversidade de seres e objetos de dada
região (ou mesmo do mundo, caso dos museus do século XVIII e XIX), este é
especializado em uma única produção natural. Então a diversidade, que
existe ainda, já não se expande horizontalmente, ela assume dimensão de
profundidade, cobrindo tudo o que diz respeito ao mineral, desde a
composição química às propriedades, desde as variedades às aplicações nas
manufaturas humanas.
Tão moderno como o dedicar-se a um
único objeto natural é o nome do museu - "Centro de Interpretação". Numa
perspetiva ortodoxa, ligada ao cientista pouco dado a reflexões
filosóficas, a "interpretação" seria adversa de "ciência", pois a
tendência é para tomar o texto da ciência como espelho fiel da natureza,
donde a interpretação, com a sua liberdade, igual a potencial pluralidade
infinita, mais própria da teologia e da literatura, não teria
cabimento no modus operandi da ciência, habituada à leitura
única. Face a um objeto, o
cientista ortodoxo imagina que existe uma única assimilação e,
relativamente a certos enunciados, garante, com desprezo: "Isso são
interpretações!...". Pôr o conhecimento científico à prova com a
inevitabilidade, e a necessidade, de
leituras várias, consoante o leitor e a orientação do objeto, é algo que
deve exasperar e desnortear completamente os investigadores sem abertura de
espírito, por confundirem a diversidade de leituras (as interpretações)
com um objeto em estado de mutação contínua. Como se o quartzo se pusesse
a
evolucionar para dinossauro, o nariz a deitar fumo e as veias latejantes,
quando duas ou três interpretações de um dente fóssil de T. rex
num aglomerado de rocha cristalina entram em rota de colisão. Seja ou não
este nome fruto da eleição do Prof. Galopim, ele faz justiça à sua
criatividade, define-o como ponte entre o mundo das artes e o das
ciências. Uma ciência a seco, sem participação de outras áreas, seria
perigosa além de estúpida. Muita da melhor filosofia
contemporânea provém de cientistas.
A interpretação é
filosoficamente importante, ao pôr sem peias a questão do erro no centro
da reflexão científica e lembra-me que devo ao Prof. Galopim de Carvalho
um apoio extraordinário em tudo quanto tenho publicado sobre a história da
História Natural, apenas pela sua companhia, por estar aqui, no TriploV,
por ter estado sempre junto do que escrevo, apesar da sua alta
inconveniência. Porque o âmago dos meus escritos nessa
matéria é precisamente o das leituras, não tanto do objeto, sim do
texto científico: as minhas interpretações, não conhecendo profundamente
as matérias científicas, só por proteção dos deuses serão todas acertadas.
Digamos que terei acertado em cinquenta por cento dos casos e que o resto é
erro. Nada disto no entanto tem importância, importante é o objeto
científico que eu iluminei ao interpretar, acertada ou desacertadamente,
os textos científicos que lhe dizem respeito. Vejamos: não interessa por
aí além que eu tenha acertado ou não as minhas interpretações sobre a
pedra de cobre nativo. Importante é ter trazido à cena o que respeita a
esse objeto, para resposta à pergunta:
existem filões de cobre na Cachoeira (Bahia), local onde a literatura,
desde o século XVIII, diz
ter sido achada a gigantesca amostra? A informação prestada pela
ciência hodierna era peremptória: "Não existe cobre na região da Vila de Cachoeira".
Atente-se: essa informação passa por retrato da realidade, espelho fiel de
colinas plantadas com cana-de-açúcar, sem metais brilhantes por baixo, mas é só uma
interpretação. A ciência não sabia se o cobre existia ou não. O que a
ciência devia ter dito era, ou o que ela deve dizer é: "Não temos, até à data, conhecimento da
existência de cobre nessa região". Ora, face a toda a documentação
reunida e publicada, em papel e no Triplov, esse enunciado mais cauteloso
continua a ser interpretação e não retrato da realidade! Está errado, uma
vez que bastava a gigantesca pedra cuprífera, nativa ou alienígena, para
avisar toda a gente de que o cobre estava lá. Aliás avisou, ao tempo: não
conheço mesmo objeto museológico tão comentado na literatura científica
mundial, a não ser, claro, peças como a Gioconda ou Guernica. Apetece
concluir que aquilo que a ciência apresente na companhia de um "não" é
teologia e literatura, só o que apresenta com "sim" é explicação dos
fenómenos naturais.
Suspendamos por hoje as interpretações e
sigamos caminho pelo pinhal: localizado numa antiga pedreira onde se extraía
quartzo, destinado a abastecer uma fábrica de fundição (antiga fábrica de
fornos elétricos de Canas de Senhorim), no Monte de Santa Luzia, o Museu do
Quartzo - Centro de Interpretação Galopim de Carvalho, é uma criação
recente, obra concebida pelo geólogo mas que também homenageia o autor por cujas crónicas, no Triplov, todos
sabemos ser alentejano. Com efeito, nascido em 1931 em Évora, o Prof.
