REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE
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Maria Estela Guedes
Foto: Ed. Guimarães |
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Poemas e memórias de Tito Iglesias |
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Tito Iglesias acaba de publicar o que
considera a sua obra mais importante, «O crime da Madame Baudier». Em
2009, sairam «Mitomanias e mimetismos» e «A desventura de se chamar
Ventura». No ano anterior, 2008, tivemos oportunidade de recensear «Antes que
do desconhecido surja a inevitável ave de rapina» (1). Chamámos
nessa altura a atenção dos leitores para a «amada senhora» do poeta, a
poesia. É ela quem sobrevoa, de todos os pontos de vista, a obra do
autor, até atingir o seu ápice naquilo que não é um romance policial,
sim um livro de memórias, «O crime da Madame Baudier».
Escritor de afinidades surrealistas, como
ele mesmo declara no subtítulo de «A desventura de se chamar Ventura -
Antologia de prosas sobrerrealistas», Tito Iglesias pratica uma arte
muito livre e descomplexada, glosando, citando, referindo e comentando
textos dos seus autores prediletos. Mais uma vez, é o próprio autor quem
aponta em título essa sua vertente, chamando a atenção para o mimetismo.
Mimetismo e mitomania, isto é, idolatria dos autores que elegeu. O poema
que transcrevemos em baixo é um excelente exemplo da dominante literária
de Tito Iglesias, ao decalcar «Chorai arcadas do violoncelo», de Camilo
Pessanha.
É nesta dominante literária da obra que se
enquadra «O crime da madame Baudier». Não se tratando de um romance
policial, paira sobre a obra uma sombra de mistério própria dos romances
de enigma, que é precisamente a resposta às perguntas que agitam o
leitor ao longo do livro: Alguém assassinou Madame Baudier? Madame
Baudier matou alguém? E quem é Madame Baudier?
A descoberta do crime dá-se na biblioteca
do Hotel Miramar, no Estoril, mas o corpo do delito reporta-se a Porto Alegre, no sul do Brasil.
Ali vivia Mário Quintana, que, em 1940, dava à estampa o seu primeiro
livro de poesia, «A Rua dos Cataventos», iniciando com isso a sua
carreira de poeta, escritor e autor infantil (2). |
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Madame Baudier é um nome francês
que dá dá
tom romanesco às memórias do autor, em parte decorrentes da sua vida como diretor de hotel, e noutra parte relativas ao Estoril. Tito
Iglesias, espanhol de nascimento e luso-brasileiro de vivência,
assistiu ao dealbar do turismo na Costa do Sol. Na sua juventude, quando a Costa era visitada por
monarcas, príncipes, políticos e espiões, o autor teve
oportunidade de conhecer inúmeras figuras que agora é
interessante revelar. Valeu-se, para não cairem no
esquecimento, de diários e cadernos de notas, como fica
explícito aqui e ali, e em primeiras páginas nos agradecimentos.
O antigo texto foi reescrito recentemente, o que o enriquece
muito, quando o autor compara épocas diferentes. |
Tito Iglesias,
«Mitomanias e mimetismos», Edições Vela Branca, Paço de Arcos,
2009 |
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É um fundo documental valioso, e não
apenas para o Estoril, se bem que o Estoril seja o principal foco do
livro, por se reportar à adolescência do autor, idade em que mais
sensíveis somos, aquela em que mais material afetivo recolhemos. Madame
Baudier, como Mata Hari, podia ser uma espia disfarçada de turista a
veranear pelo Casino Estoril. No seu discurso ornamentado, de longos títulos
próprios do século XVIII, os nomes dos membros da alta sociedade
inscrevem-se no mapa da estação portuguesa de veraneio, conferindo-lhe a
sedução da abastança e da intriga internacional. |
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AMOSTRAGEM
DA CORTÊS E
PACÍFICA SOCIEDADE
QUE ENTÃO
HABITAVA O
TRANQUILÍSSIMO
LOCAL
DO CRIME DA
BAUDIER, EXCEPTUANDO-SE A
TEMÍVEL
ESPIONAGEM INTERNACIONAL.
