MARIA ESTELA GUEDES
Foto: Ed. Guimarães
Música: http://triplov.com/letras/mario_montaut/Estela/index.htm

Boas Festas com erros mas sem erratas
Os erros são um dos pilares do nosso conhecimento, daí que a ciência contemporânea proceda, em muitos casos, pelo método da tentativa e erro. Costumo escrever que a vida é a grande mestra, aprendemos batendo com a cabeça nas paredes: sofrimento e erro a pautarem a aprendizagem.

O meu pensamento tem-se ocupado no assunto em razão de algo que já devo ter escrito, e várias vezes, fiada em não sei que valor factual: um "diz-se", um "li algures". E que se diz, que terei lido? Pois hei de ter lido, em ensaio, provavelmente, e em ensaio repeti, crédula, que os monges tibetanos andavam a trabalhar com um computador, combinando letras, para nas listas infindáveis de palavras resultantes acharem o verdadeiro nome de Deus.

É assim que se constroem os mitos, vejamos: com desencontrada informação sobre dada matéria sobre que paira algum véu de sacralidade. Acreditando na relação entre as palavras e a vida histórica de textos como o Alcorão ou a Bíblia.

Infelizmente, não: os monges, no Tibete, estarão ocupados com mil e um trabalhos, mas nenhum deles se relaciona com programas informáticos destinados a averiguar qual o verdadeiro nome de Deus. Esta trama não provém de textos sagrados, sim de um livro de contos de Arthur C. Clarke, Songs of distant Earth, que por acaso tenho andado a ler. O assunto vem logo na primeira história, "The nine billion names of God".

E por acaso terei de escrever outro artigo, onde possa tirar a mão da boca e falar sem auto-censura, já que agora, de dentes cerrados, direi apenas que estive esta tarde no lançamento de uma obra literária, versando na maior parte sobre um poeta, de que se disse (e eu repeti), ter visto a mãe ser espancada mortalmente pelo marido, o pai, que ele odiava, alguém contou, e por alguma razão seria. Pois esta tarde, um membro da família, presente na sessão, vem dizer que não, que não foi bem assim, ele tratava-a mal mas de outra maneira, com infidelidades, não parava em casa, e etc., e realmente a senhora acabou com a vida tomando comprimidos.

A este tipo de erros, aliás erratas, podemos dar o nome de branqueamento dos negrumes criminais para paz de alma familiar. Como de costume, salvam-se as aparências, o protagonista da nossa sociedade patriarcal não cai nas mãos da justiça literária, o nome é limpo, e quem se condena é o mais fraco, a vítima mais costumeira da violência doméstica, a mulher.

Não voltarei a este assunto, mas dar a mão à palmatória, não dou. A corrupção, como se sabe, não diz respeito apenas aos outros, aos que desviam dinheiros dos cofres do Estado, aos que ganham mais do que os ministros, servindo estes, a corrupção começa mesmo na família, ao nosso lado, com a nossa cumplicidade, com discriminações e atropelos que na origem e no objetivo têm a propriedade, o valor metálico das coisas. Da família, que serve os exemplos, vamos trepando até às obras socráticas dos altos postos governamentais.

Tende um Natal tão feliz quanto possível. Por favor, ao menos no Natal, não espanqueis as vossas mulheres, não  cometais burlas, saques, abusos sobre inocentes crianças. Desejo-vos um Ano Novo que realmente seja novo, jovem, sadio, sem erros, sujeiras, nem por isso necessidade de julgamentos nem de erratas.

Maria Estela Guedes . Odivelas . 13. dezembro. 2014
 
 
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Maria Estela Guedes (1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov

Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.

LIVROS

“Herberto Helder, Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979;  “SO2” . Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”, Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa, 1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários : Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora, 1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”. Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007; “Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed. Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010. “Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010; "Arboreto». São Paulo, Arte-Livros, 2011; "Risco da terra", Lisboa, Apenas Livros, 2011; "Brasil", São Paulo, Arte-Livros, 2012; "Um bilhete para o Teatro do Céu", Lisboa, Apenas Livros, 2013; Folhas de Flandres,  Lisboa, Apenas Livros, 2014.

ALGUNS COLECTIVOS

"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte. “O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual. Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”. Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009. Entrada sobre a Carbonária no Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, Lisboa, Gradiva Editora, 2010; «A minha vida vista do papel», in Ana Maria Haddad Baptista & Rosemary Roggero, Tempo-Memória na Educação. São Paulo, 2014.

TEATRO

Multimedia “O Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando Alvarez  e interpretação de Maria Vieira.