Galopim cultiva de modos vários a sua origem, seja com receitas da
gastronomia da região, seja com os seus romances "O cheiro da madeira" e
"O preço da borrega". Se bem que a pintura não tenha o impacto da
literatura no seu público, e a ela pouco tempo dedique, a verdade é
que o Prof. Galopim também é pintor. Estas duas atividades situam-se no
extremo da científica, no seu currículo, mas nem uma nem outra são aquelas
que maior importância pedagógica apresentam. A literatura científica tem
sempre um percurso discreto, reservado a especialistas, e a arte tem um
público diferente mas igualmente restrito. O campo de escrita em que
tem atingido mais pessoas é o da divulgação científica, uma
área aliás delicada, por em geral ser mal vista pelos seus pares: o
cientista é contra a divulgação, por entender que ela deturpa os factos ao
nivelar a linguagem pela do amador. Ciente disso, o Prof. Galopim sempre
remou contra a maré, publicando e continuando a publicar variadas obras de divulgação da geologia.
Ele é hoje uma pessoa muitíssimo bem conhecida dos portugueses graças a
mais uma atividade no campo do ensino e divulgação, que não se exprime
pela escrita, sim pela museologia, já que durante muitos anos dirigiu, com o
Museu de História Natural da Universidade de Lisboa, o departamento de Geologia e Mineralogia. Em
plena explosão dos dinossauros na cultura popular, com filmes como Parque
Jurássico em coroa, ele promoveu exposições com essa temática que chamaram
público ao Museu em quantidade antes nunca vista: o trânsito parava na rua
da Escola Politécnica para descarregar autocarros cheios de estudantes e
curiosos vindos de todos os pontos de Portugal. Se alguém abriu aos
portugueses e ao mundo as portas do Museu, nas secções de Geologia e
Zoologia, foi o Prof. Galopim de Carvalho. A secção de Botânica é
diferente, por estar dotada de um museu vivo, o Jardim Botânico. Espero
sinceramente que a recente entrevista para a RTP1, de Fátima Campos
Ferreira ao Presidente da
Câmara de Lisboa, debaixo das dinossáuricas Ficus do Jardim
Botânico, queira dizer -
é só uma interpretação, por isso falível o que escrevo... - queira dizer
que António Costa entende o valor histórico, científico e mesmo artístico
do Museu de História Natural, e por isso está empenhado em não o deixar
afundar-se debaixo das patas de algum aglomerado de condomínios de luxo.
Maria Estela Guedes . Casa dos
Banhos . 6 de setembro de 2014
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Edifício de
linhas puras, o Museu do Quartzo é obra do arquiteto Mário Moutinho |
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III FEIRA DE MINERAIS, GEMAS E FÓSSEIS
Museu do Quartzo – Centro de Interpretação Galopim de Carvalho Monte de
Santa Luzia – 3515 Viseu Tel.: + 351 232 450 163 E-mail:
museudoquartzo@cmviseu.pt
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Interior do Museu
do Quartzo |
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Sala de exposição
do Museu do Quartzo |
A.M. GALOPIM DE
CARVALHO
É professor
catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no
Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de
21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de
ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas.
Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico,
publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de
História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias
exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no
estrangeiro. |
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Em casa, mostra duas edições do romance "O cheiro da
madeira". |
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"Angola 76",
assinado Marcos |
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Galopim, à
esquerda, e família, em Évora, em 1941 |
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No Museu do
Marceneiro, em Évora, 2014 |
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Com professora e
alunas em Évora, 2014 |
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COMPLEMENTOS:
Sopas de pedra, blog de A.M. Galopim de Carvalho:
http://sopasdepedra.blogspot.pt
Bibliografia de A.M. Galopim de Carvalho:
http://www.triplov.com/biblos/carv2.htm
Diretório de A.M. Galopim de Carvalho no TriploV
http://www.triplov.com/galopim/index.html
Índice de Autores da Revista Triplov de artes,
Religiões e Ciências, onde também há trabalhos do Prof. Galopim:
http://novaserie.revista.triplov.com/autores/index.html
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O Prof. Galopim
com os netos, no Cromeleque dos Almendres, Évora, 2014. |
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No Zomarine, em
2010 |
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AGRADECIMENTOS |
Ao Prof. Galopim de Carvalho e à Engª Susana
Andrade, pelas fotos, e a Pedro Cunha, pela esclarecedora visita guiada ao
Museu do Quartzo. |
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Índice antigo |
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Maria Estela Guedes
(1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov
Membro da Associação Portuguesa de Escritores,
da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.
LIVROS
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979; “SO2” .
Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler
Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”,
Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial
Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa,
1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria
Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À
Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de
Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu
Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários :
Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em
colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora,
1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”.
Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas
Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis
Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007;
“Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na
Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”.
Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed.
Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas
modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.
“Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao
rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010;
"Arboreto». São Paulo, Arte-Livros, 2011; "Risco da terra", Lisboa,
Apenas Livros, 2011; "Brasil", São Paulo, Arte-Livros, 2012; "Um
bilhete para o Teatro do Céu", Lisboa, Apenas Livros, 2013.
ALGUNS COLECTIVOS
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de
Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom
homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte.
“O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual.
Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”.
Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.
Entrada sobre a Carbonária no Dicionário Histórico das Ordens e
Instituições Afins em Portugal, Lisboa, Gradiva Editora, 2010; «A
minha vida vista do papel», in Ana Maria Haddad Baptista & Rosemary
Roggero, Tempo-Memória na Educação. São Paulo, 2014.
TEATRO
Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação
de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de
Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de
Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando
Alvarez e interpretação de Maria Vieira.
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