REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
ISSN 2182-147X
NOVA SÉRIE
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Maria Estela Guedes
Foto: Ed. Guimarães |
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O sardão do meu jardim |
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Mudei de casa, em
Britiande. Agora vivo no campo, numa antiga casa de lavoura, em cuja
parte mais antiga viveram os meus bisavós paternos. Disfruto de belas
vistas da serra do Marão, de outras montanhas, de tufos de mimosas, de pomares
e couves. E gozo ainda a boa companhia dos animais.
Nos degraus de pedra de uma escada que dá para o campo, vivem lagartixas simpáticas, outrora chamadas
Lacerta muralis, e
um lindo sardão, cujo nome mais recente tenho vergonha de dizer, pois
pode já ter mudado e eu ficava com patente de ignorante. Nos
bons tempos de técnica do Museu de História Natural, departamento de
Zoologia, tinham estes animais o nome de Lacerta ocellata. Depois
foram mudando para Lacerta lepida, Timon lepidus, as
duas identidades em simultâneo, etc et al.. Os nomes estão sempre a mudar porque os
animais mudam e é preciso reclassificá-los, misturando até as
designações de duas espécies que parece já não serem distintas... Cuidado,
estudantes!, esta declaração é herética, anti-darwiniana, criacionista
no sentido em que estipula que o Homem é o criador, por isso, quem
aceitar esta versão das mudanças ainda pode ir parar à fogueira
académica. E porque não testam esta hipótese? Já a testaram, não é? Os
resultados das eletroforeses dão dois cordões umbilicais (1) e tudo, mas há
tanta interpretação para os textos... Isso até podem ser efeitos de
adaptação aos inseticidas...
Citemos então um autor paradigmático,
respeitando religiosamente a(s) sua(s) gralhas menor(es) (2), antes de falar
das minhas gralhas maiores:
«O sardão Lacerta
lepida iberica (Perezmellado 1998) ou Timon lepidus ibericus (López-Seoane
1884 sinónimo) é o maior lacertídeo da Europa (comprimento total pode
atingir os 754 mm) e é possivelmente a espécie-bandeira para a
conservação dos répteis e anfíbios europeus. A espécie consta no Anexo
II da Convenção de Berna e cai na categoria de LC (Least Concerned Pouco
Preocupante) segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN
(Internacional Union for Conservation of Nature). No Livro Vermelho dos
Vertebrados de Portugal o estatuto é de NT (Near Threatened Quase
Ameaçada)»
«Este lagarto é principalmente encontrado na Península Ibérica, e a sua
alimentação é baseada sobretudo em insectos, mas também se alimenta de
caracóis, lagartixas, cobras de água e outros répteis, pequenos
mamíferos, ovos e crias de aves. Desempenha um papel importante na
cadeia trófica dos ecossistemas onde ocorre, pois constitui também uma
parte significativa da dieta de várias rapinas que podem optimizar a
ingestão de energia através da predação selectiva deste grande réptil.
Tem sido debatido que o declínio na espécie em vários locais resulta do
aumento na importância desta espécie na dieta dos seus predadores,
consequência do decréscimo dramático nas populações de coelho-bravo Oryctolagus cuniculus devido à mixomatose e pneumonias virais endémicas.»(2)
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Voltando então ao meu tema das gralhas (aves
faladoras), ou à língua das aves, que é um modo de falar nas
entrelinhas, fazendo de conta que os erros da escrita nos textos dos
naturalistas foram acidentes, lapsos sem intenção, hoje compreendo
melhor as suas motivações. Por exemplo, estou a reler a «Viagem em
Portugal», relato dos estudos botânico e outros empreendidos por Link e
Hoffmansegg em Portugal, em 1797 e 1798. Link passa a vida a criticar o
mapa de Portugal de Lopes de Lima: porque não há notícia de povoações
com o nome de Marão, porque a Portela do Homem está longe da fronteira
com Espanha, porque não existe nenhuma lagoa na região de Setúbal onde
ela está assinalada, etc.. Quem está de fora dos problemas que levanto,
e são muito graves, poderá pensar: o burro do Lopes de Lima! O
incompetente geógrafo! Como é possível?
Pois, não é possível
mesmo. É isso que venho dizendo há dez anos: não é possível que as
gralhas sejam gralhas, lapsos de escrita ou pensamento, isso é
deliberado, tem um sentido!
Agora vejamos o que se
passa com as gralhas de Link: ele trata o geógrafo por Lopes, por Lopes
de Lima e por López! Hem? Mutaçõezitas rápidas, não precisam dos
triliões de anos de Darwin para que se produzam novas espécies. Deixámos
de ter um Lopes de Lima, passámos a uma catrefa deles.
