REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE
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Maria Estela Guedes
Foto: Ed. Guimarães |
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A propósito de escaravelhos |
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Uma destas noites, quando começou o verão
logo a seguir ao inverno, pois este ano nem houve primavera, estava eu
de janela aberta, no meio destes campos durienses, dou conta de ter
sofrido uma invasão de coleópteros enquanto via televisão. Não
esvoaçavam em torno das luzes, pontilhavam o chão, com a bela armadura
acobreada de duas asas.
Achei estranho, primeiro por não conhecer
estes escaravelhos, segundo por terem entrado em grupo, depois por
parecerem tímidos, deixando que os fotografasse no chão e nas almofadas,
sem se mexerem.
A classe Insecta é a maior de todas no
reino animal, quer em número de espécies quer em número de indivíduos,
por isso já sabia que pelas imagens da Internet não chegaria a responder
à pergunta que fundamenta a Sistemática, ciência que identifica e
classifica os diferentes grupos de seres vivos: «Que espécie de
coleóptero é esta?» De qualquer modo, para leiga, duas etapas já
conseguira vencer - a da classe: Insecta; e a da ordem: Coleoptera. Nada
mau, mesmo, pois nos coleópteros contam-se os escaravelhos, e há muito
boa gente a supor que escaravelhos são só os da batata. Não, há muita
diversidade de escaravelhos, sem precisarmos de ir para o Egipto,
onde se adoravam os Scarabeus sacer, representados nos amuletos
de cerâmica azul que trazem como recordação os viajantes, nem para Edgar
Allan Poe, com o seu famoso conto «O escaravelho de ouro». Lê-se na
Internet que são cerca de trinta mil as espécies de escaravelhos com que
tem de se haver o entomólogo (veja o post
scriptum com errata de Artur Serrano).
Posta a dificuldade em identificar os meus
visitantes noturnos, recorri a Artur Serrano, entomólogo de currículo
internacional, especialista em Coleoptera, precisamente. Cito, do seu
e-mail, o que aos insetos interessa, agradecendo-lhe a colaboração
cordialmente prestada:
«Quanto ao seu coleóptero, realmente é
difícil identificá-lo só pela fotografia. Só posso dizer-lhe que
pertence à família Melolonthidae e a um dos seguintes géneros:
Rhizotrogus, Amphimallum ou ainda Monotropus.
Estes géneros comportam quase 100 espécies para a Península Ibérica
e várias dezenas para Portugal. Normalmente os indivíduos têm
actividade crepuscular-nocturna e daí só aparecerem à noite, muitas
vezes atraídos às luzes (provavelmente o seu caso). Os adultos
aparecem em períodos curtos do ano para copularem e darem seguimento
à geração seguinte. As larvas vivem maioritariamente no solo às
expensas das raízes de diversas plantas.»
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Coleoptera: Melolonthidae
Foto: Britiande, 12 de maio de 2012 |
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Fiquei a pensar nos coleópteros, e já
depois de pedida ajuda a Artur Serrano, discorri que o facto de não
reagirem a tê-los varrido para a rua, nem a esboçarem movimentos de fuga
ao fotografá-los, não se devia a timidez, sim a envenenamento. Estavam
moribundos, os desgraçados, pois nessa tarde andara aí o Necas a
pulverizar as árvores. Na sequência, desenvolvi uma crise aguda de
rosácea, acrescida de outras irritações cutâneas, o que não se deveu
certamente a ter tocado nos escaravelhos, sim a ter sofrido na pele os
mesmos efeitos químicos que eles.
Enfim, só para rematar: já não é viável,
hoje, cultivar a terra sem ajuda dos químicos, pelo menos nestas
paragens. Mas é necessário que se fuja deles, sobretudo dos químicos
estranhos ao planeta, os criados em laboratório. Precisamos também de
conhecer os animais, para evitarmos os que nos molestam (mosquitos,
melgas, escaravelho da batata), mas aprendermos a respeitar os que nos
beneficiam (quase todos ajudam a polinização, as abelhas dão-nos o mel,
há os que eliminam os desperdícios biológicos, etc.).
Viver no campo tem-me ensinado muito, mas
algumas lições são desagradáveis: as pessoas não conhecem os animais,
sentem repulsa instintiva por eles, salvo por algumas aves mais bonitas.
Até uma nova cultura se impor, de convivência sã com os animais e as
plantas, vai demorar umas gerações. Só à beira mesmo do precipício o
Homem abandonará a sua soberba para admitir que a salvação do planeta
exige respeitar todas as criaturas e não apenas a si mesmo. |
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Britiande, 16 de maio de 2012 |
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Post sriptum com
errata:
Apenas uma pequena correcção à informação
via internet. Não são 30 mil, mas mais de 300 mil as espécies de
coleópteros até hoje descritas para a ciência (apontando as estimativas
para a ocorrência no nosso planeta de mais de um milhão de espécies só
deste grupo de insectos).
Artur Serrano |
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Maria Estela Guedes
(1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov
Membro da Associação Portuguesa de Escritores,
da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.
LIVROS
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979; “SO2” .
Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler
Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”,
Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial
Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa,
1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria
Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À
Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de
Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu
Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários :
Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em
colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora,
1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”.
Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas
Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis
Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007;
“Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na
Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”.
Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed.
Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas
modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.
“Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao
rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010;
"Arboreto». São Paulo, Arte-Livros, 2011; "Risco da terra", Lisboa,
Apenas Livros, 2011.
ALGUNS COLECTIVOS
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de
Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom
homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte.
“O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual.
Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”.
Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.
Entrada sobre a Carbonária no Dicionário
Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, Lisboa,
Gradiva Editora, 2010. "Munditações", de Carlos Silva, 2011. "Se lo
dijo a la noche", de Juan Carlos Garcia Hoyuelos, 2011; "O
corpo do coração - Horizontes de Amato
Lusitano", 2011.
TEATRO
Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação
de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de
Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de
Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando
Alvarez e interpretação de Maria Vieira. |
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