REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE
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Maria Estela Guedes
Foto: Ed. Guimarães |
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Com votos de Páscoa feliz |
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Da Páscoa da minha infância recordo a missa gelada, a mais breve do ano
todo, suspiravam de alívio as mulheres, que tinham de meter o borrego no
forno, e atender o compasso ao mesmo tempo, e torrar o leite-creme,
dispor em tabuleiro de xadrez a canela sobre a letria, estender sobre a
mesa uma toalha branca, e nela pratos e talheres.
Recordo a
laranja a representar o Sol, junto ao envelope com o dinheiro para o
padre, o padre, que nesse tempo visitava as famílias, recordo os
perfumes da doçaria e da carne que rechinava no forno.
Recordo o
vestidinho de fitas de atar atrás da cintura, pois a Páscoa é tempo de
coisas novas, e alguma havia sempre para estrear, mesmo reciclada de
alguma camisa de noite da mãe, os sapatos de material duro e luzidio que
atormentavam os pés, e pareciam sempre mais pequenos que eles, a
vertigem de ficar até desoras sem nada no estômago, pois a comunhão se
recebia em jejum.
Recordo o que pertence a uma comunidade
religiosa a que em afetos e sangue pertenço, mas já então me era tão
estranho como uma cultura alienígena, vinda de partes distantes, e veio,
veio do Médio Oriente. A estranheza expressa na desatenção, na
incapacidade de memorizar os passos e leituras do ritual, o discurso não
assimilado, a correr por fora como água da chuva sobre uma gabardine.
Pela enésima vez cito, por necessário, e cada vez mais urgente a mudança
radical, a frase de Frei José Augusto Mourão, que explica tão bem a razão do
alheamento: «O discurso da Igreja é estranho ao nosso corpo e à nossa
linguagem».
Aí está um novo Papa, a dar passinhos curtos numa
estrada modesta, por isso nova, sem esplendores de príncipe, mas essa
aproximação à vida dos crentes, pobre na sua esmagadora maioria, é
caminhada fraca ainda no que urge ser transformação profunda dos valores
morais, desacertados há muito do relógio civilizacional. Não falo de
ética, que essa é profunda e não se ensina, sim de códigos de
comportamento desajustados de um estado de evolução que precisa de
assimilar a ideia, por exemplo, de que, se quisermos manter o valor de
que a vida é sagrada, então toda a vida é sagrada, e não apenas uma
célula, e uma célula em particular, a humana, e mais particularmente
ainda a célula embrionária.
Eu começaria por aí, já que a Páscoa
festeja o regresso do morto à vida: é sagrada toda a biosfera, que o
mesmo é dizer que é sagrada a Terra, nossa casa, e nela tão sagrada é a
vida como a morte, uma vez que ambas se reúnem numa mesma coisa,
comungando uma da outra como condição da existência.
Maria Estela Guedes Casa dos Banhos,
29 de março de 2013 |
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Maria Estela Guedes
(1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov
Membro da Associação Portuguesa de Escritores,
da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.
LIVROS
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979; “SO2” .
Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler
Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”,
Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial
Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa,
1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria
Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À
Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de
Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu
Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários :
Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em
colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora,
1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”.
Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas
Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis
Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007;
“Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na
Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”.
Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed.
Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas
modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.
“Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao
rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010;
"Arboreto». São Paulo, Arte-Livros, 2011; "Risco da terra", Lisboa,
Apenas Livros, 2011; Trabalhos da Maçonaria Florestal Carbonária.
Lisboa, Apenas Livros, 2012; Brasil, São Paulo, Arte-Livros, 2012.
ALGUNS COLECTIVOS
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de
Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom
homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte.
“O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual.
Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”.
Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.
Entrada sobre a Carbonária no Dicionário
Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, Lisboa,
Gradiva Editora, 2010. "Munditações", de Carlos Silva, 2011. "Se lo
dijo a la noche", de Juan Carlos Garcia Hoyuelos, 2011; "O
corpo do coração - Horizontes de Amato
Lusitano", 2011.
TEATRO
Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação
de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de
Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de
Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando
Alvarez e interpretação de Maria Vieira. |
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