Porquê? Isso, meus
amigos, era o que eu gostava de saber, e bem queria a ajuda dos
cientistas para desvendarmos o mistério. Ao longo destes anos, consoante
os casos, fui expondo hipóteses de explicação. Para este, o caso de Link
e não do Lacerta ocellata x Lacerta lepida=carradinhas de
híbridos, direi o seguinte: desde sempre os mapas foram manipulados, e
os mapas portugueses, já nos Descobrimentos, eram célebres por serem
falsos. Ninguém estava interessado em dar novas terras à concorrência,
por isso, com os mapas errados, os adversários iam direitinhos para as
profundas das entranhas do Adamastor. No caso de Link, a pretexto da
Botânica, ele publicou um livro em que deu a conhecer à Europa de
Napoleão tudo o que dizia respeito ao nosso exército e marinha,
fortificações ativas e em ruínas, caminhos bons e maus, descrição
pormenorizada das fronteiras, conventos e instituições com valores em
arte e outras riquezas, etc.. A seguir, foi só os franceses entrarem e
irem direitinhos aos lugares certos para procederem às suas pilhagens.
Adiantou alguma coisa o mapa de Lopes de Lima estar errado? Bem, isso e
o facto de uns monges terem partido o barómetro dos botânicos,
impedindo-os de medirem as altitudes das montanhas, teve ao menos a
utilidade de atrasar as movimentações destes dois espiões alemães.
Quanto ao meu sardãozito, que lhe hei-de fazer? É muito agradável ter a boa companhia dos animais,
nem todos, claro, mas salvo um ratinho - Apodemus sylvaticus? -
que apareceu uns dias, e recebi tão mal que se foi embora para não
voltar, salvo essa espécie, saudável, não ameaçada, e por isso
desprotegida, todos os outros são bem acolhidos: abelhas, abelhões que
andam a fazer ninho no telhado da cozinha, andorinhas que também fazem
ninho nos beirais e no telhado da varanda, os melros, as lindíssimas poupas e
Pica pica (Pega-rabuda),
as rãs na poça e nos regos, à sombra dos agriões (rãs verdes, serão a
Rana iberica?), enfim, a todos recebo com palavras doces e fotografias.
Hoje, pela primeira vez,
esse galã dos Lacertidae portugueses, e mesmo ibéricos, e até europeus,
e mesmo mundiais, deixou-se ficar posando para a máquina fotográfica, por isso aqui lhe
deixo o retrato para admiração de todos e dele, com o meu sincero obrigada. |
Nota |
(1) Receio que os répteis,
sendo ovíparos na maior parte, não tenham cordão umbilical. Mas vejam a
espantosa história do Macroscincus coctei: um especialista
alemão, estudando ossos encontrados numa ilha do Oceano Índico, não
garantiu que, por causa do atlas, estavam ali os antepassados do lagarto
gigante de Cabo Verde? Ao que parece e dizem os sábios, o atlas é um
osso que sustenta o crânio dos mamíferos... No mundo da natureza do
Homem, aqui caracterizada pelo bom humor, tudo é possível.
(2) O nome do autor é Perez Mellado. A citação correta
não seria Lacerta
lepida iberica (Perez Mellado 1998),
sim Mellado apenas. Veja-se o modo de nomear uma outra espécie deste
autor e de outro herpetologista espanhol: Podarcis lilfordi
codrellensis Mellado & Salvador, 1988.Que significam estas gralhas?
Não sei, palpita-me no entanto que os próprios cientistas estão a dizer
que o sardão é o resultado de muita mistura genética.
(3) João Pinto Godinho - Lacerta lepida. Em
linha em:
http://www.atnatureza.org/biodiversidade/especie.php?id=6
Citado a 13 de Abril de 2011 |
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Maria Estela Guedes
(1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov
Membro da Associação Portuguesa de Escritores,
da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.
LIVROS
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979; “SO2” .
Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler
Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”,
Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial
Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa,
1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria
Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À
Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de
Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu
Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários :
Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em
colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora,
1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”.
Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas
Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis
Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007;
“Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na
Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”.
Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed.
Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas
modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.
“Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao
rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010.
ALGUNS COLECTIVOS
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de
Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom
homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte.
“O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual.
Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”.
Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.
Entrada sobre a Carbonária no Dicionário
Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, Lisboa,
Gradiva Editora, 2010.
TEATRO
Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação
de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de
Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de
Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando
Alvarez e interpretação de Maria Vieira. |
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