UM VILÃO AQUI
RETRATADO. |
Tito Iglesias, «O crime da Madame
Baudier», Edições Vela Branca, Paço de Arcos, 2011 |
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Na região da Costa do Estoril, nos anos
30, 40 e 50, diversas classes sociais, e até as mais opostas de um vasto
leque — digo-o meditada e equanimemente, sem tocar a orla do exagero —
eram então, consideravelmente polidas. Exemplo: nunca se sentavam no
rebordo superior dos bancos públicos, com as patas transportando
excrementos de cão e infectada saliva humana sobre os assentos, como
hoje, com frequência, ocorre. Nem proferiam reles obscenidades, em voz
alta, nos transportes públicos.
Desde a do ex-monarca Humberto II, de
Itália; do conde de Barcelona, que foi filho e pai de reis; do ex-rei
Carol da Roménia (a realeza deve comportar-se educadamente, mesmo se,
brutalmente, houver sido destronada...); passando pela então reduzida
classe dos grandes capitalistas portugueses e estrangeiros, como a
família Espírito Santo, a primeira, que eu saiba, a criar em Portugal
uma fundação de elevadissimo nível cultural, ao mesmo tempo que
proporcionava, em seus negócios, milhares de empregos...; Fausto de
Figueiredo — megaempresário de múltiplas iniciativas e construtor da que
foi a melhor região turística mundial —; o banqueiro Jorge de Brito;
Patifio, “rei do estanho”. O industrial, de nível europeu, Alfredo da
Silva, e seus competentes continuadores na CUF, num país, até então
quase só com tradições agrícolas....
Depois, sobrevoando as classes alta e
média, até à do Abel, humilde mas considerado banheiro então da praia do
Monte Estoril, quando esta possuía farta areia, transportada por
batelões (ninguém se lembra já deste sistema eficiente, que talvez
evitasse que superfícies outrora bem arenosas o fossem hoje irregulares,
pontiagudas e desoladoras sucessões de rochedos?).
Tito Iglesias, «O
crime da madame Baudier», p. 95 |
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Homenagem a Pessanha, fumando também o seu ópio verbal
«Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,
— FuIgurações azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarões, cromáticas vesânias —,
No limbo onde esperais a luz que vos baptize,»
(Camilo Pessanha, «Clepsidra»)
Para Cassiano Nunes, poeta do Brasil
Alados mastros,
Flores lacustres.
Nos alabastros,
Brilhos de lustres.
Ao largo, ao longe,
Velas de cores,
E os argonautas
E os astronautas
(Anacronismos
Nos voos dos astros?)
Trocando flores,
Fruindo flautas.
Sob holofotes
Cálido claustro:
Nos bastidores,
Barões ilustres;
Nos balaústres,
Inês de Castro.
Macau: chinês?
Durante lustros,
Ópio de versos,
Guizos de rimas,
Em português.
Trémulos rastros:
Mitos lacustres?
Lastros dos astros?
Aguas ou lustres?
Chorai, Pessanha,
Sob as arcadas
Do violoncelo.
Sem pleonasmos
Nos seus espasmos.
Despedaçados,
Claros cintilam
Seus alabastros.
Não mais rimeis. Nem suspireis. Adormecei.
Tito Iglesias, Mitomanias e mimetismos |
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Tito Iglesias
«A desventura de
se chamar Ventura - Antologia de prosas sobrerrealistas»
Edições Vela Branca, Paço de Arcos, 2009 |
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NOTAS |
(1) Maria Estela Guedes, A amada
senhora de Tito Iglesias. Em:
http://triplov.com/estela_guedes/2009/Tito-Iglesias.html
(2) Mário Quintana. Na Wikipédia, em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Quintana |
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Maria Estela Guedes
(1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov
Membro da Associação Portuguesa de Escritores,
da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.
LIVROS
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979; “SO2” .
Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler
Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”,
Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial
Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa,
1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria
Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À
Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de
Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu
Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários :
Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em
colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora,
1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”.
Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas
Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis
Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007;
“Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na
Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”.
Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed.
Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas
modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.
“Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao
rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010.
"Arboreto", São Paulo, Arte-Livros, 2011.
ALGUNS COLECTIVOS
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de
Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom
homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte.
“O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual.
Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”.
Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.
Entrada sobre a Carbonária no Dicionário
Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, Lisboa,
Gradiva Editora, 2010. "Munditações", de Carlos Silva, 2011. "Se lo
dijo a la noche", de Juan Carlos Garcia Hoyuelos, 2011; "O
corpo do coração - Horizontes de Amato
Lusitano", 2011.
TEATRO
Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação
de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de
Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de
Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando
Alvarez e interpretação de Maria Vieira. |
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